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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O Repórter

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O Repórter

O recém formado jornalista Edson Prado queria escrever um livro impactante e, no auge da mocidade, com ideias diferentes, foi até o Hospital Central da cidade e procurou o diretor para uma entrevista.

_Jovem, uma entrevista comigo? Eu trabalho dezoito horas por dia, durmo abraçado à medicina e a este hospital. Não tenho tempo para desperdiçar em entrevistas.

Edson pensou em uma estratégia para conseguir uma entrevista. Ir ao hospital todos os dias e acompanhar a vida do médico-diretor.

_Edson, venha comigo. A ala feliz é a ala da maternidade. Aqui os cuidados se restringem a não deixar as parturientes comerem as guloseimas que ganham. Outro dia chegou aqui um frango assado embrulhado em papel celofane. Fui obrigado a determinar a retirada do frango. No meu hospital, quem alimenta os pacientes sou eu. Para o bem da saúde deles a comida é controlada por nutricionistas e inspecionada diariamente para o pronto restabelecimento deles.

O repórter aproveita e pergunta se ele é severo desde criancinha.

_Jovem, eu vendia panos de prato de porta em porta quando era criança. A vida é dura.

No dia seguinte o jovem foi ao hospital novamente. Era o dia de o diretor verificar a ala triste.

_Se eu fosse você, eu iria embora. Hoje eu vistorio a ala dos acidentados. Não se aproxime das crianças com queimaduras. Qualquer contato pode infeccionar a área afetada e você pode matar essas crianças. Elas estão mal tanto fisicamente quanto espiritualmente porque não recebem carinho, afagos das mães, e é proibido abraçá-las. Você tem que entrar no quarto, sorrir, dizer algo engraçado para distraí-las. Distrair as crianças que estão livres dos anestésicos para a dor e não olhar para as cicatrizes.

A semana segue e Edson encara a rotina com o médico.

_Você é insistente jovem. Hoje estou de mau humor. Vamos até a ala classe A. Eles trazem os seguranças, as enfermeiras, e eu solicito policiais à paisana para vigiar as enfermeiras e os seguranças deles. Eu sou o responsável pelo hospital. Aqui eu mando. No hospital lidamos com substâncias perigosas. Eu esterilizo o chão com éter puro. Eu conto com a ajuda do serviço da segurança pública e tenho uma contabilidade rigorosa desses produtos. Se você soubesse o quanto eu sinto raiva ao demitir alguém que pegou uma dessas substâncias para uso indevido.

Na quinta-feira Edson ficou na portaria, na imensa fila dos desprotegidos da sorte. O diretor foi avisado que o repórter estava observando a fila.

_Você está aqui e não me avisou! Aqui tem todo o tipo de gente, inclusive gente mal intencionada que aguarda um descuido do policial da portaria para subir aos quartos e praticar furtos. Eu dou ordem para que adentrem ao hospital os familiares dos pacientes. O controle é a vida, os remédios meticulosamente medidos, e se houver discussão, retiramos no ato as visitas daqui.

Edson não tinha a mínima idéia da função de diretor de hospital e admirava aquele homem a cada dia que passava.

_Edson, eu dei a minha vida aqui. Recebi políticos, empresários, fiz empréstimos, paguei os empréstimos, conversei com banqueiros, as senhoras da sociedade fizeram a sua cota de benesses ao hospital com o meu apoio. A diferença é a ausência da hipocrisia nesse negócio todo. Tudo que eu recebi e que eles deram foi em prol do hospital. Tenho uma equipe preparada. Não fiz comércio com a medicina. A medicina pode se tornar um balcão de negócios e, eu não me tornei comerciante de remédios, exames e internações.

Edson perguntou:

_E a sua família?

O diretor respondeu que a mulher do médico tem que ser companheira embora nem sempre ela siga a mesma profissão. Ele tinha a sua grande parceira da medicina. Ela atendia telefones de madrugada e o ajudava a se arrumar para a emergência quando no início da carreira.

_O senhor se sente feliz?

_Eu me sinto realizado com as minhas mãos firmes e precisas, eu me reconforto com a minha mulher, eu sofro com os meus pacientes e eu quero fazer mais.

Edson, recém formado, não tinha matéria para um livro, mas sentiu-se um profissional e publicou o perfil do médico, diretor, 68 anos, e do seu amado hospital no jornal da cidade.

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