Crônica de um congestionamento.
De repente, o ônibus parou. Um congestionamento à frente. Enfado com a certeza da demora e no atraso da chegada. Alguns passageiros acendem as lâmpadas e lêem livros e revistas; outros ouvem música nos seus aparelhos de som portáteis; alguns outros fazem pequenos lanches. Os precavidos avisam a família pelos celulares:
_Onde você está?
_Na serra.
_Em que altura?
Os sons dos celulares se revezavam. Três filas de caminhões dos diversos tipos e finalidades, automóveis de passeio e ônibus lotados de passageiros com destinos diversos morro acima. Avistava-se à medida que as curvas apareciam cordões de luzes vermelhas no alto da serra e abaixo, no pé da serra.
Carros de passeio estacionados em descampados ao lado da rodovia. Motoristas fora dos seus veículos conversando e tomando água.
_Estou sentindo cheiro de fumaça, alguém está fumando dentro do ônibus. Reclama a passageira do banco da frente.
_O cheiro não vem de dentro. A senhora não viu o caminhão ao lado enfumaçando? Ele perdeu uma das lonas do freio. Resposta da senhora sentada nos fundos.
Duas horas se passam e o ônibus não percorre os vinte e sete quilômetros de serra. Naquele momento não estavam em lugar algum, a serra é propriedade da União.
Um rapaz sai do carro paralelo ao ônibus e tenta atravessar a rodovia.
_Que loucura! Passageiros murmuram.
Um caminhão carregado com ácido está à frente do ônibus. Um homem sentado em dos bancos do meio do veículo se apavora.
_Se esse caminhão vazar, todos nós estamos mortos.
_Vire essa boca para lá. Estamos bem. Não se preocupe.
O motor do ônibus morre e o motorista tem que dar a partida. O Ônibus anda para trás ao pegar a partida. Na serra, congestionamento, o ônibus anda para trás. Silêncio sepulcral dentro do veículo. Ninguém diz nada para ninguém.
Os aparelhos celulares voltam a tocar.
_Onde você está?
_Na serra.
_Três horas?
_Pelo menos estamos subindo, vagarosamente, mas subindo.
Uma placa luminosa na estrada avisa da queda de barreira alguns quilômetros adiante.
Avistam-se mais um grupo de motoristas no posto da Polícia Rodoviária Federal. Um motorista sai do seu veículo com pressa e desmaia. Os policiais dão um sinal avisando que ele está bem.
Uma ponte. O caminhão com dupla carreta à frente treme sobre a ponte e ameaça tombar. A ameaça não se concretiza. O ônibus treme ao passar sobre a ponte.
_Deve ser excesso de peso. Essa ponte precisa ser vistoriada.
Tem-se a impressão de se ouvir grunhidos de alguns passageiros. Eram gases e roncos orgânicos de protesto.
Cinco horas de viagem. Os aparelhos celulares disparam sobre os passageiros.
_Estou bem perto, mas indo devagar. Estamos quase no final da serra. O motorista é muito bom. Você me espera mais um pouco? Brinca um passageiro com algum membro da família dele.
O ônibus atravessa o trecho da estrada com barreiras.
_O ônibus está em uma velocidade acima do permitido? Pergunta uma senhora de peruca caída para um lado.
_Nós estávamos quase parando, eis porque estranhamos a velocidade agora.
Sete horas de viagem, das quais, cinco horas passadas em 27 quilômetros.
O ônibus termina a viagem. Confiança renovada dos homens nos homens, nas máquinas e em Deus. Milhares de pessoas dependentes entre si. O sucesso de um é o sucesso do outro. Milhares de pessoas sãs e salvas e sem um arranhão. Nada para noticiar.
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