Altamiro, neto de índios, vivia na reserva de Guaíra, oeste do Paraná. Com a ajuda da FUNAI, ele conseguiu estudar até o segundo grau. As suas avós contavam que o seu povo era amistoso e, simpático ao contato com a comunidade branca, adquirindo a cultura e aos poucos, deixando a reserva para seguirem os seus caminhos. Comunicativo, aos 19 anos se empregou no setor de entregas numa rede de lojas de móveis e eletrodomésticos. Viajava muito e, em uma dessas viagens, em São João do Triunfo, conheceu uma moça também de 18 anos, que acabara de cursar secretariado, pela qual se apaixonou e, dali a dois anos, contraiu matrimônio em uma cerimônia indígena e no cartório.
No segundo ano de casados, Altamiro e Cláudia tiveram uma filha, que tinha os traços de rosto e tom de pele indígena. Da mãe, dois olhos castanhos claros. Os cabelos lisos lembravam ora o pai, ora a mãe. Seu nome era Indianara.
O primeiro aniversário de Indianara foi uma festa cheia de graça, com índios e fadas enfeitando o bolo. Mas, antes da festa de dois anos, no dia do aniversário, dois de abril de 1.987, Cláudia chama o marido e diz:
_Altamiro, começa meio sem graça. Eu não agüento mais. Eu quero me separar de você.
_Que é isso, Cláudia? O que houve com você?
_Você viaja muito e eu tomo conta de tudo: da casa, da Indianara, das contas e do trabalho. Eu me sinto só, muito só.
Ele pediu a ela que esperasse a festa da filha terminar.
Durante a festa ele se perguntava se a mulher não estava apenas cansada. Porém, quando o último convidado saiu, Cláudia fechou a porta e recomeçou:
_Eu quero que você deixe a casa. Nós a compramos juntos, mas eu não quero passar a minha vida esperando você chegar e depois te ver partir dois dias depois, como se fôssemos amantes.
_Calma mulher! Eu vou pegar no armário algumas roupas e saio, deixe que depois eu telefone para você.
Ele foi embora, ela insistiu no divórcio. Ele pagou os estudos de Indianara. Não viu a filha crescer, em parte porque o seu ganha-pão era viajar, em parte porque a mágoa chamada Cláudia o incomodava a ponto de não suportar a sua voz.
Passaram-se onze anos. Ele permaneceu desacompanhado, só. Cláudia estava acompanhada. Um comprador, freguês antigo, ao encontrar-se com Altamiro, conta que a sua filha de dezesseis anos está namorando ao invés de estudar. Ele corre até o colégio e pega a filha aos beijos com o namorado no pátio de recreio dos estudantes. Ele a chama e diz:
_Vem comigo mocinha, vamos nos entender!
_Então que seja aqui, diz Indianara num tom desafiador.
_Está bem, responde o pai.
Sentou-se em um banco de madeiras em frente á escola, pediu para o garoto entrar para assistir as aulas, respirou profundamente, e continuou:
_Minha querida, desde que eu me separei da sua mãe eu sinto a sua falta. Todos os dias, quando estou na estrada cuido do teu sustento. A sua mãe cortou muitas das nossas conversas, lembra? Eu não sou contra o namoro, mas só tem namoro se tiver estudo. O Genaro é esse o nome dele? Quero que ele converse comigo antes de te namorar.
Terminou a conversa com a filha e ligou para a Cláudia. Ela estava orgulhosa da filha estar em idade de namorar. A moça tinha um ar indígena que a fascinava. Esse era o sentimento apagado e sublimado na filha. O fascínio que Altamiro causou quando ela o conheceu.
Indianara levou o Genaro para falar com o pai dela. Em meio à conversa, Genaro pergunta qual das vidas dava mais satisfação a Altamiro, a da aldeia indígena ou a da cidade.
_Eu amava os banhos de cachoeira, pegar peixes com as mãos, correr nu no meio da mata. O difícil era conviver com a aguardente, com a plantação escassa. Eu não tinha futuro na aldeia. Sem a FUNAI, provavelmente agora seria eu a tomar aquela água ruim e olhar para o horizonte perdido. Eu viajo e não paro em busca desse horizonte que os meus antepassados me ensinaram. Eu ouço CDs e rio quando sai som da caixa. Eu queria que os índios mantivessem a reserva como fonte de história e de cultura. Um dia eu escrevo sobre o meu povo. Hoje o meu povo veste calças de brim e aprendeu que a nudez é feia. Eles aprenderam a ter vergonha. A cidade é muito próxima deles. Hoje eu conheço os índios e não quero conviver naquela miséria. Eu quero tomar banho de cachoeira sem roupa e, uma vez por ano, eu tiro uns dias para ouvir desaforos nus. Eu não existo sem isso.
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