Rio de Janeiro

Rio de Janeiro

http://frasesemcompromisso.blogs.sapo.pt/

O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Deus que o Valha!

Deus que o Valha!

clip_image002

Deolinda era a moça solteira da família, as irmãs se casaram e ela? Nada, em namorado tinha. Aos trinta e dois anos, na cidade do interior começava a ser chamada de tia. Era moça rica, estudada e inteligente.

Pensou consigo mesma que sem marido não ficaria. Procurava um moço com as seguintes qualidades: interesseiro, solteiro e estudado.

Pesquisa dali e pesquisa daqui e achou o marido.

Casada, teve filhos. O marido, para conseguir casar com ela teve que aceitar o emprego na firma dela. Ela o empregou e ele gostou do emprego, da família e do jeito simplista de pensar da moça. Sabia que ela queria marido.

Dinheiro, dinheiro e mais dinheiro conseguiam.

Conhece um blogueiro, amigo do marido. Não acredita no que vê.

Em conversa íntima com o marido à noite, pergunta:

_Quanto é que ele ganha com esse blogue?

O marido responde que absolutamente nada.

Ela pensa e pergunta:

_Escuta bem, se blogue não é para ganhar dinheiro, para que serve?

Ele responde que serve de lazer, contato social e novos conhecimentos.

_Amor, tem escola para que as pessoas adquiram conhecimentos. Qual é a vantagem de ficar contando história?

O marido explicou que ninguém conta história em blogue para levar vantagem. Explicou que existiam blogues culturais e blogues de vendas. Eram situações diferentes.

_Eu sei que se pode colocar propaganda em blogue. Por que ele não coloca propaganda em blogue?

O marido disse que era para que as pessoas não saíssem do blogue para fazer compras.

_Amada, os publicitários convencem ao mostrarem os seus produtos. Quem quer se distrair, se distrai. Quem quer comprar que se dirija ao site de vendas. Ele pensa assim.

A mulher não se conforma:

_Assim ele não ficará rico como a gente.

O marido conta que nem todo mundo quer ficar rico nessa vida. Alguns querem a vida sossegada, tendo que cuide dos negócios para ele:

_Tem gente que consegue se divertir sem pensar em dinheiro.

Se não fosse o dinheiro, eu não teria te conhecido.

_Exatamente. Eu não quero ter amigos tão bons quanto eu nesse negócio de dinheiro. O mercado é competitivo. Gosto dele do jeito que ele é.

A mulher disse que ele gostava do amigo porque era ciumento dela.

_Outra igual a você eu não arranjo, isso é certo.

A mulher com o olhar distante e sorridente completou:

_Como é que pode ter gente assim, gente que não enxerga um palmo adiante do nariz. Escritor a gente compra, livro a gente compra, que perda de tempo.

O marido, incomodado, pediu para mudarem de assunto. Eles eram casados e tinham obrigações a cumprir.

Ela sorriu feliz, muito feliz.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Viagem Entre Amigas

Viagem Entre Amigas

clip_image002

Sílvia reúne as quatro amigas para um final de semana em Paquetá. Aluga um quarto com cinco camas para que elas possam conversar à noite. Sonhava em apresentar umas às outras.

Pensava nas qualidades de cada uma delas: a segurança, a teóloga, a médica e a camareira.

A chegada, sexta-feira, foi ótima. Todas saudosas dela, curiosas em conhecerem as outras amigas, desejando a amizade futura nesse convite.

A camareira providenciou mais bebidas para o frigobar e disse às outras:

_Gostaria de me hospedar num hotel 5 estrelas, mas deixarei o frigobar igual ao do hotel onde trabalho.

A segurança advertiu:

_ Não quero bebidas aqui no quarto!

A camareira respondeu:

_Você não precisa tomar da água mineral francesa que eu trouxe para o final de semana para presenteá-las. Deixarei as águas minerais da região para você.

A teóloga disse que a água era uma dádiva e tomaria aquela que bastasse à sua sede. Agradeceu à camareira o presente.

A médica completou que o importante seria tomarem oito copos de água por dia para que se mantivessem saudáveis.

Todas silenciaram e dormiram. Às quatro da manhã acorda a médica que tomava remédios para a tireoide em jejum. Vê a segurança segurando a sua bolsa aberta e revistando os seus pertences e diz:

_O que é isso? Você está mexendo nos meus pertences?

A segurança disse que era rotina e, que embora fosse amiga da Sílvia, gostaria de saber mais sobre as outras antes de se entrosar com elas.

A camareira apoiou a segurança:

_No hotel onde trabalho, o gerente pede para avisarmos se virmos algo muito diferente sobre as camas do hotel. Esse é o risco de se trabalhar em hotel, não sabemos com quem lidamos.

A teóloga abre a janela e diz que o dia clareia as ideias. Pede às outras que se acalmem.

Às seis da manhã, todas acordadas para a oração em conjunto. Depois da oração a médica surpreende com testes de colesterol, triglicerídeos e glicemia:

_O meu presente a essa reunião são exames de saúde. Além de ser a minha profissão é a minha maneira de conhecer melhor as pessoas.

A segurança, depois da noite que proporcionou às amigas disse que o presente dela seria manter todas elas em segurança.

A teóloga disse que o Senhor estava cuidando dela, a segurança, também.

Devagar, Sílvia se arrepende de tê-las convidado para o final de semana por conta dela.

No parque de diversões a segurança testa e verifica os brinquedos antes das outras participarem.

Durante o almoço a médica diz à teóloga que cinco camarões equivalem ao filé de picanha.

Chegando para o descanso do almoço a camareira organiza o quarto como se ela estivesse no ofício do hotel cinco estrelas.

À noite de sábado Sílvia chega à conclusão que ela deve ser exigente demais consigo mesma ao escolher as amizades, a experiência de reunir as amigas está péssima.

Domingo pela manhã, elas se arrumam para almoçar para depois deixarem o hotel.

Durante o almoço Sílvia agradece às amigas:

_Eu tenho mais autocrítica do que vocês e, agora estou certa disso. Eu me contive e não interferi nos diálogos presenciados. Agradeço a todas vocês, não pelas conversas, mas por tudo que deduzi a meu respeito. Espero que vocês tenham adquirido algum conhecimento durante este tempo e com todo o amor que tenho por vocês, como amigas, peço-vos que aprendam que os caminhos são desiguais. Peço à minha amiga da segurança que acredite mais nas suas amigas, peço à minha amiga médica que separe a medicina da vida social, peço à minha amiga camareira que deixe a perfeição de lado e aproveite a convivência descontraída, peço á minha amiga teóloga que compreenda as nossas imperfeições e, finalmente, peço a mim mesma que tenha mais ideias brilhantes como essa para saber como eu sou e com quem convivo.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Eu gostaria de entender…

Eu Gostaria de Entender...
Por que os erros se repetem. Hoje não posso fazer crônica que não seja sobre o incêndio da boate Kiss na cidade de Santa Maria no Rio Grande do Sul.
Incêndios em boates como os que aconteceram em diversas partes do mundo, onde a tragédia se repete chega a ser inaceitável sob o ponto de vista de quem foi jovem e viu o fechamento de boates para jovens pelo risco de incêndio e sem portas para as saídas que dessem vazão ao público presente sem o pisoteamento de pessoas.
Saí, fui ao supermercado e vi na televisão o desespero das pessoas.
Perguntei o que havia acontecido.
_O que? Aqui no Brasil? De novo? Mas esses espetáculos haviam sido proibidos pela falta de segurança!
Escrevo quase que indignada pela recorrência dos fatos. Parecem umas histórias ruins repetidas inúmeras vezes. Li sobre a Boate Station em Rhode Island, que se transformou no livro Killer Show John Barylick (agência Reuters).
No entanto a repercussão é mundial, parece sensacionalismo, mas é a necessidade de avivar a experiência terrível para tentar se evitar mais repetições desse fato trágico.
Hoje não poderia ficar sem comentar este assunto.
A homenagem do blog fica por conta de Ravel.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O Catador de Latas

O Catador de Latas

clip_image002

Saiu para se divertir, o trabalho martelando na cabeça. Tinha muitas tarefas a cumprir, mudariam a gerência no mês seguinte. O ambiente estava tenso nos últimos tempos. Os colegas se acusavam mutuamente pelo atraso na entrega da correspondência de cobrança. Não faltavam reclamações de cobranças duplas no balcão da loja.

_Eu paguei o carnê, como é que vocês colocaram o meu nome no SEPROC!

Horácio se distraiu, mas a segunda-feira tinha jeito de ressaca, mesmo sem beber.

A chefia mudou a gerência, o atraso terminou, mas os colegas cobravam uns aos outros o dia inteiro. Era como se fosse obrigação deles a responsabilidade de organizar a loja.

Horácio continuava a sair para não apoquentar o juízo.

Aquilo não era se livrar dos problemas do emprego. Se ele não suportava aquele emprego, tinha que procurar outro. Decisão difícil a ser tomada. Sair de vez, não dava. Tinha mulher e filhos, tinha as prestações da casa para pagar. Tinha que ir ao médico, a sua pressão subia e o médico dizia que era emocional. Ele sabia que era emocional, mas o médico dizia para ele aprender a lidar com as pressões do emprego.

Para se acalmar, lembrou-se da sua habilidade em transformar latas de leite em pó vazias em objetos decorativos. Vaso de varanda pintado à mão, que, aos poucos foi se transformando em outros objetos: portas-treco para quartos de mulher, porta objetos para escritórios.

Ao entregar as latas redecoradas, fazia contatos com outras pessoas, obtinha a vastidão de opções com as quais sonhara em encontrar, mas não sabia como o fazer.

De contato em contato firmou o pensamento no novo emprego. Outra loja o convidou para fazer parte da equipe de escritório. Ele se interessou, mas não sem conhecer o ambiente: trocar elas por elas não o interessava.

Durante as férias aproveitou o emprego temporário útil para o lojista e para ele.

Mudou de emprego e continuou com as latas das oportunidades não vistas.

Agora sim, pode sair para se divertir. Menos latas resolveram a questão, parar com as latas seria impossível depois da recompensa.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Doce Educativo / Crônica de supermercado

Doce Educativo / Crônica de supermercado

clip_image002

Comprei um bolinho industrializado para matar a fome da gula. Abri e tinha um passatempo dentro que consistia em procurar cinco favas de mel para o personagem.

Não procurei os cinco favos de mel e pensei na possibilidade de encontrar cinco colmeias de abelhas. Saberia eu lidar com cinco colmeias?

Comi o mini bolo delicioso que satisfez a minha gula antes do sono vir.

Vieram-me tantas reflexões a meu respeito, posso dizer que me conheci melhor.

Hoje posso garantir que para cada favo de mel existe uma colmeia. Existem abelhas sem ferrão, existem abelhas agressivas, existem abelhas rainhas.

Abelhuda fui eu ao comprar o bolinho, abelhas somos nós, mulheres, que amamos a quem nos rodeia. Será que o mel compensa o ferrão? Não acredito.

Na fila do pão tinha um senhor que escolheu alguns pães em meio às dezenas da cesta do mercado.

Engraçado como os gostos diferem de pessoa para pessoa. Atrás de mim a senhora escolheu alguns pães igualmente; eu apenas os comprei sem escolher; preferi a conversa que alimenta o meu espírito. Ou, melhor, pedi à moça que escolhesse aqueles que pareciam ao ponto: crocante por fora e macios por dentro. Pensei em trocar o bolinho industrializado pelo da padaria, mas preguiçosamente deixei o bolinho na minha cesta de compras. Outro dia eu compro o bolo deles, cortados em pedaços e fatias.

Rimos todos aos pães e bolos ofertados. Delícias do cotidiano.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Amargo Anoitecer

Amargo Anoitecer

clip_image002

A mulher era bonita, casada com sonhador, da vida queria flores, nada mais.

São Paulo e flores, um absurdo para Fabíola. Mas tinha se casado com ele, que fossem flores caras, arranjos sofisticados. Ela não queria subir na vida, queria lugares famosos e sofisticados. Ele cedeu, todas as flores tinham valores muito além do preço, valores de emoção nas cores, nos arranjos e seus significados espirituais.

Fabíola entregou as flores e conheceu lugares incríveis. Com ambição chegou aonde queria, no seu lugar sofisticado.

Ele continuava sonhando, ela também. Ele com flores, ela com amores.

Houve a separação. Ambos ficaram bem de vida.

Fabíola arrumou um amante, ele construiu outra chácara florida.

O amante era submisso, não tinha vontades; era do tipo de obedecer às ordens da mulher endinheirada. Ela percebeu. Sorveram todas as gotas do orvalho que deixavam as flores bonitas, ela mandava. Amor faltava naquela submissão.

Foi aos sessenta e cinco que começou a se distrair com bebidas enquanto mandava no marido, que, no entanto lhe era fiel. Ele gostava dela como se mãe dele fosse embora não fosse mais novo que ela.

Dos primeiros goles ao vício e à tristeza da ressaca pouco tempo se passou.

Ele cuida dela, ela aceita. Ele a defende como se fosse o seu bicho de estimação adorado na dependência da aceitação dele naquela casa.

Ela bebe, ele aprova a embriaguês embora a proíba de beber na sua frente, talvez como o homem que nunca chegou a ser dentro daquela casa.

Ela se trata periodicamente dos males da bebida, ele cuida dos remédios; o amante enfermeiro nesse querer esquisito. Às vezes pensa nela com o primeiro marido e nem quer pensar nos riscos que correu ao se aproximar dela enquanto era casada.

Ela queria o homem sofisticado, encontrou o subordinado. Duas relações fracassadas e a bebida a atormentar a sua mente. Quando sóbria, sai às ruas fazendo pose, mas o corpo não esconde o acanhamento corroído pelo problema. Todos a recebem nas mansões, todos a recebem com o marido e a admiram; fingem não saber de nada.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Quadro Monalisa de Supermercado / Crônica de Supermercado

Quadro Monalisa de Supermercado / Crônica de Supermercado

clip_image002

Às vezes a fila surpreende. Desta vez na fila do supermercado uma senhora elegante acompanhada das netas. O sorriso enigmático não escondia a satisfação ao ver as netas discutirem a sua vida emocional.

Desta vez, não apenas eu, mas a fila inteira parou a conversa para ouvir o quadro familiar:

_Vovó não esconda ele de nós caso ele seja um mendigo. Vovó, ele tem como se sustentar, não tem?

_Vovó não nos esconda se engravidar.

_Vovó passa o número do seu namorado para nós! Queremos saber mais sobre ele.

_Vovó, não namore atrás da igreja, isso é muito feio e contaremos à mamãe. Mamãe é sua filha, lembre-se.

_Vovó, não acredite em convites para jantar. É desculpa para as más intenções.

Ninguém na fila soube perceber se era verdade ou brincadeira de moças. O tempo para aquela vovó fez milagres, ou, cirurgia plástica.

Fiquei admirando o vestido lindo da vovó que aparentava os seus sessenta anos. Muito lindo o vestido de linho com o decote até a metade das costas que a senhora trajava. As gordurinhas nos lugares certos mostravam que ela se cuidava e que gostava de ser admirada pela elegância e pela maquiagem impecável; provavelmente uma profissional liberal bem sucedida nos seus sapatos de saltos altos e atuais.

O supermercado e a enorme fila feita de pessoas que retornavam de suas viagens. A vovó estava dourada de sol. A atenção na conversa era engraçada, parecíamos num teatro e trocávamos olhares de acordo com a conversa ouvida em bom som pela vontade das protagonistas.

Passávamos a fila em revista, eu e o público em geral. Nesses trinta e dois minutos de fila, a avó não disse uma única palavra. Sorria silenciosamente para as netas e entre dentes dizia a palavra talvez às moças naquele indecifrável sorriso de Da Vinci.

Seja lá quem for a tal senhora, deixou a sua presença na fila marcada.

_Vovó, é a nossa vez.

Ela foi pagar as compras e nem aí emitiu alguma palavra ou observação.

Há dias em que me sinto em Veneza.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Crônica Musical Explicativa

Crônica Musical Explicativa

clip_image002

Aviso aos leitores: Crônica é quando “eu” entro na história narrada, do jeito que eu inventar.

Nesse caso, veio uma amiga leitora da Bíblia e contou sobre o Gênesis na versão dela:

_O demônio era quem? Era o maestro dos anjos celestes. Um dia ele, o maestro quis ser mais famoso e importante que Deus e foi excluído do céu com toda a justificativa por parte de Deus. Afinal, onde se viu o Maestro querer mais que o compositor da vida?

Foi assim que o demônio caiu na terra e até hoje rege os músicos sofrendo e fazendo sofrer os ouvintes.

Estou achando que ela tem alguma mágoa de maestro. No entanto, se foi jogar milho para ver se pesca a galinha, está enganada. Eu não tenho nada contra maestro algum. Até confesso que deles, tenho uma simpatia especial por aquele que me permitiu uma experiência orquestral em apresentação escolar. Um professor que hoje está noutra escola, mas que m fez entender sobre o piano e os primeiros e segundo violinos:

_Você manda neles, não titubeie.

O maestro, enquanto demônio, não funciona. Ou então, funciona para os endiabrados cantores sempre geniosos.

Cantores são geniosos, perguntar-me-ia você, leitor. Sim, os cantores são geniosos e tem motivo para o ser. O instrumento deles é a voz que nos encanta, delicada e humana, mas também corajosa a ponto de enfrentar uma multidão com a mais perfeita afinação.

Como eu ia dizendo, para nós, instrumentistas, o maestro é ponto pacífico de harmonização, nos seus arranjos pontuais.

Quem vive de violão no braço, e canta, e se arranja sozinho é que sabe.

Agora, dizer que a música vem de Deus, mas o maestro do inferno é maldade.

Eis a crônica musical explicativa, eu entrei no meio.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Os Estilistas

Os Estilistas

clip_image002

Reinaldo desenhava, Edvaldo apagava. Enquanto levantava e pegava um copo de água, o outro fazia desaparecer parte do desenho em lápis próprio de moda.

Reinaldo ganhava o concurso fashion, Edvaldo ficava em segundo lugar.

Tecidos, texturas e cores eram personalíssimas e secretas. Edvaldo ganhava nas escolhas, talvez até contasse com as apagadas de Reinaldo.

Naquele ano o tema das roupas para o concurso de moda foi “Desconstrução”. Naquele ano Reinaldo pensou na sua imensa habilidade de desconstruir o desenho do outro.

_Se é para desconstruir o desenho, sou o vencedor.

De fato, era. O desenho ficou sem estilo, um desenho igual as das roupas feitas em escala industrial.

Edvaldo ficou sem ter como elaborar um novo desenho a tempo para o concurso. Tinha o que tinha. Aborrecido, juntou os cacos do desenho e desleixadamente compôs as cores e os tecidos. Não ganhou o concurso. Desta vez o desenho estava comum.

Ao sair, sem grandes decepções, o homem sábio previu as decepções que teria quando as evidências estavam claras, sendo assim, estava de cabeça altiva.

_Concurso e vestibular tem todos os anos. No ano que vem eu desenho com lápis e passo a tinta em seguida.

Para surpresa sua, foi cercado por estilistas diversos o cumprimentando. Pensou que fosse alguma ironia e sorriu a todos sem se importar muito com aqueles elogios.

Os fatos se davam assim, quando um deles se dirigiu a ele:

_Edvaldo, não se entristeça de perder o concurso. Muito menos se entristeça com as bobagens do Reinaldo. O seu estilo é outro; você é romântico sem ser comum. Você não poderia ganhar e não digo isso para te consolar, mas para comprar o seu trabalho artístico. Há uma diferença entre a desconstrução que a rudeza da vida proporciona e a metamorfose do ser que se renova para o amor. São desconstruções diferentes. O concurso era voltado a um estilo inoxidável de se viver, não para o estilo “cacos de um coração quebrado”.

Muitas risadas se seguiram. Eram cacos da pura arte de estilo costurados sem motivação e finalizadas em belíssima composição. Nenhum estilista se atreveria a tanto, seria mais fácil trabalhar a rudeza da realidade. Edvaldo conseguiu a arte nova sem máscaras do século XXI, uma fantasia considerada brega transformada em estilo de vida, sem o despojamento comum dos trajes considerados elaborados nos tecidos de brim e sarja.

Reinaldo prosseguiu na sua carreira de desenhos feitos e desenhos apagados, ganhando infinitos concursos.

Edvaldo seguiu o seu rumo dando vida às emoções em formas de roupas com a expressão do sentir exposta ao mundo com elegância, subtraindo a necessidade das palavras sobre este mesmo sentir, não tecendo explicações desnecessárias. Edvaldo encontrou o seu estilo,agora ele mesmo apagava os seus desenhos, a alta costura o encontrou definitivamente.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Amo a Minha Chefe / Crônica de Supermercado

Amo a Minha Chefe / Crônica de Supermercado.

clip_image002

Se a moça ama a chefe dela, eu amo a fila do supermercado, a minha fonte inspiradora destas crônicas.

Estava eu na fila do caixa e me chamou a atenção o casal de namorados. Eles não estavam se agarrando como os assanhados de plantão esperam. Ele oferecia biscoitos e bombons à namorada e ela recusava.

_Amor, sempre que venho ao supermercado eu te dou ao menos um doce. Por que hoje você não quer aceitar?

A moça, gentil, respondeu:

_Porque almocei com a minha chefe e basta o que almocei.

Ele pediu a ela que contasse sobre o almoço, sobre a refeição e se ela havia gostado.

_A minha chefe me pediu para que eu a acompanhasse ao almoço. Hoje ela não gostaria de almoçar sozinha.

O moço perguntou o motivo.

_Se eu quero o meu emprego, eu não pergunto. Até pensei que era desculpa para me promover ou pedir que eu me demitisse. Sabe-se lá o que passa na cabeça de um chefe.

Ela me levou a um restaurante internacional, adivinhei que demissão não era. Ela pediu um prato com nome diferente. Acompanhei o pedido sem pestanejar. Um chefe sabe o que come.

O namorado perguntou o que era e se era bom de comer.

_Serviram uma travessa de prata com folhas verdes, rabanetes, aspargos, champignons e alcachofras. Separadamente veio uma cumbuca com molho e outra com água de lavanda. Fiquei com aquilo que eu conhecia, ou seja, as folhas verdes, os rabanetes e o molho para salada. Foi um almoço herbívoro, digamos assim. Também pela prataria do serviço, a salada tinha que custar o preço que custou, mas foi ela quem pagou.

O moço perguntou se ela não havia sentido fome.

_Senti fome, fiquei com vontade de passar na lanchonete, mas não o fiz. É a competição do mercado de trabalho. Hoje não como mais nada, quero ficar com o sabor da alface na boca até amanhã quando elogiarei o almoço.

Ele disse que ela estava exagerando na bajulação!

_Não estou não. Se eu comer alguma coisa hoje, amanhã contarão para ela que eu comi e que eu fiquei com fome porque saí com ela. Os colegas se esmeram por achar o que comentar. Eu não quero comentários, eu quero o meu emprego. O livre mercado funciona assim.

O moço disse que ele não gostaria de obter este tipo de emprego:

_No meu estômago mando eu!

Ela disse que enquanto trabalhasse naquela empresa, faria tudo o que pudesse para agradar a sua chefe:

_É a minha oportunidade e eu vou agarrar esta chance de bom salário.

Ele a convidou para almoçar com ele no dia seguinte para se certificar do seu valor na vida da moça.

_Amanhã eu quero tirar a barriga da miséria, vamos almoçar juntos.

Saí com o pão e o leite, pensando na vida, pensando no jeito que as coisas estão.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Modernos, Pero No Mucho

Modernos, Pero No Mucho
clip_image002
A mãe vivia dizendo para a filha desmanchar o namoro:
_Filha, ele tem 20 anos e você também. Ele não passa de um guri pançudo, ganha dois salários mínimos por mês no estágio da faculdade. Ele tem que se fazer para vocês montarem uma família. Você é outra que faz estágio, aguarde um tempo. Pare para pensar e veja se vale a pena continuar namorando tão seriamente. Vocês são jovens e podem sair para se divertir. Não leve a vida tão a sério por enquanto.
A filha dava de ombros. O namorado era bonito, fiel e apaixonado. Ela também. O que mais ela poderia querer da sua juventude. Namoro moderno com viagens e noites fora de casa, adulta e responsável com os estudos. Ele também na mesma medida tinha muito valor pessoal.
Namoro moderno? Descuido? Gravidez.
No quarto da mãe, ela conta à mãe que está grávida.
_Você contou para o Cirilo?
_Já. Ele quer casar. Eu quero esperar os estudos terminarem. Mãe, você me apoia?
A mãe apoiou. Quando Cirilo chega para visitar a Deoclécia à noite, o pai dela o espera na porta:
_Entre, meu filho. Vamos conversar.
O moço entrou receoso da bronca que poderia levar, mas muito ao contrário, o pai o convidou para tomar uma cerveja com ele.
_Você será o pai do meu neto, é meu amigo e podemos conversar sobre a questão.
Cirilo foi logo dizendo que amava a Deoclécia e que se casaria com ela. Precisava procurar um apartamento para eles alugarem ou, com sorte, até mesmo adquirir um imóvel para que o bebê nascesse em casa própria.
O pai da moça respondeu:
_Deixe que eu te ajude. Tenho um amigo que é corretor de imóveis e ele sabe como vender. Vocês terão o apartamento de vocês, comprado por vocês mesmos.
Conseguiram, sogro e genro, adquirir um apartamento num bairro afastado, mas ele tinha dois quartos, sala, cozinha, banheiro e estacionamento do lado de fora. Pequeno, diga-se, mas deles.
Deoclécia ficou em dúvida se casaria ou teria a criança antes do matrimônio.
_Mãe, eu tenho apenas vinte anos! Posso esperar.
A mãe chamou o pai e ambos conversaram com a filha:
_ Você foi adulta para passar algumas noites com ele. Você foi adulta para viajar com ele. Você foi adulta quando disse que ele era bonito, nesse ponto você tem razão, os nossos parabéns pela escolha. O nosso neto será muito bonito se puxarem pelo pai e pela mãe. Você também é bonita, filha.
A moça percebeu o tom amistoso da conversa e perguntou quase que sugerindo o adiamento:
_E, quanto ao casamento, o que vocês pensam de nós esperarmos algum tempo?
O pai respondeu:
_Esperando vocês estão. Bebês tem tempo para nascer.
A mãe completou:
_Você é adulta para ser mãe, o moço se propôs a abandonar os jogos de futebol e vôlei para se casar com você. Mimada você não foi, assuma os seus compromissos. Não queremos que você assuma por nós, pelo Cirilo ou, pelo bebê. Assuma por você mesma, para o seu desenvolvimento nessa fase adulta, a qual você tanto preza.
Cirilo e Deoclécia casaram-se na igreja. Assumiram que se amam e vivem bem há anos, muitos anos.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Linha Urbana / Crônica de Curitiba para Turistas

Linha Urbana / Crônica de Curitiba para Turistas
clip_image002
Dentro do ônibus expresso em direção ao centro, nestes dias de férias, existe a possibilidade de se encontrar turistas vindos das localidades longínquas. Foi o que aconteceu comigo.
Duas senhoras conversavam e uma delas se dirigiu à outra nos seguintes termos:
_Eu sou sua amiga, estamos na casa do João Geraldo e da mulher dele, mas não desobedecerei às instruções dele. Ele disse para a gente pegar o ônibus e parar em praça. Pediu para que a gente não descesse em ponto de conexão. Sinto muito. Se você descer na conexão, terá que se achar sozinha para voltar até a casa dos amigos. Viemos para passear e não arranjemos situações difíceis.
A amiga fez que não gostou, mas disse:
_Como é que a gente ia adivinhar que aqui ônibus de linha tem conexões para todos os lados. Está bem. Qual é o roteiro que o João Geraldo sugeriu?
A outra conferiu no papel as anotações:
_Pegar o ônibus no terminal do Portão. Esse é o que estamos. Agora vamos descer na estação central. Depois subiremos a Rua XV de Novembro, avistaremos a Praça Osório, mas desceremos em direção à Praça Zacarias, pegaremos a Rua Desembargador Westphalen até a Praça Rui Barbosa e retornaremos para a casa dele tomando o ônibus da mesma linha que viemos. O primeiro dia de visitas é para conhecer todas as Praças e os pontos de ônibus. Ele não quer que a gente pegue conexão porque nem ele, que está aqui faz dois anos, conhece.
Então a outra disse que não veio do sertão da Paraíba para aprender a pegar ônibus na cidade. Queria passear.
_Mas se você pegar conexão, você não terá passeios, terá que gastar os créditos do seu telefone celular para que o amigo João Geraldo te ensine a voltar para a casa dele.
A outra perguntou:
_Qual foi o programa para esta semana que passaremos aqui que o João Geraldo planejou para a gente?
A outra conferiu na folha de caderno dobrada:
_Hoje: conhecer as praças com pontos de ônibus que levam para qualquer lugar.
_Amanhã, levantar cedo para fazer sanduíches e pegar a linha turismo dos parques e museus.
_Depois de amanhã, levantar cedo, por roupa bonita e conhecer alguns Shoppings Centers.
_No próximo dia para depois de amanhã assistir um filme no Shopping Center que a gente mais simpatizar. À noite, ir a alguma pizzaria rodízio.
_Depois ir às igrejas, tirar fotos na Praça Tiradentes e no Largo da Ordem. Conhecer os restaurantes do bairro Batel de ônibus, dizem que lá tudo é caro. A gente passa, vê e volta. Compraremos as lembranças para levarmos à Paraíba ou no Largo da Ordem, ou no Mercado Municipal.
_Quando chegar domingo, a gente almoçará num lugar chamado Santa Felicidade. Pegaremos as malas e iremos até à Rodoferroviária de Curitiba rumo à nossa terra.
Foi então que a outra disse:
_Teremos que descansar na volta para a Paraíba, o roteiro é cansativo.
A outra concordou:
_Nada como a casa da gente.
Seguiram as duas, folha de caderno na mão, a partir da estação central em busca da Rua XV de Novembro.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

A Isca

A Isca

clip_image002

Lourenço pescava com isca artesanal. No dia anterior à pescaria, ele passava na peixaria, comprava escamas de peixe e cascas de camarão, torrava-as em forno à lenha e depois cozia com farinha de trigo. Com a boia da linha do anzol moldava uma a uma das iscas. Pescava em rio e no mar, pescava dourado e tainhota.

No rio Paraná, lá para os lados do estado de Mato Grosso do Sul os seus amigos o viram e o convidaram para pescarem juntos na embarcação com capacidade para dezoito pescadores, a cheia fazia com que o rio desse calado para o barco pesqueiro.

Tudo combinado, as varas de pesca apropriadas. Quando os amigos descobriram as iscas do Lourenço não quiseram que ele pescasse com a isca diferente; a deles era industrializada.

Lourenço preferiu pescar na pequena embarcação alugada previamente. Pegou dourado e outros peixes grandes; poucos, mas robustos.

Os seus amigos pegaram muitos peixes, mas menores: tilápia e bagre.

À noite, na hospedaria eles disseram a Lourenço que ou ele pescava com eles na embarcação de médio porte, ou que procurasse outro rio para pescar.

Lourenço disse que estava fazendo pesca autorizada e que ninguém o poderia impedir de pescar com as iscas artesanais.

_Veremos, disse Leôncio, o líder da embarcação média.

No dia seguinte, Leôncio pegou uma lancha e passou perto da embarcação de Lourenço; os peixes fugiram.

Lourenço, homem de paz, continuou a pescar, mas evitava a exibição dos peixes conseguidos com a sua isca.

No domingo havia um dourado assado para o almoço dos hóspedes na hospedaria e Leôncio desconfiou:

_Meu bom garçom, de onde veio tão lindo e suculento dourado?

O garçom respondeu que não sabia afinal quem comprava a comida dos hóspedes era o dono do lugar.

Ainda desconfiado, Leôncio perguntou a Lourenço:

_Que dourado delicioso, você tem pescado dourados?

_Não. Você não disse que era para pescar com iscas industrializadas? Para não contrariar o amigo fui até a cidade e comprei iscas industrializadas, dessas que pescam tilápias e bagres.

Leôncio perguntou por que Lourenço não contara aos amigos. Agora poderia pescar com eles, que não tinham nada contra ele, sim contra aquelas iscas que eram até mal cheirosas.

_Pois então, meu amigo, eu faço aquelas iscas com todo o carinho desse mundo. Comprei as iscas e até iria pescar com vocês, mas fiquei magoado de não aceitarem as minhas iscas. Preferi pescar na embarcação alugada, aquela para duas pessoas e os peixes. Com essas iscas industrializadas pesco no máximo dois peixes, como com pão na hora do almoço, não quero me incomodar por causa de isca.

Leôncio sorriu satisfeito, agora todos pescavam tilápias e bagres; dourado era o comprado pelo dono do lugar. Se o Lourenço não quis se juntar a eles, problemas dele; a permissão tinha sido dada. O aviso da lancha barulhenta perto do barco do Lourenço tinha funcionado, era assim que se liderava; mãos nos suspensórios das calças curtas.

Todos estavam no lugar para pescar e ninguém se incomodou muito com a valentia do Leôncio.

Alguns dos hóspedes sabiam que o dono da hospedaria fazia o café no coador às quatro horas da manhã e vinha chamar Lourenço; até diziam que o homem queria segurar o hóspede que pescava sozinho.

O certo é que eles saíam de madrugada, provavelmente para se encontrarem com os pássaros da região e para dar bons conselhos ao Lourenço. Ele que abandonasse de vez a ideia de pescar com as iscas artesanais.

O barco de Lourenço saía de um lado e o carro do dono da hospedaria de outro, haviam descoberto um cardume de dourado no outro lado do rio. Lourenço pescava, o dono do hotel comprava, os amigos comiam e todos se divertiam.