Angelina ouviu no seu rádio-relógio, na segunda-feira, de manhã cedo, seis horas da manhã, que no centro da cidade de Curitiba haveria, durante a semana, uma campanha de prevenção de doenças metabólicas. Resolveu que não perderia esses testes de saúde.
A irmã da moça, Juliana, contrariada, disse para ela que não fosse. Ela era uma menina que possuía certas posses e lá certamente haveria uma população carente, a campanha era dirigida àquelas pessoas que tinham dificuldades para se cuidarem. Ela podia simplesmente usar o plano de saúde e fazer os exames em um laboratório credenciado para ficar sossegada.
Angelina explicou que no centro da cidade os testes seriam feitos com apenas uma gota de sangue e se tudo estivesse bem, ela não precisaria ir até o laboratório colher sangue.
A irmã mais velha torceu o nariz, reiterou o pedido para que ela não se expusesse à toa no centro da cidade. Quanto mais apelava, mais a teimosia encontrava Angelina renitente.
No dia anunciado, Angelina acordou cedo, fez jejum e chamou um táxi que a levaria do bairro Ahú até o centro de Curitiba.
O motorista, um senhor de origem oriental, nascido no Japão, quando soube o motivo da corrida, contou que há dez anos não procurava um médico. Depois que soube que tinha colesterol elevado, triglicerídeos e osteoporose, voltou aos hábitos dos seus ancestrais, começou a comer muito peixe, legumes e verduras e a praticar mini-golfe. Convidou a passageira para conhecer o mini-golfe, um golfe jogado em várias pistas pequenas de cimento com taco e bola específicas para a sua prática. E ele freqüentava porque eram aceitos brasileiros de outras origens naquele clube de tradições orientais. Assim ele conhecera os nossos costumes e passou a falar e compreender a nossa língua.
Angelina agradeceu o convite e, como a corrida terminou, desceu próximo à Praça Osório buscando a tenda branca com os olhos e observou uma fila de sessenta pessoas. Entrou na fila e ficou calada, observando a fila, os seus integrantes e não sentiu vergonha de estar ali, era gente no meio da gente. Uma delícia.
Depois de alguns minutos, Angelina se sentia tão de carne e osso como todo o povo que estava na fila.
Uma emissora de televisão apareceu na praça para filmar o movimento da feira de saúde. A senhora que estava atrás dela se animou bastante com a presença dos repórteres. Perguntou à moça se o seu cabelo estava bom, ansiosa por aparecer na televisão. Angelina riu-se e respondeu que ela estava bem arrumada.
Um louco, daqueles que perambulam pelas calçadas sem eira nem beira, rodeou a tenda branca da saúde. Gritava o mendigo que “o médico tinha que ver a circulação da cabeça aos pés e que só aquilo de consulta não bastava”, o que para ele era pouco. Repetiu a mesma frase tantas vezes que chamou a atenção para si, não somente da fila, mas da equipe de saúde e dos jornalistas. Nisso aparece outro mendigo, que se encostou de um lado da tenda e gritou:
_Basta! Agora é a minha vez de falar.
Na sua frente estavam dois senhores. Um deles comentou que no tempo do chicote, aquilo não existia, ou o homem entrava na linha ou o chicote cantava. O outro senhor confidenciou à moça que o colega era bisneto de um feitor. Ela ficou boquiaberta com a situação.
E a fila continuava com muita gente à sua frente e mais umas cinqüenta pessoas na espera atrás dela, na fila de Angelina. Alguns transeuntes cortavam a fila ao meio para atravessar a rua e brincavam com Angelina perguntando se a fila emprestava dinheiro, ou se a fila era daquelas que valiam à pena. Até mesmo porque naquela manhã fria e chuvosa de quinta-feira as pessoas pareciam felizes e dispostas naquela fila de colher sangue.
O tempo foi passando e a fome de Angelina aumentando. Eram quase onze horas da manhã. Agora estava próxima a sua vez de ser atendida. Já não era sem tempo, pensava.
A enfermeira a convidou para sentar-se e preencher a ficha. Neste instante a pressão arterial do médico responsável subiu. Ele teve uma crise de nervos e dividiu a fila em três. Todos os possíveis pacientes que esperavam na fila e estavam aguardando a vez de a moça ser atendida, passaram à sua frente. Enquanto ela preenchia a ficha, a fila fazia exames.
Angelina saiu da fila e foi tomar um café no quiosque. Ela tomou o café com adoçante pensando nos maravilhosos doces árabes que se mostravam enfeitando o balcão de vidro. Perdeu a pressa e a vontade de fazer qualquer exame naquele dia. Estava se divertindo e se perdeu do seu objetivo inicial.
Apesar da fome, ela voltou à fila. Escolheu a dos exames que a interessavam. Com a determinação de uma guerreira se postou novamente na fila. O médico responsável, ainda atordoado com a quantidade de pessoas, começou a distribuir senhas para o atendimento. Ele mesmo cortou os papéis e começou a distribuí-los modificando novamente a ordem de atendimento.
A paciência da moça foi-se embora. Angelina saiu da fila, olhou a carteira, entrou na loja de som e comprou um cd. Ainda revoltada, foi até uma pastelaria chinesa próxima dali e comprou alguns pastéis para o almoço. Pegou o táxi de volta para casa. O motorista era português. Ela não acreditou porque fora trazida por um motorista japonês do Japão e estava voltando com um português de Portugal. Curitiba tem várias etnias, é uma cidade plural, mas era muita coincidência. Podia muito bem ser conduzida por um polonês, um italiano ou um francês, todos nascidos em Curitiba, netos ou bisnetos de imigrantes. Os dois motoristas eram estrangeiros originários dos seus países. Enfim, o motorista veio de Portugal há cinco anos e disse que o Brasil lhe oferecia oportunidades porque era um país em expansão, o povo vivia contente e dava vivas a tudo.
Chegou em casa. Pagou a corrida e desejou felicidades no seu trabalho na capital do Paraná. Felicidades para o motorista, a sua mulher e o seu filho de cinco anos.
Ao entrar em casa a sua irmã Juliana a aguarda e quer saber o resultado dos exames.
_Exames, que exames? Eu dei a maior volta ao mundo que se pode fazer em uma única quadra nesta cidade. Eu dei a volta ao mundo nas últimas duas horas! Valeu para o resto dos meus dias.
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