O jovem de vinte e um anos pegava o ônibus para ir à faculdade às seis horas da manhã e sentava-se ao lado dela. Janice se incomodava com a aparência do jovem. Ele era branquinho demais e pálido, tinha os cabelos louros lisos compridos até a metade das costas, trajava uma calça desbotada azul clara e camiseta preta com um desenho de uma mão com o dedo indicador e o dedo mindinho para cima. Calçava tênis preto.
_Com a sua licença senhora, posso me sentar ao seu lado?
Todas as manhãs a mesma pergunta, Janice assentia. Conversavam sobre o tempo, o trânsito até aquele dia em que Janice não suportou mais a curiosidade e perguntou sobre os cabelos dele. Ela sentia uma vontade enorme de conhecer aquele que era o seu companheiro de banco no transporte coletivo.
_Se a senhora soubesse a raiva que eu tenho de fazer escova e chapinha no cabelo a cada dois dias!
Janice descobriu que ele não gostava do cabelo que tinha.
_Se você não gosta, por que o usa assim?
Ele esperava essa pergunta com ansiedade. Era o que ele queria uma grande chance para desabafar.
_Eu sou guitarrista de uma banda de heavy metal, a senhora conhece alguma banda desse tipo de música?
Janice não conhecia. Ela disse que conhecia o rock nacional e internacional, o movimento punk, os grunges, mas não sabia o que era essa música.
_O significado da música é metal pesado. A senhora que conhecer? Eu indico alguns sites de letras de música onde a senhora encontrará as músicas traduzidas.
Janice pegou as indicações. Em casa, foi ao computador e acessou o site. Ela, intuitivamente sabia que ele precisava que ela ouvisse as músicas e lesse as letras traduzidas. As letras falavam de abandono, sangue, crimes, situações escatológicas após a ingestão de comida podre. Ela se apavorou e daquele momento em diante esperava o dia seguinte para falar com o cabeludo.
_Como você se chama?
_Marcos.
Ele estava curioso e ao encontrá-la sorriu. Ela estava de um jeito empertigado, denotando que tinha consultado sobre o trabalho dele. Ele mal se sentou e ela começou a falar.
_Marcos, o que é aquilo que você chama de música. Sangue e vômitos na calçada! Quem ouve isso?
_Era isso o que eu queria. Alguém além da minha mãe que me entendesse. A minha mãe é divorciada do meu pai. Ele foi embora e para ajudar com as despesas da casa eu toco guitarra em uma banda. Eu me sustento e ainda pago o cinema para a minha mãe.
Janice até que entendeu que ele, Marcos, era de boa índole.
_Quem ouve aquelas músicas horríveis com grunhidos de sofrimento e sangue?
Ele ria, parecia se divertir.
_Dona Janice, os jovens gostam de chorar e assistir a decadência do ser humano. Para eles, é uma prova de que o mundo está errado e eles estão certos. Dependendo do grau do volume dos meus gritos e urros durante a apresentação, eu dobro o cachê. Deixe que eles chorem.
Janice perguntou se o público dele eram aqueles jovens que vestiam roupas com o mesmo desenho da camiseta dele e ele disse que sim.
_O seu público, por certo é composto de jovens sofridos e revoltados. Disse ela.
Ele, ajeitando a cabeleira em um rabo de cavalo, falou sobre o público dele.
_A senhora está enganada. São bem nascidos, vivem em família, mas gostam de sofrer. Eu ganho a minha vida gritando para ele se horrorizarem. O horror é a grande curtição deles. É o meu sustento. Nem toda a gente gosta de ser feliz. A senhora entende? De certa forma eu também sofro com eles quando sou obrigado a fazer uma prancha nos cabelos.
Janice esboçou um sorriso e desarmou o espírito. Ele a abraçou e beijou o seu rosto agradecido. O homem se sobrepôs ao personagem.
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