Rio de Janeiro

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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

domingo, 30 de maio de 2010

Choveu tanto assim? Tempestade poema

Tempestade. As nuvens carregadas na cidade Que mostram o terror que nela habita, Transformam a escondida maldade, Será agora sem vida a lidita. As lágrimas de Deus sobre a cidade Revoltam toda a lama, que se agita, Porque a água refaz a fertilidade. Da terra ressequida se habilita. A chuva, se transforma em esperança, Que lava o lamaçal, que suja a terra, Que é a base da cidade, que quer guerra. Conquista a liberdade a paz que é mansa. É a farsa da cidade, que se encerra, É a terra renovada que descansa.

terça-feira, 25 de maio de 2010

A Janela. Conto publicado em coletânea.

Era Sábado, ano de 1.950, apenas mais um fim de semana para Roberto. Aos sábados ele dormia até tarde e se enrolava várias vezes embaixo da colcha antes de se levantar. Ao meio-dia, ele se espreguiçava e levantava, ia ao banheiro, escovava os dentes, lavava o rosto e pensava no café com leite e no pão adormecido na cozinha. Depois do café, ainda de cueca samba-canção, sentou-se no sofá velho de tecido verde na sala da quitinete, no terceiro andar do Edifício Andaluz, no bairro Tatuapé, na cidade de São Paulo, no qual mora há dois anos, desde que chegou à cidade. Abriu a janela, viu o trânsito mais calmo, a garoa fina e o ritmo de sempre da cidade que parece quieta. De repente, ainda perdido em pensamentos soltos, oriundos da ressaca do forró dançante do bairro, ouviu alguém chamar o seu nome: - Roberto, olha aqui embaixo. Aqui na frente do prédio. Olha Roberto, olha! Parecia a voz do seu primo de Recife que vinha lá de baixo. - É a voz do Ariovaldo? Pergunta em voz alta dirigindo-se a janela. - Sim, conterrâneo. Sou eu em mais ossos do que carne, que a vida lá em cima anda dura e eu me mandei pra cá Ariovaldo em São Paulo é bom demais, pensou Roberto. Correu para o quarto, pôs uma calça qualquer e na pressa desceu as escadas de chinelas a fim de encontrá-lo. Roberto recebeu o primo com a alegria que a seca não tem e o abraçou com um forte aperto. Ariovaldo estava desde cedo na terra da garoa, tinha descoberto o endereço dele com a tia Sebastiana, a mãe do Roberto. Veio até São Paulo de carona num caminhão para tentar a vida no eldorado verde, que para ele era São Paulo. - O coração nordestino é grande e o apartamento é pequeno, mas dá-se um jeito. Disse Roberto. Assim, Ariovaldo se instalou na sala e dividiu as despesas do apartamento com o primo nordestino e conterrâneo das mazelas da seca. Logo, ele arrumou um emprego de porteiro de edifício que era igualzinho ao emprego do parente e fazia um dinheiro extra, vendendo o artesanato que ele mesmo fabricava. Seis meses depois acabou a matéria-prima para a confecção da renda especial nordestina. Roberto, que nessa época estava de férias, se dispôs a uma viagem até o Recife para ver a sua mãe e trazer todo o material que o primo necessitasse. A viagem deu tão certa, que ele começou a voltar à sua terra de seis em seis meses. Com os negócios prosperando, foi preciso que a viagem fosse feita de três em três meses e isto lhe trouxe a saudade da carne de sol, do bolo de rolo e da rede de dormir. Passado um ano e meio, em um fim de semana qualquer, Roberto acordou cedo, foi para a sala, abriu a janela e disse para Ariovaldo: - Estou indo pro Recife pra ficar lá. Quero abrir a janela e sentir o calor da minha gente. Decidi que vou abrir uma fabriqueta de material para artesanato. Fique tranqüilo que você não fica sem o material não. Eu mando pra você. _Faz isso sim, que assim eu tenho como voltar também. Isso aqui é bom, mas eu gosto mesmo é de lá. Vai e deixa que eu pago estas contas de luz e água, e outras essenciais deixa que eu tome conta pra você. Deixe um anel para a Assunta para que ela não te esqueça. Eu faço um anel bem bonito e colorido com o teu nome. Ariovaldo nunca voltou para o nordeste. O frevo e o maracatu, o forró e o baião estavam dentro dele. Cuidou de dar um pouco da sua cultura para o paulista e São Paulo adquiriu um pouco do sotaque nordestino e cresceu como um mandiocal.

Arapuca é o tema deste conto publicado em coletânea.

Arapuca. Estava triste e resolvi sair com uma amiga para me distrair. Ela me contou dos últimos anos da sua vida. Foi um exemplo para a minha tristeza que não tinha tanta razão para me acompanhar. Quando a Joana perdeu a mãe, dois anos após perder o pai, ela se sentiu muito só, abandonada pelo destino. Estava desempregada e as pessoas mais próximas ao invés de trazerem conforto, fugiam dela com medo que ela quisesse dinheiro emprestado. Ela não precisava de dinheiro, tinha feito uma poupança que lhe garantia pelo menos uns dois anos para procurar um emprego do mesmo nível ao que possuía anteriormente. A carência do pai e da mãe, o desemprego e o abandono juntos e ao mesmo tempo fizeram com que ela adquirisse a síndrome de pânico após seis meses nessa situação. Ela se sentava no sofá e pensava que se saísse de casa iria morrer na esquina. Duas quadras equivaliam a uma caminhada em volta do próprio túmulo. Contudo voltava para casa e no silêncio do ambiente o medo da morte a apavorava. Após um ano nesse sofrimento ela conseguiu um emprego. Acabou o problema de viver economizando pensando no feijão com arroz do dia seguinte. Era para estar otimista, mas o medo da morte, a sensação de que algo grave aconteceria a qualquer momento aterrorizavam as suas noites de sono. Dois meses no novo emprego e ela foi ao departamento de pessoal pedir auxílio para o seu problema. Foi ao psicoterapeuta. Depois da consulta ele recomendou que ela fizesse caminhadas e se afastasse definitivamente daqueles que a abandonaram. Joana se matriculou em uma academia de ginástica perto da sua casa. O medo era tanto que ela se agarrava nas laterais da esteira e andava como uma acidentada em recuperação, passo a passo, devagar, sentindo todos os músculos acionados e tensos dentro do seu organismo. Um colega de academia que presenciava a cena a convidou para ir à Piracicaba no fim de semana. Ela aceitou, mas foi de ônibus porque os motoristas de ônibus tinham mais prática do que os motoristas de carro. Joana agradeceu a bondade do João Carlos e da Clarice, esposa dele. Eles conversavam com ela, procuravam saber um pouco da sua personalidade. Perceberam que ela sofria. Sem filhos para cuidar, cuidaram da Joana. Tinham todos a mesma idade. A amizade se estreitava na medida da solidão de Joana, que não dava o braço a torcer, não mostrava que não tinha ninguém na sua vida. Era fechada e não se abria para conversar. O casal sentiu a solidão em que ela vivia quando observaram a rotina da moça fora do escritório. No dia em que ela arrancou um dente, eles deram uma passada no apartamento dela e viram sobre a mesa a sopa de supermercado pronta e fria em cima da mesa. Um prato, uma colher, um copo, um guardanapo e um pão macio sobre a mesa. Ela estava assistindo televisão. Não estava tensa. Caminhava normalmente dentro do apartamento. Estava sem dente, mas estava calma. Disse que no dia seguinte tudo estaria bem. Nesse dia ela percebeu que estava melhor. O telefone tocou. Joana atendeu e disse que já tinha marcado cinema para aquela noite e que receberia as visitas em outro dia. Clarice perguntou o porquê da mentira ao telefone. Joana contou que a mágoa criada no ano mais difícil da sua vida havia deixado cicatrizes na alma. Disse que não queria retornar a abrir as feridas já cicatrizadas. Disse também que esse medo era um medo bom. Era um medo de defesa pessoal. Aprendia a se defender sozinha. Joana sentiu que o casal procurou mostrar a ela o mundo no qual viviam. Não havia unicamente pessoas buscando a saúde na academia. Alguns procuravam doenças e tomavam anabolizantes. Outros procuravam a política e freqüentavam o local apenas para se relacionarem com pessoas importantes que também faziam a sua caminhada três vezes por semana. Algumas pessoas procuravam Joana para falar dos parentes dela, mas Joana não era chegada a comentários. Cada um que cuidasse de si mesmo. Conheceu muitas pessoas que realmente procuravam a saúde e viu alguns tombos feios de alguns colegas que abusavam da velocidade nos pés. Saiu gente enfartada lá de dentro. Não adianta comer mal e correr. A vida noturna passa pela academia desapercebida. Observou que alguns jovens iam à academia para programar as noitadas no fim de semana. Joana, a tartaruga acadêmica, devagar e sempre, conseguiu tirar as mãos das laterais da esteira sem ter medo de cair com o nariz no chão. Ganhou a autoconfiança destruída nos tempos difíceis. Com tanto empenho, chegou o dia em que ela ficou apta para ajudar alguns novatos. Não na esteira, isso seria um exagero. Conseguiu forças para dar apoio moral àqueles que tiveram sérios problemas familiares. Com cautela dava um palpite aqui e outro acolá. Não era psicóloga e cuidava para não se transformar em um charlata. Algumas situações constrangedoras, casos que os psicólogos não resolviam, Joana resolveu. Ela ficou conhecida na academia. Surgiu o ciúme. O corpo dela estava sarado, malhado e outras freqüentadoras quiseram saber como ela obtivera aquele corpo. O medo de morrer lhe dera aquele corpo. Ocultou de todas as ciumentas o trabalho de corpo e mente que fazia no recinto. Dizia que era uma obrigação manter a saúde e a aparência em dia. Os seus amigos conheciam o seu problema. Isso bastava a Joana. Ela, que já tinha desistido de encontrar amigos e amigas, os encontrava agora, nos bate-papos sociais. _Digam o que disserem, confidenciou-me Joana. Os bons amigos existem. Eu acredito na Joana. Não sinto ciúmes do João Carlos e da Clarice. Eu não faria nada melhor para ela. Aliás, eu nem saberia como lidar com uma situação dessas. Ela continuou discorrendo sobre o seu drama pessoal, mas com um sorriso nos lábios. Contou-me sobre os assanhados da academia. Se existisse algo melhor do que ganhar uma cantada enquanto se está perturbada emocionalmente, ela desconhece. _Você está com a mente voltada para cada passada na esteira, em busca da superação pessoal, e vem o ginasta da esteira ao lado e pergunta por que você esconde o seu corpo em um uniforme de moletom duas vezes maior que você. Você começa a rir da sua solidão, da sua tragédia pessoal. Você não pode dar muita confiança para ele, mas acaba gostando da cara de pau do moço, que está procurando uma companhia para passar o tempo. Quando se é absolutamente só, do jeito que eu estava na época, as cantadas me ajudaram psicologicamente. Não namorei ninguém, mas fiquei querendo bem. Gratidão mesmo. O melhor é que poucos acreditam na minha pureza de sentimentos quando eu falo em gratidão. O povo gosta é de histórias quentes com muito sexo. Esse assunto gera boas risadas nas academias. Cautela para as mulheres porque os homens gostam de canja. Do trauma aos risos e às gargalhadas. Um casal sem filhos cuida de uma mulher de trinta e cinco anos com carinho, sem segundas intenções. Suponho que eles também se sintam sós, eles também precisam de amigos sem segundas intenções. Joana mudou muito. É só ainda, mas aprendeu a se compreender, a se perdoar e até a perdoar algumas pessoas. E eu, que não passei por nada disso, que estou triste com algumas ironias que ouvi. Ironias que me acusam do que eu não fiz e me magoam. Contei à Joana o motivo da minha tristeza e ela me pediu que eu me importasse com aquilo que eu pudesse fazer de verdade e não com as coisas que eu não fiz. As coisas que eu posso fazer são mais importantes, segundo ela. Eu posso as fazer para o bem e para o mal dos outros. Eu tenho que cuidar para não fazer mal às pessoas. Disse-me para eu não falar da minha tristeza para aqueles que já estão tristes. Isso pode fazer mal a essas pessoas. Então, num apelo franco, ela frisou: _Por mais que você esteja ferida, irritada e com vontade de brigar ou chorar ou gritar em consequência dessas provocações, pense naquilo que as pessoas precisam, um sorriso, um abraço, um conforto. De tudo o que eu vivi e aprendi nestes anos todos, eu cheguei a conclusão de que o dinheiro manda, mas o afeto rege. As arapucas da estrada muitas vezes nos impedem de andar na linha e consequentemente de um trem passar por cima da gente. Dessa conversa com a minha amiga Joana eu não quero esquecer nenhum detalhe. Que lição de vida eu recebi.

Faço. Conto publicado em coletânea.

Faço. Faço, pai. Acabou-se a discussão. É assim que a minha vida funciona. Ao ouvir estas palavras da menina que vira crescer, que conquistou estudos, Oswaldo, cirurgião-dentista de 56 anos, se assustou. _ Ana, se você precisar de mim, me avise, me chame. A moça, de tez marfim e 25 anos, jogou os cabelos cacheados e negros para o lado e deu de ombros. Pensou na carreira, na direção que queria para o seu futuro. Tudo que ela quisera até agora, conseguira. Oswaldo, preocupado com a filha, não dormia. Aguardava Ana abrir a porta da sala. _Filha, tudo bem? _Lógico, larga a mão de ficar acordado me esperando, estou bem. Riu-se e foi deitar. A mãe da moça morreu quando a menina tinha 10 anos de idade. Fora complicado criar uma filha única. Oswaldo saia de vez em quando para jogar conversa fora e namorar um pouco. A filha, sabendo porque o pai saia, resolveu ser igual. Não chorava, não admitia fraquezas, a vida era dura e os mais fortes venciam. Cresceu com essa certeza norteando os seus rumos. Aos dezoito, pediu uma cópia da chave da casa, afinal, algumas vezes tinha que esperar o pai chegar e abrir a porta para entrar em casa. _Casa que era da minha mãe, mal ela se foi, ele se achou livre, na verdade, ele não agüenta a ausência dela. Eu senti falta dela, tanta falta, mas estudei em casa. Hoje eu sei que posso o que eu quiser, eu consigo. Não adianta ele vir com conversa fiada. Eu sou a dona do meu mundo, fala com as amigas. As amigas não dizem nada. Ouvem e sentem pena da mágoa guardada. Ela está na faculdade de Direito, faz estágio em um escritório famoso na cidade de Campinas, onde nasceu e se criou. Leva uma vida masculinizada, se veste de calças compridas e camisa social. _Arnaldo, me ligue amanhã, que hoje eu tenho um almoço com um cliente. _João, passe aqui na Sexta que saímos para comentar a defesa. Assim caminhava a extensa lista dos seus colegas. O pai lhe avisou: _Um dia isso ainda acaba mal. Temo por você, uma moça tem que usar um vestido, uma saia, um batom. E as suas sobrancelhas tão grossas, nunca viram uma pinça. _Eu sei bem o que faço, dizia Ana com altivez. Foi o senhor quem me criou, sigo o seu exemplo. _Se me seguir como quer, nunca vai sentir um abraço de um homem. Você não gosta ou não pensa em namoro? _Não é isso. O senhor viu no que deu toda a feminilidade da mãe. O cachorro atacou e ela pediu socorro. Ela tinha que correr e não gritar. O pai ouvindo-a se comoveu e não tocou mais no assunto. Com jeito e devagar, eu mudo as coisas, pensou. Ana continuou com o seu coleguismo com o sexo oposto. Passa o tempo e o pai todos os meses dá uma lembrança, um rímel, uma bolsa, um vale- perfume para que ela vá até a loja e escolha um que goste, para que a filha lembre que é uma mulher, bonita e delicada, além de boa profissional. Ela não se dá conta da transformação porque ainda usa os trajes que prefere, mas a mulher que ali dentro mora, já se manifesta na aparência, no cheiro, nas maneiras. Um fim de semana qualquer de folga, resolve ir até a praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Ela escolheu essa praia porque todos os seus colegas vão a Ubatuba, São Paulo, nos feriados. Não os encontrará no Rio. _É o que ela pensa, minha mãe tem um apartamento no Leblon e vai para lá no fim de semana, comenta João com os rapazes que a conhecem. _ Escuta João, podemos ir juntos? Eu e Fernão não podemos perder isso! Qual de nós ela gostaria, se topasse namorar alguém? _ Se não atrapalharem a rotina da mãe na praia, tudo bem. Foram-se todos para o Rio. A Ana, o João, o Fernão e o Arnaldo. Lá, os rapazes resolveram verificar como Ana estava se saindo como mulher e foram até a praia de Copacabana dar uma espiada sem que ela soubesse, caminhando no calçadão da avenida Atlântica. Ana colocou o seu biquini, uma saia e uma camiseta regata e foi à praia levando uma mochila com bloqueador solar, uma toalha, telefone celular e um pouco de dinheiro para um lanche rápido. Chegou na areia, tirou a saia e a camiseta, estendeu a toalha, passou a loção bloqueadora, deitou-se, pegou o celular e ligou para o pai: _Pai, consegui ser menina finalmente. Acredite pai, estou usando até brilho colorido na boca. _Ufa, salvou-se uma alma do purgatório, divirta-se!, dizia o pai rindo com uma lágrima nos olhos. Os três colegas vendo a cena, começaram a comentar: _Olha lá, não é que ela é mulher mesmo. Cheguei a duvidar, disse o João. _Jeitosa, bonita, mas com uma cabeça complicada, disse o Arnaldo. _Eu vou chegar junto, que é pra mim, disse o Fernão. Os outros não permitiram que Fernão chegasse perto da garota, ele iria. estragar o plano traçado. _Vocês aporrinham, vai ver é por isso que ela sempre foi homem para vocês. É porque ela não sabe que existem homens como eu, um tipo raro e talentoso. _Fica na tua Fernão, disseram os outros. Ana estava na areia sozinha, bonita, branquinha, cara de turista. Um carioca nada bobo puxou conversa: _ O rapaz do camarão frito já passou? _Não, eu nem sabia do camarão, respondeu a moça. _Mas devia saber, porque o sol que aqui bate é para camarão paulista nenhum botar defeito. Ana riu-se, achou-o divertido e ele continuou na paquera, mas foi embora sem falar onde estava, estava sozinha na cidade. Ana saia, os colegas atrás se divertindo. O carioca paquerando, ela gostando do lero-lero. Ele a convidou para uma caminhada. Ela topou. Viu o que não era para ver. Os colegas se esconderam dela. Ficou triste. O carioca percebeu que algo estava errado, pensou que ela vira um antigo namorado e aproveitou para colocar os braços sobre os ombros dela. Os observadores, com inveja do moço, foram ao encontro da moça. Todos os três se disseram amigos íntimos dela. Não era verdade, mas Ana não tinha como provar. O carioca Ricardo caiu fora sem que ela soubesse muita coisa a seu respeito. Voltou para casa decepcionada com os quatro. Contou o que aconteceu para o seu pai, que ficou assaz aborrecido: _Adianta? Me diga se adianta? Todo esse tempo para conseguir me sentir bem comigo mesma, e o que acontece? Tudo arruinado, tudo foi água abaixo. Dizia e pensava nas suas roupas de trabalho, que iria vestir na semana seguinte. O pai, irritado com Fernão, João e Arnaldo, respondeu: _Adianta. Tente de novo. Sozinha. Aprenda. Enfrente. Mostre que você é forte. Não são as roupas de homem que te fazem forte, é a coragem de passar pelo que você passou. Quando você se enfrenta e consegue se superar é que você vence. Que não volte o antigo comportamento que amargurava, que envenenava. Se assuma, quem sabe o futuro? Outros cariocas vão aparecer, ou paulistas, ou do raio que os parta! Eu quero você menina, mulher. Eu não tive um filho homem, eu tenho uma filha mulher que não me envergonha, que eu não quero que se envergonhe disso nunca. Ana chegou ao escritório na Segunda-feira meio sem graça, de saia preta na altura dos joelhos e um blazer vermelho, acompanhando a blusa vermelha, sapatos de salto alto e meias finas. _Bom dia. Os contatos com os colegas advogados recomeçaram. O relacionamento entre eles não voltou a ser o mesmo. Tinha uma jovem entre eles.

Maio é o mês das noivas. Conto O Casamento publicado em coletânea.

O Casamento. Isso aconteceu no ano de 2.001, quando um casal de amigos casou a filha. Quatro meses antes do casamento, o pai da noiva pediu para ter uma conversa particular com o genro. A Laura, a mãe da noiva, temeu pela filha e pelo casamento pensando no gênio do marido. O Ernesto era muito sisudo. Ainda mais quando se tratava da filha. Ela era muito curiosa e foi proibida pelo marido de ouvir a conversa. Laura me pediu para ouvir a conversa dos dois, que seria numa confeitaria da cidade. A confeitaria possuía espaços reservados e só havia uma pequena janela que ficava no alto da sala. No lado de fora, do outro lado da janela, estavam as mesinhas ao ar livre, num pátio decorado com vasos de flores. No princípio eu não aceitei fazer um papel desses, mas quando ela me disse que se eu não o fizesse, ela pediria à zeladora do prédio onde eles moravam que fizesse a escuta, eu aceitei. Fiquei com pena do jovem casal. Eles não mereciam passar por isso. Eu, que gosto de finais felizes, resolvi que o casal seria feliz. O moço era de boa índole, gostava de trabalhar e era educado com a noiva. A moça era de uma delicadeza ímpar para com o noivo. Eles estavam calmos, mas os pais agitados demais, na minha opinião. Fui no dia marcado até a confeitaria. Quando o sogro e o genro chegaram ao local, eu me posicionei do outro lado da janela em uma mesa de madeira de imbuia coberta com uma toalha branca, com quatro cadeiras. Naquele dia eu fiz um almoço leve e na confeitaria pedi um café colonial completo, me preocupando mais com o meu lanche do que com a conversa ao lado. De qualquer maneira, o Ernesto começou a falar e eu o ouvi. Começou a discorrer sobre a lua-de-mel, e disse ser o paraíso na Terra para aqueles que se amam de fato. _ Você está feliz, sem dívidas, e o seu pai chega no momento em que você leva umas bolachinhas e suco de uva em uma bandeja para servir à sua mulher. Ele diz que você está incorrendo em um erro grave e que vai acabar sendo capacho da sua mulher se não se cuidar. A mãe da moça chega quando ela dedicadamente e até orgulhosa da atividade, passa as suas cuecas de seda. Diga-se de passagem que as primeiras cuecas do marido são da mais pura seda na opinião da jovem esposa. A mãe diz para a filha que o tempo da escravidão já passou e pergunta quando acabará a folga do marido. Os dois vão torcer para que a festa acabe logo e a vida profissional recomece. Chega a rotina, vem a alegria e o gasto com as crianças. O noivo o interrompeu, cauteloso com o rumo da conversa, para saber, afinal, onde é que ele, o sogro, queria chegar. Ernesto respondeu que ao invés de dar conselhos sobre o casamento, ele preferia contar a sua vida de casado e que Dirceu aproveitasse a sua experiência como quisesse. __Quando a união for formalizada, com o sim, você, Dirceu, ganhará uma família de quinhentas pessoas. Pessoas essas que te chamarão de primo e se você tratar a todos como primos, você morrerá em breve com a pressão arterial alta. Não queira visitá-los. Os aniversários da família bastarão para você se estressar. Eu não quero a minha filha viúva tão cedo. A Renata é tão doce, não merece ficar viúva e família é que nem remédio, em doses excessivas é veneno. Dirceu não abriu a boca e deixou o sogro continuar. _Eu estou casado há vinte e seis anos com a Laura porque eu nunca fui naquelas festas de oba-oba lá no escritório onde as conversas giram em torno da vida sexual das colegas mulheres. As colegas que gostam da noite não são da minha conta. Outro aviso importante é sobre as pessoas que tentarão te arranjar amantes. São aquelas que estão acima de qualquer suspeita, os teus cunhados, os teus sobrinhos quando forem crescidos. Infelizmente, as piores traições começam dentro de casa e com as pessoas nas quais depositamos confiança. Eu contei à Laura que o irmão dela me convidou para uma saída extraordinária após a partida de futebol do São Paulo. Ela não acreditou em mim. Até hoje o assunto é motivo para uma conversa mal-humorada entre nós. Vem à minha lembrança neste momento um caso no qual eu não tive a menor culpa e é motivo de dúvida até hoje para a Laura. Ela discutiu com a vizinha, a dona Rute. Ela teimava em colocar o lixo dela na nossa lixeira e a frente da nossa casa ficava feia com tanto lixo aparecendo. A frente da casa da vizinha ficava limpa e a da nossa casa, suja. A vizinha, de vingança, disse que quis chamar a atenção porque eu tinha um caso com a bela vizinha da quadra abaixo de onde nós morávamos. Ela disse que queria prevenir e ajudar a acabar com este romance. Romance que nunca existiu. A Laura me dava indiretas todos os dias sobre amantes. Aí eu comecei a olhar algumas vizinhas, que eu sabia que eram fiéis aos respectivos maridos e namorados, como mulheres e não mais como vizinhas. Eu disse para a Laura que se ela não parasse de falar em mulheres eu acabaria arrumando uma fora de casa. Falei sério. Fiquei muito nervoso com a aporrinhação. Ela chorou. Não tocou mais no assunto, mas desconfia até hoje. Hoje eu rio com o ciúme dela, mas na época eu não suportava mais. Dirceu o interrompeu para o apoiar. _ Meu prezado futuro genro não faça isso. Não me apóie nesse assunto que a Laura impedirá que você suba ao altar para se unir à Renata. A Laura é muito curiosa e até nem sei como foi que eu consegui falar com você sossegado, do jeito que estou falando agora. A essa altura me achei uma anja gulosa. Comer e ouvir e depois dar a minha versão final, que delícia. Graças a Deus eu tenho um bom coração. Estava pensando no quanto a minha amiga tinha sido irresponsável ao me dar uma missão deste tipo, quando a conversa continuou lá dentro. _A Renata é jovem ainda e certamente irá pedir conselhos à mãe. Mesmo cuidando com o que fala, seja sincero com ela. Eu a eduquei para agir com bons modos e pelo que tenho observado ela te conta tudo o que sente. Cuidado com a sogra. Eu conheço bem a Laura e ela pode, mesmo sem querer, te meter em encrencas. E eu falo dessa maneira porque entre mim e a Laura existe uma cumplicidade. Ela me defende dos meus defeitos e eu a defendo dos dela. Por favor, depois de casado peça para a sua mulher o respeito ao lar que vocês formaram e que os problemas fiquem por lá mesmo. Não os dividam com a mãe, a tia, a madrinha ou a prima. A não ser em caso de doença ou desemprego. Nem com a família dela e nem com a sua. Você sabe como está o seu senso de humor em um certo dia, mas o da sogra nem Deus adivinha meu genro. O genro concordou meneando a cabeça para frente. O sogro continuou a preleção dizendo sobre as desavenças. _Todos nós, em dias desafortunados somos capazes de dizer o que não queremos e nunca pensamos ser capazes de dizer com o intuito de magoar aqueles que nós amamos. Paciência. Acontece. O importante é não ultrapassar as palavras. Saia até a raiva passar. Ela passa. Eu sei bem disso. Houve um dia em que voltei para casa me sentindo humilhado pelo meu chefe de departamento e quis dividir o ressentimento com a Laura. Ela havia despedido a empregada. Naquela época estávamos abonados e pudemos contratar uma empregada. Eu não sabia da demissão. Ela ficou a favor do meu chefe. Depois de cinco dias nos quais não trocamos uma palavra, ela me contou que no ambiente de trabalho havia muita gente conversando ao mesmo tempo e a concentração dela no trabalho estava péssima. Chegou em casa e a Fernanda, que era a nossa empregada, queimou a calça preferida da Renata com o ferro de passar roupas e a Renata retrucou dizendo que aquilo havia sido feito de propósito. A Renata era adolescente e a Fernanda respondeu para ela. Aí, eu entrei e me queixei. A casa quase pegou fogo naquele dia. Eu continuava ali na confeitaria, cansada da comilança, ouvindo tudo, irritada comigo mesma, me sentindo a pior das bisbilhoteiras. Pensei em adentrar a confeitaria e contar tudo. Se eu fizesse isso, o Ernesto sairia de casa para espairecer, mas quando que a raiva passaria? Antes do casamento? Neste momento o Dirceu começou a falar dele mesmo, eu gostei de ouvir ele falar e não saí do meu posto. Com educação agradeceu ao sogro e disse que ele certamente estava preparado para criar uma família. Disse que queria uma família, com os acertos e desacertos que acontecessem. A família dele também tinha as suas situações embaraçosas. Pediu ao sogro que não conversasse com o pai dele sobre aquele encontro. A essa altura paguei o café e saí. Fiquei sem jeito. Eu estava ali para saber o que o Ernesto queria conversar com o Dirceu. O que o moço sentia ou a vida íntima dele não era da minha conta. Não contei para a Laura o teor da conversa, que realmente era séria, mas era particular. Disse que não consegui ouvir nada porque os freqüentadores da confeitaria estavam muito falantes e as vozes se misturaram. Me fingi de surda e disse a ela para confiar mais no Ernesto. Ele, que sempre fora sério, não haveria de causar constrangimento ao Dirceu na véspera do casamento. A cerimônia foi bonita, o jantar estava bom e a conversa agradável. Na saída da festa a Laura me pediu desculpas e pediu o meu sigilo. Eu sorri e respondi que ela jamais confiasse a sua filha à zeladora do prédio onde residia a sua família. Eu guardarei o segredo e não conheço ninguém em que eu confie o suficiente para controlar os passos dos meus filhos. Espero sinceramente que a conversa desses dois seja lembrada por eles como um momento bom. O meu presente de casamento não foram aqueles castiçais, foi a minha discrição diante de tudo o que eu sabia a respeito daquela família. E se não fosse eu? A crônica seria outra.

domingo, 23 de maio de 2010

Nem tudo é o que parece nesse conto:Outra Dimensão.

Outra Dimensão. Naquela terça-feira do mês de abril, Márcia se sentiu livre e poderosa para fazer o que lhe viesse a cabeça. Aos cinqüenta anos, ela tinha finalmente conseguido o sucesso, estabilidade financeira como empresária franqueada de uma loja de roupas de grife francesa. Após refletir o caminho percorrido como balconista, subgerente de vendas de uma loja de departamentos, gerente de uma empresa de cosméticos, as economias feitas até montar uma pequena butique, pensou que estava na hora de se permitir tirar umas férias para se soltar e extravasar o seu íntimo, reprimido pelos compromissos constantes no comércio. Foi até uma agência de viagens, comprou um pacote de viagens com estadia para 20 dias nos países baixos. De repente, pensou na aventura que talvez tivesse dormindo abaixo do nível do mar, na Holanda. Já sonhava com as tulipas, os castelos, os diques e com os passeios aos moinhos de vento. Preparou tudo para a viagem. Determinou que Catarina, a sua mais antiga funcionária, tomasse conta da loja. Foi ao banco e autorizou o débito automático de todas as suas contas e já aproveitou para pegar a quantia de dinheiro necessária para uma viagem tranqüila. Chegou o dia 25 de abril, pegou as malas, chamou o táxi e foi para o aeroporto de Guarulhos. Entrou no avião, o céu estava claro e o clima estava ameno. O avião decola, ela lê, ouve música e acaba dormindo. O avião adentra uma nuvem. Acontecem mudanças no comportamento de todos os passageiros. Alguns riem, outros gritam, outros choram, há até os que dançam em descompasso nos corredores da aeronave. Ela se sente livre como um pássaro e canta as músicas que lhe vêm na mente. O piloto avisa que aterrissará em Amsterdã. Os passageiros saem atônitos com o que se passou dentro do avião e vão para o American Hotel. Estão cansados. Márcia come alguma coisa, toma um banho, se veste para dormir e se deixa cair na cama, cansada da viagem. No dia seguinte quando acorda, repara que tem um homem dormindo ao seu lado e que ela está em uma cama de casal. Levanta e esbraveja: _ O que significa isso? Eu nunca me casei! O homem acorda e pergunta se ela está bem e diz que o seu nome é Ivan, que eles estão casados há mais de vinte e cinco anos. _Eu conheci um Ivan quando eu tinha 19 anos, namorei com ele, mas não casei. Como posso saber se você é o Ivan de Figueiredo que eu conheci na minha juventude. Namorei-o durante seis anos, depois você, que dizer, ele, disse que não gostava mais de mim e me disse adeus. O homem senta-se na cama, sorri, pega a carteira de documentos, mostra a carteira de identidade e o passaporte devidamente carimbado. Ao pegar os documentos, ela confirma que são autênticos. Imediatamente pega a sua frasqueira de mão e olha os seus documentos. Que susto leva ao se deparar com uma certidão de casamento contendo os nomes de Márcia Gonçalves e Ivan de Figueiredo como casados. _E o tempo que eu trabalhei e economizei para chegar até a minha loja de grifes, pergunta para o Ivan. _Loja, que loja? Responde ele estupefato. Márcia pega o telefone e liga para a Catarina, São Paulo, Brasil. Catarina é dona de uma lavanderia e diz que não a conhece. Cada vez mais atordoada, pede licença ao Ivan e vai até o saguão do hotel. Senta-se no sofá da recepção e as lágrimas rolam sem se desculparem pela dor que causam. Ela lembra que há dois anos resolveu desmanchar o enxoval e havia colocado uma toalha de mesa na cozinha, duas toalhas de rosto na sua casa em Santos e uma toalha de banho para o seu uso diário. Odiava se alguém a presenteava com peças de enxoval. A palavra casamento era uma ferida aberta e não deixava que ninguém se aproximasse para comentar a sua vida pessoal. Dedicou a sua vida ao trabalho e nenhum homem que conheceu depois do Ivan a fez se apaixonar daquele modo próprio da juventude. Mantinha o lazer como uma religião, distraía-se enquanto o tempo passava e não pensava em afeto. Acalmou-se, subiu ao quarto, olhou para Ivan e disse como se sentia e que não se lembrava de estar casada. _Eu também não lembro, isso deve ser conseqüência da turbulência no avião. O susto provocou efeitos colaterais, mas deixe estar que passa. Verifiquei a documentação antes de deitar, também fiquei surpreso. Márcia olhou para Ivan demoradamente e viu as rugas, o sorriso, os gestos e achou graça. De repente, não queria mais a situação anterior, aquela nova dimensão de vida lhe fazia bem. Tudo que ela sempre sonhara estava ali perto. No entanto, era honesta consigo mesma e com os outros e o seu marido precisava buscar a clareza dos fatos também. Ivan concordou em dar um pulo até o consulado brasileiro e se informar. A secretária do consulado entregou um comunicado do Ministério da Aeronáutica convidando a todos os passageiros daquele vôo para uma reunião, após a volta ao Brasil, que não seria antecipada para o bem estar de todos os turistas. O roteiro programado pela agência de turismo seguiu normalmente para o casal. Na volta ao Brasil, eles entraram em contato com o Ministério da Aeronáutica para marcarem a reunião, que se realizaria no dia 15 de maio de 2.007. Na data marcada eles foram à Base Aérea para a reunião. Foram recepcionados pelo coronel-aviador Geraldo Simão. _ Sentem-se, por favor. O assunto é secreto e ninguém acreditaria se vocês contassem. Há um ponto no céu, em cima do Oceano Atlântico que exerce uma força atrativa sobre os aviões. Os pilotos da aviação civil são orientados a desviar o ponto porque os passageiros... Deixe-me explicar melhor: mágoas são apagadas e os desejos secretos se tornam realidade no instante seguinte. Aí está o problema. Vocês se sentem roubados e felizes ao mesmo tempo. São emoções desconhecidas e não estudadas, são emoções raras. A vida pregressa desaparece, a memória é de uma realidade que não existiu. O que existe é só o que vocês têm no momento. Se precisarem de ajuda, tratamento psicológico, estamos fornecendo gratuitamente aos interessados. _Porra!!! Diz Ivan. A mulher se comporta diferentemente dele. Consciente que a delicadeza do espírito havia a abandonado e que ela se tornara fria como uma pedra de gelo, quis se descobrir e se encontrar novamente com as sensações perdidas nos anos de batalha. Voltam ao apartamento do Ivan, morada do casal há quinze anos. Ligaram para Santos e Márcia tinha a sua casa ainda bem conservada. _Ufa!!! Diz Márcia. Os dois conversam sobre todos os assuntos que não conversaram durante os anos em que estiveram ausentes um do outro, ela com carinho e ele com atenção. Outras conversas como dinheiro, sexo, idade entravam sem querer no meio da conversa. _E agora, pergunta Márcia. _Agora sigamos juntos. O que é a realidade senão o que o inconsciente deseja e trama para que sigamos o caminho que o espírito na verdade almeja, responde Ivan. Ela concorda e sorri.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Conto publicado em coletânea: Quarta-feira de Cinzas

Quarta-feira de Cinzas. Urânia acordou ao meio dia da quarta-feira de cinzas tentando lembrar o que aconteceu naquela semana de festas momescas. Pensava em voz alta: _Deixe-me ver se lembro, eu pensei que tinha treze anos e beijei todos que quiseram me beijar, ou, eu achei que era uma freira de minissaia e queria comprar uma saia preta longa a qualquer custo e ninguém me vendeu, ou me perdi nas ruas de Salvador e chorei chamando a minha mãe, que já morreu, e abracei a vendedora de cocadas achando que ela estava com o seu espírito incorporado em forma de cocada com leite condensado, ou, o que é pior, tudo isso em quatro dias. Na minha cabeça tem um surdo e um agogô a todo o vapor. Aqui é a Bahia, acho que tudo pode acontecer. Olhou para o lado da cama, no hotel, e viu o abadá colorido. Tinha até domingo para voltar ao normal e seguir viagem para São Paulo. Sabia que cometera excessos. Era a primeira vez que viajava sozinha e sentiu-se livre para fazer tudo o que pudesse. O único problema foi a ressaca, aquele mal-estar, o dorme e acorda e volta a dormir com o estômago parecendo uma máquina de lavar roupas. Precisava ficar só há algum tempo, mas sempre havia alguém por perto. Parecia que era proibido pensar, fosse para reler as suas conclusões sobre o passado ou fosse para planejar o futuro. Eram os colegas de trabalho, os vizinhos, os conhecidos. Gente que falava o tempo todo e deixava o seu ouvido zunindo. Ela dizia que precisava se isolar e a torcida do time do São Paulo que estava a sua volta dizia que não. A pressão psicológica de São Paulo, aquele movimento, as ruas superlotadas de gente, a demora para chegar ao trabalho, a poluição; os amantes, que se oferecem e que em geral são recusados, em cada esquina; o horário apertado, o almoço apressado, tudo parece problema. Foram três anos nessa vida agitada e sem possibilidade de mudança. Nesse ano ela se decidiu a ir passar o carnaval em Salvador, comprou o abadá antecipadamente na agência de viagens no mesmo dia em que comprou o pacote turístico de carnaval. Ofereceram um coquetel para os turistas antes da folia. Ela veio mal de São Paulo e queria extravasar, sem medidas, esquecer a cidade que faz dos homens uma máquina, que respeita o senhor dinheiro como um deus. Tinha que melhorar antes de parar para pensar. Daquele jeito não dava. A cabeça voltava a incomodar e o estômago melhorava aos poucos. Estava só e era bom estar só numa hora dessas. Toca o interfone no quarto, é a recepção do hotel perguntando se ela gostaria de aproveitar a estadia e conhecer algumas praias e cidades próximas ou fazer um passeio de barco, são passeios baratos e ela ocupa os outros dias da estadia em Salvador antes de domingo, quando acaba a excursão, com isso. Ela aceitou, escolheu um passeio pelas praias, um almoço típico da região com visitas a igrejas e um passeio de barco. Apenas pediu para a recepção do hotel que aguardasse a hora do jantar para pagar o roteiro que escolheu. Ela desceria e acertaria as contas desse pacote extra. À noite, desceu e conversou com a Dalva. Moça calma e alegre que brincou com a Urânia: _Aqui na Bahia, nós temos o “cura ressaca”. Você se acabou na festa e agora tem que se recompor, manter a distinção. Se eu morasse em São Paulo, eu vinha para cá de mudança. Virgem Santa, o que são aqueles homens que querem gozar com dinheiro no bolso? Aquilo não é gozar, aquilo é sadomasoquismo. Nenhum ser humano goza porque tem dinheiro no bolso, ele goza quando ele não tem nenhum bolso para guardar o dinheiro. Guardei um litro de água de coco para você. Substitua o coquetel pela água, acrescente um dendê e um leite de coco na refeição e sinta a baianidade entrar no seu corpo. Urânia sorriu, pagou e foi jantar no saguão do hotel. Bacalhau à baiana e arroz com leite de coco, depois para completar mugunzá de cortar para a sobremesa. Foi se deitar duas horas após a refeição e dormiu feito criança. Acordou sem pressa para nada, a festa acabou, era hora de passear. Entrou no ônibus do hotel, sentou-se na terceira fila, recostou a cabeça e olhou a paisagem pela janela. Coqueiros, praias paradisíacas, sossego de espírito. Estava como queria após três anos intermináveis de correria. Voltará para São Paulo no domingo. O tempo passa vagarosamente enquanto caminha na areia do Farol da Barra. Ela não quer mais extravasar daquele jeito feio, mas que brincar com a areia e faz um castelo de areia. Não se pode viver num castelo de areia, mas sempre se leva um pouquinho da areia do castelo para dentro da sua casa, o seu mundo particular. É o que compensa a viagem é essa construção de nada. O povo parece não ter pressa, quer sentir o cansaço da festa devagar, no ano que vem tem mais. Ela queria ser assim, mas em São Paulo é impossível. Por outro lado, ela decide que vai procurar um emprego num local próximo do local onde mora, ou, muda de casa para morar perto do emprego. Na sexta-feira se sente descansada e já pensa na viagem de volta. Verifica a arrumação da mala. Percebe que chegou esgotada à cidade e agora se sente melhor. Entra em silêncio no hotel. A recepcionista pergunta se ela gostou da visita à Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia e ela responde que sim e que até aproveitou a visita para pedir uma vida mais calma, com menos correria. No domingo volta para casa, em São Paulo, disposta a mudar. Desfaz as malas e olha a sua lista de contatos. Examina minuciosamente quem ela quer que continue na lista e quem ela quer que saia da lista. Ela lembra de uma notícia que leu no jornal de relance quando o ônibus parou em frente daquela loja de artesanatos, na Bahia, um homem havia sido internado em um hospital e acusava o vizinho como o causador do seu estresse e a família do homem deu queixa em uma delegacia pelo crime de assédio moral e estava feita a confusão porque assédio moral é típico de ambiente de trabalho. Aquela moça que morava no 1705, a Sílvia, sua vizinha, tinha atitudes que lembrava a notícia lida. A Sílvia a tratava muito bem e coincidentemente se encontrava com ela todas as vezes que ela entrava no elevador. Urânia anotava os preços de supermercados e fazia tabelas dos preços mais baratos praticados pelos supermercados. Por algum motivo desconhecido seu, pensou na vizinha com outros olhos e sentiu um arrepio. Na segunda-feira após o carnaval, ela volta ao trabalho. Encontra a Sílvia no elevador, antes de sair para pegar o metrô e ela diz que as duas precisam conversar mais tarde. No fim do dia, quando chega em casa, Urânia diz a Sílvia que dê uma passada lá. Recebe a vizinha na porta e não a convida para entrar. Sílvia conta o motivo da sua visita: _Urânia veja as fotos que me mandaram pelo celular. Nas quatro primeiras você está beijando na boca homens desconhecidos, nas outras você é retirada de uma loja com uma saia preta comprida e dançando pelas ruas de Salvador, e esta aqui mostra você pedindo a benção de joelhos para uma cocada. Você se embriagou na viagem. Urânia a interrompe e pergunta quem mandou as fotos para ela. _Não faço ideia. Não conheço os números de telefone que enviaram as fotos. Perceba o que quero dizer, querida, se estas fotos chegarem ao prédio, você será prejudicada. Eu estou querendo te ajudar. O que você quer que eu faça com as fotos? _Sílvia, onde você quer chegar? _Bem, a síndica precisa de uma auxiliar e ninguém quer entrar no conselho fiscal. Eu tenho vontade de ajudar, mas não posso. Eu não entendo de contas. Você pode. A questão é simples, você entra para o conselho fiscal. _Esse problema é da síndica, o conselho fiscal é eleito e, nem eu e nem você devemos nos meter com isso. Você é nutricionista, não é contadora. _E você, Urânia, uma economista que se embriaga no carnaval. Urânia disse que não iria cooperar com aquilo, mesmo conhecendo a situação, não tinha tempo, corria os supermercados o dia inteiro para fazer a coleta de preços. A síndica, Juraci, morava no terceiro andar do edifício em que morava, no bairro de Pinheiros. As fotos apareceram não somente nos celulares dos colegas, mas nos celulares dos vizinhos que ficaram estupefatos com a atitude da engenheira no carnaval. Com o nome na berlinda, diversos boatos novos surgiam a cada dia a seu respeito. Dentre eles, o porteiro que jurou que ela o convidou para sair à noite, mas ele recusou. Algumas senhoras encontraram com ela no elevador e deram o conselho para que ela tomasse banho de água fria que ela se sentiria melhor. No escritório, ouviu um dos funcionários comentar que isso era briga de cachorro grande e não era para eles. O supervisor a chama e pergunta o que está acontecendo. _Eu fui pular o carnaval em Salvador e aprontei um pouco, depois que eu bebi além da conta. Eu poderia ter dançado e brincado com os outros sem beber. Eu fiz coisas que não devia. Eu não deveria ter tomado nada. A ressaca foi horrível, você não imagina. Ele a conhece e sabe como foram os últimos três anos. Ele bem que avisou para ela não levar trabalho para casa, mas não adiantou. Ganhar um salário dobrado com horas extras é bom, desde que não prejudique a saúde. Ele a acalmou e disse que ela não perderia o emprego por aquele motivo. E disse para ela não beber para descontrair. _Se soubesse a imagem deplorável que as mulheres com um copo na mão passam aos outros, não tomaria nenhuma bebida alcoólica pelo resto da sua vida. Com o tempo os boatos cessam. Esqueça. Os boatos não cessaram. O ambiente piorou. A síndica mandava fazer vistorias desnecessárias no seu apartamento. A Sílvia propôs fazer um abaixo-assinado para retirar a Urânia do edifício, mas parte dos moradores não concordou. Um dia, Urânia não suportando mais os comentários foi à reunião de condomínio. Houve a reunião, um morador beliscou-lhe as nádegas, uma moradora sugeriu que ela assumisse a vida fácil, o outro convidou-a para uma taça de vinho e uma outra disse que não falava com loucos. Urânia pediu a palavra e contou das fotografias que apareceram no telefone celular da Sílvia. Disse também que não gostava de reuniões de condomínio e estava lá somente para falar desse problema que a incomodava muito. Os condôminos se entreolharam, alguns cochicharam aos ouvidos dos outros moradores palavras ininteligíveis e outros calaram em respeito para com ela. A síndica sorria. Ao final da reunião, Juraci pede que Sílvia a aguarde que ela precisa lhe falar. Urânia foi para casa dormir. No dia seguinte, quando novamente ela pega o elevador, encontra a síndica Juraci e a Sílvia juntas. Cumprimenta as duas e se dirige à porta. A síndica a segura pelo braço e diz: _Espere um pouco, Urânia. Eu preciso lhe informar que quem manda aqui dentro sou eu. Não quer trabalhar no condomínio? Não tem importância. Procure um outro local para morar. Eu não posso obrigá-la, mas posso avisar que a sua vida ficará difícil. Ninguém gosta de você aqui. Eu não deixarei que os moradores gostem de você e é melhor que se mude para um local onde eu não conheça o síndico. Nós, os síndicos, somos os cães de guarda dos edifícios e aqueles que são como eu, e somos em um número razoável, sabemos minuciosamente do lixo de cada morador. Uma amiga minha que mora em Salvador achou graça do estado caótico de uma foliona, tirou fotos e mandou-as para mim. Os síndicos são bons quando querem, entendeu? Você mora sozinha, seus parentes moram longe, não me pergunte como eu sei, eu sei. Se você quiser se comportar pela minha cartilha e ser minha conselheira fiscal, eu serei sua amiga. Caso contrário, é melhor se mudar para um edifício onde eu não tenha contatos, o que será difícil. Que o seu dia de coletora de preços seja bom. Urânia não responde. Entra no metrô sentindo a angústia de quem quer desabar em lágrimas e não o faz porque não chora em público. Na empresa consultora de preços ela conta o que aconteceu a alguns colegas e ao supervisor e eles a mandam para um hotel. _Não trabalhe hoje. Fique no hotel até arranjar um lugar melhor para morar. Contate as imobiliárias. Saia de lá. A gente ajuda na mudança. Urânia teve que se mudar. Vendeu o apartamento que era dela um ano após a mudança. Comprou outro no bairro Itaim Bibi. No carnaval do ano seguinte voltou à Salvador. Comprou o abadá, não bebeu e aprontou tudo de novo. Volta para São Paulo. Ninguém a incomoda. Pode ser feliz de novo.

Conto publicado em coletânea: Carnaval

Carnaval. Aquele carnaval de 1980 Irene não festejou. Assistiu pela televisão alguns filmes, leu aquele livro que não teve tempo para ler nas férias e o viu que se passava no país pelos jornais, estava em Curitiba para não festejar o carnaval no Rio de Janeiro. De repente, ela tinha a impressão de já ter visto tudo Ela foi nascida e criada em Curitiba. Cresceu, casou e foi morar no Rio com o marido Orlando, carioca. Quando o seu vestido estampado sumiu, no mês de novembro do ano passado, ela não desconfiou de nada. Teve mil ideias sobre o paradeiro do vestido, mas ele estava ao lado das roupas do marido dentro do armário. Em janeiro foi um par de sapatos tamanho 41 que foram parar no armário dele. Aqueles sapatos levantam as piores suspeitas que uma mulher pode ter sobre um homem. O que aquele par de sapatos dourados, com salto e plataforma estariam fazendo no armário do marido? Espere um pouco, pensou, se o vestido estava ali no armário e ele viu e não colocou junto com os meus vestidos e agora aparecem os sapatos ao lado do vestido é porque algo está errado. Planejou uma estratégia. Quando o marido veio com jeito de amante para o lado dela à noite, ela o esperou com o vestido estampado e com os sapatos dourados. Ele sai do banho perfumado e para em frente à cama com os olhos assustados. _O que é isso? _Eu é que pergunto: o que é que isso aqui faz dentro do seu lado do armário? Ele, sentindo a noite perdida, explica que vai brincar o carnaval vestido de mulher. _O quê? Eu sou uma moça educada segundo a santa madre igreja e não vou permitir. Ou você desiste disso, ou, é a nossa separação. Ela levantou da cama, tirou o vestido e deixou no chão os sapatos. Foi para a sala de visitas e esperou amanhecer sem dormir nada. Liga para a irmã Ana Maria e o cunhado Gentil que moram em Curitiba. O casal promete ir ao Rio de Janeiro no final da semana. Antes não porque as crianças tinham aulas e os dois, empregos. A família foi até a casa da Irene, no Rio. Ela parece esquisita quando abre a porta e os recebe. Oferece um sofá de quatro lugares para a família se sentar, e todos sentam no sofá amarelo, a irmã de trinta e dois anos, o cunhado de trinta e cinco anos, o adolescente Joaquim de treze anos e a Maria da Conceição, de dez anos. Irene se coloca na frente dos quatro e começa o discurso: _Ana, você sabe que a educação que recebemos em casa foi primorosa, eu eduquei o Rogério da mesma maneira e hoje ele é um engenheiro formado. Gentil, você é testemunha da dedicação com a qual eu cuido da casa, aqui sempre tem uma refeição gostosa e sempre que chegam visitas eu preparo uma mesa de causar inveja à vizinhança. Joaquim e Maria, por favor comam esses docinhos de leite que eu fiz para vocês. A família se entreolhou esperando o que viria a seguir. _Vocês não sabem o desgosto que o Orlando quer causar não só a mim, mas a toda a família. Ele pegou um vestido estampado meu, comprou uns sapatos dourados e disse que vai pular o carnaval vestido de mulher na banda de Ipanema neste carnaval. A irmã e o cunhado se entreolharam sem jeito. O Joaquim perguntou à irmã se ela sabia o que significava ser “maricas”. Nesse momento, entra na sala o simpático Orlando. _Que alegria encontrar-me com vocês. Como foram de viagem? Vieram para passar uns dias aqui conosco? Irene disse para Orlando que não se fizesse de bobo. Ela é que tinha ligado para eles irem até lá para ajudarem a resolver o problema do carnaval. _Vocês vejam a bobagem que a Irene está pensando. Se ela disser que não está pensando, ela está mentindo. Eu sou um homem casado. Ela não quer pular na banda de Ipanema porque se acha gorda e não quer que as amigas de praia a vejam. Ela se comporta como uma velha rabugenta aos quarenta e cinco anos de idade. Eu tenho cinqüenta e cinco, gosto de me divertir e quero sair. Pensei que se eu usasse um vestido dela, alugasse um par de sapatos, fizesse um borrão como maquiagem, ela não ligaria. Vocês acham que alguém vai duvidar da minha masculinidade se eu fizer isso? A família unida disse que ela jamais duvidaria da masculinidade dele, mas se fosse em Curitiba, no ambiente conservador no qual eles estão inseridos, a família não saberia o que dizer. Nesse ponto o Gentil procurou usar palavras de dicionário para não criar problemas com o cunhado. Orlando convida o Gentil para ir junto com ele e verificar que tudo é brincadeira nessa época de festa. A Ana olha emburrada para o marido e ele diz que não. Bastaria um boato desses para acabar com ele que era um pacato cidadão. Irene intervém: _Viu? Entendeu? Lembra Curitiba? A terra que eu tanto amo. O lugar onde nasci e por esse motivo trago no peito uma saudade infinda de lá. Antes que a conversa esquentasse, Gentil e Ana Maria convidaram o casal para passarem o carnaval em Curitiba. O marido, muito triste com a incompreensão da mulher, aceita o convite e diz que quer pescar lá. Pede em alto e bom som ao cunhado: _Gentil, por favor me providencie um lugar para pescar que eu não quero passar o carnaval vendo televisão com a Irene porque nós vamos brigar. Todos, exceto Rogério, que vai ao baile da cidade no Rio de Janeiro, se acertam e viajam para Curitiba com os homens se revezando ao volante. O casal, os dois magoados mutuamente, fica em um hotel. A irmã caçula dedica toda atenção a irmã mais velha com medo que ela perca o raciocínio e se separe do marido por uma tolice. Ana viu que o cunhado só queria gozar o carnaval e que a irmã estava fazendo uma tempestade num copo-d’água. Agora o seu marido terá que ir pescar junto com o cunhado só para ajeitar a situação, justo no carnaval que eles tinham combinado de ir ao baile em um clube, sabem que ao baile vão poucas pessoas, mas pelo menos eles dançam. Gentil chama o cunhado, afastando-o da esposa, e diz quais são os locais de pescaria perto da cidade e pergunta se ele quer pescaria de rio ou pescaria de mar. O cunhado havia comprado passagens de ônibus para ir ao Rio de Janeiro. Ele paga as despesas e eles se hospedarão no apartamento dele no Rio. Gentil conta à mulher sobre as passagens. Eles se dão bem e são sinceros um com o outro. Ana diz que se é para o bem da irmã, ele que vá, mas se comporte como um homem casado. Se ele foi fiel até agora, não mudaria no carnaval e depois, resmungou sobre a situação constrangedora que a irmã causou a eles. Todos mentem para a Irene, que é teimosa e não abre mão do seu ponto de vista. Lá vão eles para a pescaria que nunca existirá. Chegando de novo ao Rio de Janeiro, Orlando convida o Gentil para ir junto e verificar que a festa é divertida. _Eu vou, mas vou vestido de marido com terno e gravata que roupa de mulher eu não visto não. Orlando aceita que o Gentil vá a festa como se fosse seu marido. Ele pega o vestido da mulher, os sapatos dourados e juntos vão à praia de Ipanema. A banda de Ipanema é animada, as mulheres estão lindas, mas eles são casados. O calor é terrível para Gentil. O paletó o faz se sentir como um sorvete derretendo, mas ele não o tira. Desmaia. Orlando pede água gelada, derrama meio copo de água vagarosamente no rosto do cunhado. _Tira o paletó amor. Diz ele para o Gentil, que está caído no calçadão da Avenida Atlântica. Gentil não brinca mais na banda. Ele prefere assistir a banda passar sentado em um banco calçadão de Ipanema com uma garrafa de água mineral na mão, mas tira a gravata e a põe no bolso do paletó e abre o botão do colarinho para suportar o calor. Orlando, fantasiado de mulher pega nas mãos das lindas mulheres, samba com uma, diz gracejos a todas as mulheres desacompanhadas, mas com o devido cuidado para elas não se ofenderem, afinal ele é uma dama. Na quarta-feira de cinzas, uma hora da manhã, eles entram no ônibus para Curitiba e conversam sobre o que dirão para a Irene sobre a pescaria. As irmãs estão juntas aproveitando o tempo para matarem as saudades e se distraem com as crianças. O clima é bastante agradável, a Irene saiu do hotel e ficou com a Ana, foram ao cinema, caminharam pelas ruas vazias do centro da cidade sem pressa apreciando a companhia uma da outra. Agora conversam sobre o jantar que farão para quando os maridos chegarem. O marido da Ana entra em casa de terno e gravata e o Orlando de bermuda, camisa social de manga curta, meias e sapatos sociais. Eles não esperavam que a Irene tivesse saído do hotel, mas por precaução compraram os peixes com escamas, espinhos e levaram para casa. Os quatro se olham e as crianças se escondem para rirem longe da tia. Gentil, cuja paciência estava a meio minuto de terminar, pediu ao Orlando que falasse da pescaria e foi para a cozinha limpar os peixes. _Fomos até Pontal do Sul no sábado e pegamos o barco. Já em alto mar, o motor pifou e ficamos parados duas horas esperando o barqueiro consertar o motor. O Gentil começou a rezar e eu fiquei pescando bem calmo, coloquei a isca no anzol e esperei. Acontece que o Gentil rezava em voz alta e o barqueiro testava o motor do barco. O que aconteceu? O barulho afugentou os peixes. Depois, quando o motor do barco finalmente pegou, fomos para outro ponto porque ali os peixes não apareceriam mais. Não pegamos nada nesse primeiro dia e voltamos para a cabana montada à beira da praia, próxima à casa do barqueiro. No dia seguinte saímos cedo para o mar e o que aconteceu parece até “olho grande”, quando chegamos em alto mar o barco começou a fazer água e nós, com a latinha das iscas esvaziávamos a embarcação até que o nosso condutor conseguiu nos deixar em terra firme. Chegamos molhados dos pés a cabeça e perdemos as iscas. Passamos o resto do dia preparando as iscas para voltarmos à pescaria. Orlando fica uns segundos quieto para ter tempo para inventar a segunda-feira e a terça-feira de carnaval. _Continue querido, disse Irene meio desconfiada. _Depois te conto, vou ajudar o Gentil com os peixes. O Gentil é tão bom que me arranjou um lugar para pescar, a Ana Maria está sendo uma mãe para nós e é minha obrigação ajudar um pouco. É a minha maneira de agradecer. Com licença. Estavam os dois na cozinha e a Irene pergunta para a irmã se ela reparou na roupa que eles estão vestindo, inadequada para uma pescaria. A Ana chama o marido e pergunta se eles foram à pescaria de terno. _A roupa que eu levei ficou tão esgarçada que eu tive que comprar um terno em Paranaguá para voltar de viagem. Providenciei o terno na terça e eu já aproveito e vou trabalhar de terno novo depois do almoço. _Então não frite o peixe com o terno para poder sair daqui a pouco. O Orlando ouve e grita lá da cozinha que eles precisam voltar ao Rio, que a casa não pode ficar só aos cuidados do Rogério e diz que depois do almoço vai comprar as passagens para voltarem para casa. Almoçam e comem os peixes em paz. No ônibus, de volta ao Rio, Irene se retratou sem pedir desculpas. _Foi bom ter vindo à Curitiba, evitei uma vergonha familiar, matei as saudades da Ana Maria e você, Orlando, se divertiu de uma outra maneira. Aliás, que farra de pescaria. Fico feliz que você tenha vivido essa aventura aqui no Paraná. Você viu como a minha cidade natal é boa mesmo sem ter um grande carnaval? Ele sorri e dorme até chegar na rodoviária do Rio de Janeiro. Quinze dias depois ela pergunta sobre a banda de Ipanema a uma das suas amigas, a Clara e ela conta que se divertiu muito vendo um paulista de terno e gravata ficar em apuros por causa do calor e da teimosia dele em não colocar uma roupa esportiva. Ele foi a sensação da praia. Pena que ele tinha uma aliança na mão esquerda e não conseguiu brincar o carnaval com a banda nem cinco minutos. Dali em diante Orlando e Irene foram felizes para sempre.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Um livro bom. Conto publicado durante o concurso do site.

Um Livro Bom. Há cinco anos, Aída, de São Paulo, viajou para Jundiaí atrás de um renomado médico porque andava nervosa demais. Chorava sem motivo ou se irritava facilmente. Ela ia a contragosto do marido. Pegou o automóvel e a estrada até Jundiaí, se informou a respeito do local onde o doutor Pacífico de Oliveira atendia. Descobriu que ele tinha ido a um turismo rural nas redondezas da cidade. Cansada e ansiosa, Aída perguntou o endereço do local e como encontrá-lo. Chegou à chácara exausta. Descobriu o roteiro das frutas, um tipo de turismo onde se convive com a natureza e saboreiam-se as frutas da época. Hospedou-se lá. Dormiu bem e no café da manhã, ela o conheceu. Aparentava uns sessenta anos. Aída se apresentou e contou o seu problema. Ele perguntou a sua idade, solicitou uns exames e marcou uma consulta. Ela aproveitou para conhecer a chácara e emprestou um dos livros do doutor para ler. Feitos os exames, ela os levou ao médico. Houve uma queda nos hormônios estrogênio e progesterona. O doutor viu e disse: _A senhora está na menopausa. Algumas mulheres ficam muito sensíveis nessa fase. Ah, o livro que eu emprestei, me devolva depois, leia sem pressa. Da próxima vez, traga o seu marido para cá. Aída voltou reconfortada para São Paulo. O livro a fez refletir a quantos anos não pegava um livro para ler. Devia ler mais. Contou ao marido Arnaldo da consulta, e ele, satisfeito com o médico e com o livro, comprou alguns livros na Livraria Cultura para os dois lerem. Passados seis meses, em Jundiaí para a consulta, Arnaldo disse ao médico que os livros eram um santo remédio para lidar com diferentes problemas. Dessa vez, o médico falou de si. Ele nunca leu um dos livros que emprestava. Agora efetua pedidos na Livraria Cultura. Lê todas as noites antes de dormir.

Balneário Camboriú -45 anos. Poema de festa de aniversário.

Camboriú, amor antigo. Neblina, frio, mar calmo de inverno. Nas doces manhãs, velhas lembranças De um sonho antigo que é moderno Viver Camboriú, rever andanças. O tempo fiel, constante e eterno, Verão, primavera, minhas tranças Deixadas ao vento. Soa terno A brisa na areia, as ondas brancas Pureza de um tempo que acabou, Mas não por inteiro. Esperanças Voltam com a maré que baixou. O mar, em bondade continuou Trazendo encantos e insinuou Que a vida se conduz até em lanchas.

Poema para uma casa antiga,

Casa Antiga. Existe uma casa na estreita avenida. Tal é uma janela de mar solta ao vento, Perdida no tempo de soma aferida. Dos dias do passado aos dias de movimento. Quem passa e vê a casa, a pressente movida, Porque da reforma sobrou um cata-vento. Há vida no cimo da porta abatida, Que marca o passado e a bondade em fomento. A porta e a janela, na aberta comportam Franqueza e ternura. Na casa, enternecida, A dona é animada. Sorrisos se enlaçam. A nova casinha querida já é erguida, A porta e a janela, porém, não reclamam A vida passada. Será bem vivida.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Crônica publicada em revista: A Cotidiana Morte.

A Cotidiana Morte. Eu aprecio histórias de gente normal, mas essa aqui faz da morte algo tão natural e normal que até assusta. Reginaldo, um amigo da nossa família, era um homem exemplar na sua educação e nos seus costumes. Começou a trabalhar logo que terminou o curso colegial, estudou ciências contábeis na Universidade Federal do Paraná, após a conclusão do curso ingressou nos escritórios da Itaipu Binacional, casou tarde, aos 38 anos, e teve três filhos. Trabalho, honestidade e boa vontade norteavam os seus caminhos. Na sua vida privada, era conhecido como um marido perfeito e apaixonado pela mulher, Francisca, mãe dos seus três filhos: João Victor, que nessa ocasião contava vinte e oito anos; Ana Cláudia, que é casada com o Artur de Sá Souza, que estava com vinte e cinco anos e grávida do seu primeiro filho; e Reginaldo Marcos, o caçula de dezesseis, um adolescente normal. A cidade observava o comportamento dele. Jamais tivera uma amante sequer. Ganhava uma soma de dinheiro bastante razoável e o que recebia era investido na família. Modesto, não comentava sobre a sua carreira de funcionário na hidrelétrica de Itaipu. A cidade só descobriu que ele era alto funcionário quando ele se aposentou e a diretoria prestou uma homenagem ao funcionário que tanto contribuiu com a boa execução dos projetos. A vizinhança do bairro onde ele morava o conhecia pelo apelido de “Pacífico” porque não entrava em discussão com ninguém. Reginaldo dizia que os desaforos existiam para serem levados para casa e jogados no ralo para que não mais voltassem sem que as pessoas que os atiraram se sujassem. Nas eleições municipais de 2.004, Reginaldo, com sessenta e seis anos de idade, cansado da aposentadoria, resolveu se candidatar ao cargo de prefeito da cidade de Cruzeiro do Oeste, sua cidade natal, para se sentir útil à comunidade. Numa tarde de sábado, dia de levar a mulher ao supermercado e comprar alguns amendoins a mais para comer durante a partida de futebol, aconteceu o imprevisto. Reginaldo entrou no carro, sentou-se no banco do motorista; a sua mulher Francisca sentou-se no banco do passageiro e se dirigiram ao supermercado que ficava a duas quadras da casa deles. Estacionou o veículo, olhou para a mulher e disse que não se sentia bem. Morreu. Parada cardiorrespiratória. Teve uma morte exemplar, modesta, pacífica e ao lado da sua amada. Os votos de toda a cidade de Cruzeiro do Oeste foram para ele naquelas eleições. Se Reginaldo estivesse vivo, estaria eleito

Conto com o qual concorri no Site da Livraria Cultura nº2 : Edgar

Uma mulher entra na Livraria Cultura e pára estática diante daquele homem calvo com olhar misterioso. Ele lê atentamente a contracapa de um livro de Edgar Allan Poe. Ela compra um livro e passeia pela literatura universal sem perder de vista aquele homem. Ele compra Edgar e sai. A mulher o segue pelas ruas de São Paulo. Ele nota que está sendo seguido. Ela não está bonita com aqueles óculos imensos, todavia está bem vestida. Durval, o homem, entra numa banca e pede uma revista sobre automóveis. Ela entra na banca e pede umas balas de hortelã. Ele diz à mulher que também gosta dessas balas. Ele observa a reação dela. Ela o olha com frieza. Comenta sobre o livro que está nas mãos dele. _Edgar me fascina. Quem lê os livros dele carregam o mistério dentro de si. Ele a analisa. Castanha, roupa clássica, sapatos de salto alto, cabelo arrumado, bom perfume e uma bolsa discreta. O rosto era um enigma. Pediu o número do telefone dela e disse um gracejo. Ela não responde. No sábado seguinte, ele a vê quando sai do seu apartamento para almoçar. Estava com aqueles óculos. Ele finge que não a vê. Durval lê o livro e pelo sim, pelo não, sai para ver se a encontra. Ele não a descobre. Passa um mês. Ele a encontra num café. Ela fala sobre crimes. Uma conversa estranha que o incomoda. _O que você quer comigo? Ele a questiona e ela cinicamente diz que homens gordos, carecas e leitor de bons livros dão ótimos maridos, um clichê que fica muito bem na vida real. Ele pensa não ser bom nem mau. É um filósofo com qualidades e defeitos e sabe o que é. Ela quer conhecê-lo melhor. _Posso fazer o mesmo com os seus livros, se me disser quais são os livros que lê. Diz ele, Durval atento a cada palavra proferida por ela. Repentinamente ele vê a rua através das roupas daquela mulher. Nervoso, segura com firmeza os seus braços e arranca os óculos daquela mulher. Era um fantasma. Era Agatha Christie dizendo que ele tinha qualidades pessoais desconhecidas dos demais e que deveria usá-las para prever crimes e evitá-los. Ele ouviu, lembrou que não namorava há muito tempo e saiu um pouco da filosofia e foi a um salão de danças. Gordo, careca e feliz.

Conto publicado por ocasião do concurso da Livraria Cultura: Vizinho Cão.

O vizinho Maurício bem que avisou Rosália que o seu cão fugia para fora do portão e ele temia que Gengiscão, o cachorro guapeca, mordesse alguém, mas, mesmo assim, no sábado, ela se distraiu e só viu o cachorro depois da mordida na sua coxa direita. Depois de ir ao médico de táxi para fazer um curativo, constatou que o cachorro era vacinado e recebeu um pedido de desculpas do vizinho que pagou as suas despesas com o acidente e ralhou com o cachorro como se fosse gente. Rosália faltou três dias ao emprego, a dor era renitente e o repouso necessário. Para aliviar o aborrecimento comprou através do computador um livro na Livraria Cultura. Leu uma frase naquele livro que a fez pensar em mudar de emprego. Ela não suportava mais a vida de atendente de lanchonete e pediu o jornal do vizinho, dono do cachorro, emprestado. Mudou de emprego. Vendedora de loja de calçados. Comprou mais um livro para ler. Leu um trecho que falava de dentes. Foi ao dentista e mudou a prótese que estava gasta. De livro em livro, ela descobriu que podia mais. A cada livro, um pouco mais. Na semana passada, Rosália foi visitar o Gengiscão e o seu dono e família, que agora eram amigos dela e presenteou o cão com um pacote de ossos para cachorro para ele brincar de morder. _Obrigado, Gengiscão.

domingo, 16 de maio de 2010

Essa crônica faz parte de um livro que doei a uma biblioteca de Curitiba. Crônica: Mãe de Coração.

Mãe de Coração. Sandra e Pedro não tem filhos e estão casados há 10 anos. Ela sofre de endometriose e até a data de hoje, 7 de fevereiro de 1.975, significa que se trata de um casal estéril. A possibilidade de adoção é um questionamento constante na vida do casal. _Eu sou funcionário público, Sandra. Vivemos em tempos instáveis. Não temos noção do futuro, do que nos acontecerá. Embora eu não participe de nenhum movimento político, é difícil abrir o coração e adotar uma criança quando eu leio o jornal e me assusto com as matérias publicadas. Eu sei que um filho não tem nada a ver com tudo isso. Mas eu sou inseguro, sou filho de um homem que teve problemas na era Vargas. A memória do meu pai e da minha mãe me deixa com a certeza que eu não devo adotar uma criança. Me desculpe. Depois dessa ducha de água fria, Sandra passou a noite chorando e tentando compreender as razões de Pedro. Na manhã seguinte, mais calma, pensou que se fizesse uma atividade fora do lar poderia se distrair e ficou imaginando alguma coisa que lhe desse prazer e ocupasse as sua idéias para tirar essa obsessão por filhos. Quando Pedro chegou para almoçar, ela percebeu que ele estava aborrecido. No entanto estava calmo, então tocou no assunto pensado durante a manhã. _Sandra, você queria estudar francês antes de nos casarmos, depois houveram os problemas de saúde dos meus pais e você estava ao meu lado, depois você teve que cuidar dos seus pais, aí eu mudei de emprego e de vida. Até a gente se acostumar com o serviço público e a estabilidade demora um pouco. Faça o curso de francês que eu te dou de presente e eu ficarei orgulhoso de uma mulher que é a minha esposa falando francês nas festas da repartição. Ela foi pesquisar preços e escolas à tarde. A solidão de uma dona de casa com uma casa limpa e vazia é enorme. Encontrou a escola que queria. Perto da sua casa havia um curso intensivo de francês em três anos, 6 horas de aula por semana, 4 alunos em cada sala de aula, atendimento personalizado, preço razoável. Se matriculou. No primeiro dia de aula conheceu os seu colegas, que eram: uma senhora que dizia-se alemã chamada Gertrudes, um estudante universitário de 20 anos, chamado Reinaldo, uma moça que procurava emprego na alta hotelaria e precisava falar francês, chamada Nancy, uma adolescente de 14 anos chamada Angélica e ela, Sandra, 35 anos e querendo um ócio produtivo. Todos se trataram com educação e respeito. Aconteceu um incidente nos primeiros quinze dias de aula. A professora, que era de uma família de muitas posses foi pega pela diretora usando drogas perto da escola. Ela não foi denunciada à polícia, a sua família ficaria muito constrangida com isso, eram pessoas muito influentes em Ribeirão Preto e a escola avisou os seus parentes A professora Ana foi embora de São Paulo para Ribeirão Preto, sua cidade natal. Apareceu na escola uma semana depois do incidente, para acertar as contas com a direção da escola. Aquela turma para a qual lecionava, estava na escola tendo aulas com a professora Solange. O fato da ex. professora estar na escola aproximou os alunos e Angélica perguntou para Sandra: _Você viu como ela chorou. O que será que aconteceu com ela? Mandaram ela embora? Sandra pensou e achou melhor não tocar no motivo com a coleguinha. Isso era coisa para se conversar com a mãe ou o pai e respondeu que não sabia muita coisa sobre o fato. Mudou o assunto e perguntou se a menina estudava e quantos anos tinha. _Estudo, estou no último ano do ginásio. Tenho quatorze anos. Sandra olhou bem para a menina e a achou parecida com Pedro. As sobrancelhas, o sorriso, cheinha de corpo, não gorda. Ela simpatizou com a menina no mesmo instante. Se tivesse uma filha gostaria que ela tivesse os traços fisionômicos do marido. Durante as aulas havia um horário especialmente dedicado a conversação entre os alunos, na língua francesa, e, durante essas conversas a Angélica falou que o seu sonho era debutar no Clube Pinheiros. Nessas aulas de conversação não havia nenhum assunto censurado e todos os temas eram discutidos em um francês trôpego, que a professora corrigia. A menina-moça é espírita e acredita em reencarnações e nos espíritas. _E o que você pensa a respeito de crianças?, perguntou Sandra. _A criança é um espírito que é encaminhado para uma família onde possa ser educada com todo o amor e carinho desse mundo. Quando isso não acontece, criam-se carmas e darmas. _E os casais sem filhos?, retrucou Sandra pensando em si mesma. _Os filhos fazem parte do aprendizado espiritual. É sinal que o casal escolheu uma outra maneira de evoluir nesta vida terrena. Sandra se calou e as discussões continuaram. Outro dia foi a vez da Gertrudes, quando o assunto era a política americana. _Roosevelt era comunista e abriu as portas dos Estados Unidos para a Rússia. A professora apoiou a senhora alemã. Angélica interveio e disse que a aula era de francês; o Reinaldo disse que nem ele, que era um alemão legítimo, nascido na Alemanha, diria isso. Olhou para a Sandra e disse: _Radical. Nesse dia Angélica convidou a senhora para conhecer um centro espírita. _Ah, não vou. A minha religião é outra. Me desculpe. _Depois não se queixe. Eu resolvo os meus problemas lá. Pergunto tudo para os espíritos. A minha mãe também vai. Ela que me leva para ver se eu me acalmo. Eu sou muito ansiosa. Ela quer me levar numa psicóloga se eu não melhorar. Sandra mergulhou nas suas angústias pessoais com essa conversa. Não queria nenhuma psicóloga para resolver o seu conflito, que era íntimo demais para ser dividido com uma profissional. Outro dia, foi ela que exagerou, quando a menina se queixou do pai, dizendo que ele foi “grosso” com ela, que ela e a mãe estavam gastando muito dinheiro com a sua festa de quinze anos. Sandra então, senhora de si, respondeu: _Vá se acostumando, os homens são diferentes de nós mulheres. Eles são “grossos” mesmo e é para nos proteger que às vezes eles agem dessa maneira. A professora e a Gertrudes imediatamente disseram que provavelmente esses eram os homens da sua família. Reinaldo se divertiu com o tema. Sandra saiu da aula e chorou. O único homem da sua família era o marido. As aulas iam se sucedendo e uma bonita amizade surgia entre a menina e a jovem senhora. Tolices eram ditas, discussões sobre os quinze anos, sobre a valsa, os medos secretos de cada um. Angélica tinha medo de viajar sozinha com a turma da escola e foi encorajada a enfrentar o medo e sentir que na volta os seus pais estariam contentes de proporcionarem essa viagem à filha. A senhora disse para a menina praticar algum esporte e começou a fazer caminhadas. Se ela indicava o que pensava ser bom, pensou que talvez fizesse bem para si mesma. _Sandra, você sabe tudo, pelo menos tudo que eu quero saber. _Seus pais não conversam com você?, respondeu à jovem. A menina disse que eles conversavam mais, antes do avô ficar doente, mas que agora eles cuidavam dele e da festa de quinze anos dela e ela tinha que procurar saber das coisas por conta própria, já estava moça. Sandra viu que os pais da garota estavam atribulados e resolveu dividir os seus pensamentos com a Angélica. Discutiram os melhores métodos de se estudar para as provas escolares bimestrais. Nesse instante, Sandra se surpreendeu com a experiência que tinha. A menina passou de ano e foi para um bom colégio de 2º grau. Nesse meio tempo a professora chamou Sandra e perguntou se ela achava que a menina tinha dificuldades mentais, porque ela era muito bobinha. _De jeito nenhum, respondeu Sandra, afirmando que deixasse a menina por sua conta, que ela cuidaria da menina enquanto esta estivesse freqüentando as aulas de francês. Sandra cuidou com amor de mãe, que não era e talvez nunca fosse na vida, mas o afeto era de mãe. Às vezes ia para as aulas apenas pensando na menina, que precisava dela e ela sabia disso. Ajudou a mocinha a se comportar corretamente no baile, ensinou a não discutir com os pais, brigou quando soube que a menina bebeu além da conta e pela primeira vez na vida: _O problema não é os seus pais te colocarem de castigo, o problema é que isso não se repita. Você sabe que quem bebe não se cuida dos perigos? E tem mais, eu te quero bem e você sabe disso. Volte onde você deu vexame e mostre que você não bebe, que você é uma moça séria! _Desculpe, Sandra. Não faço mais isso. _HUM...., resmungou a mãe de coração. Angélica voltou várias vezes ao lugar do vexame, suportou as piadas e mostrou que não faria mais esse tipo de extravagância. _Sandra, eu queria mesmo que você fosse ao centro espírita que eu e a minha mãe vamos. Eu acho que você já foi da minha família em alguma encarnação passada. Você podia ser amiga da minha mãe. Na aula seguinte a mãe da menina apareceu na escola para conhecer a Sandra. Cumprimentou e pagou a mensalidade. O pai da menina foi buscá-la na saída e fez questão de dar uma “boa tarde” à senhora. Sandra sabia das suas dificuldades para engravidar e viu que a amizade tinha passado dos limites de coleguismo. A direção colocou as duas em salas diferentes. Não adiantou. Quando se encontravam falavam das dificuldades mútuas. Sandra não se continha. Ela acreditava naquela amizade espiritual e contava meio por cima, respeitando a idade da moça, os seus conflitos. Na outra sala, porém, Sandra entrou disposta a não fazer ligações afetivas. Mas o destino é implacável quando quer. Na outra sala tinha uma outra jovem, a Fabíola, que olhou para a Sandra e não pestanejou: _Você acredita em extraterrestres Sandra? A professora olhou para Sandra e caiu em risadas, com os seus olhos de mestra viu que a Sandra seria adotada por outra jovem. Sandra respondeu: _Se eles me telefonarem, eu acredito! Fabíola ficou fascinada com a possibilidade de outra pessoa aceitar a idéia de conhecer extraterrestres. A professora teve a idéia de juntar as meninas para que elas tivessem uma companhia da mesma idade delas, o que Sandra achou ótimo. Passada uma semana, Fabíola entrou na sala de aula e contou às duas que a Angélica tinha proibido de dizer que se conheceram e tinha contado que ela podia perguntar sobre qualquer assunto para a Sandra. Sandra sabia tudo, na opinião da Angélica. Fabíola também tinha problemas. _Eu preciso de um pouco de ajuda. Pode me ajudar? _Claro que posso. Se estiver ao meu alcance, eu ajudo, senão vou pedir aos seus pais. Agora Sandra aconselhava a outra, a mando da primeira. Sandra descobriu que as jovens têm uma capacidade inimaginável de fazer perguntas. Parecia o final dos tempos porque elas tinham muita pressa em saber de tudo. E Sandra sabia que não sabia muito, ela dava atenção, uma sugestão aqui, outra ali. Evitava assuntos polêmicos, o que era difícil naquela escola, diga-se de passagem. Se sentiu numa encrenca. Não sabia exatamente como lidar com tudo aquilo. Contudo, se sentia mãe e se deu de coração às meninas. Contou tudo à Pedro, que pensava no perigo que era substituir as mães de tal maneira, com tal desprendimento. A maternidade surgiu como um aprendizado espiritual. _Prepare-se para se desligar das meninas após o curso. Você é quem vai sofrer mais. Elas vão seguir as suas vidas e vão esquecer de você, disse Pedro com um certo dó de Sandra. Dois anos se passaram do final do curso. A endometriose ainda não tem cura. Pedro ainda não quer adotar crianças. Sandra encontra Angélica na rua e pergunta como vai. _Que saudades, Sandra. Eu estou na faculdade, trabalho com a minha mãe. E você, teve filhos? _Não. Aceitei a idéia da infertilidade. Sandra e Angélica se abraçaram. Se vêem de vez em quando. Angélica não toca no nome de Fabíola, por mais que Sandra tenha curiosidade de saber algo. Ciúme de irmãs, pensou a senhora com o coração pleno de felicidade. _Venha me ver de vez em quando, Sandra. Disse em tom de pedido e com afeição, Angélica a Sandra. Sandra sorriu e confirmou que iria vê-la de vez em quando. A diretora da escola de francês liga para a casa de Sandra e diz: _Sandra, você foi mãe daquelas meninas. Nós temos os nossos meios de saber o que se passa na escola e vimos o que se passou. Por tua causa, a dona Maria, que trabalhou 6 anos conosco, como zeladora da escola, largou o emprego. O filho dela é adolescente e ela teme que ele não encontre uma pessoa disposta a agir como mãe enquanto ela está trabalhando. Você foi um exemplo de mãe para ela. Sandra se sentiu presenteada pelos espíritos de todos os deuses existentes na face da Terra. Embora nunca fosse mãe, sabia o que era ter filhos. .

Silêncio no Feriado.

Marina, estudante universitária de Maringá, 23 anos, alta, cabelos pretos lisos compridos, gosta de passar uns dias em uma pousada em Mandaguari, uma cidade que fica a 30 km de distância. Sua tia Lícia, 48 anos, divorciada, decidiu ir junto neste feriado de sete de setembro de 2006. A pousada é em uma fazenda, tem uma casa de madeira de dois andares com os quartos no andar superior e um restaurante no pavimento térreo com varandas adornando o ambiente. Na fazenda existem cavalos para a montaria, trilhas para caminhadas, um lago para pescarias e piscinas naturais. Elas chegaram às seis horas da manhã do dia sete de setembro, o dia estava bonito e as duas fizeram atividades ao ar livre o dia inteiro. Lá pelas oito horas da noite jantaram e foram se deitar porque estavam exaustas. O silêncio era grande e elas dormiram logo. Quando Marina acordou eram sete horas da manhã do dia oito. Ela se espreguiçou e olhou para a cama ao lado para ver se a tia já havia acordado. Para surpresa sua, a cama da tia estava arrumada e ninguém estava no quarto. Marina se levantou, tomou um banho rápido e desceu para encontrar a tia. No restaurante ela soube que a tia pegou um cavalo na noite anterior e sumiu na estrada que dá acesso a pousada, galopando. Marina ficou atônita com a notícia e pediu para fazer uma busca nos arredores. O responsável pela pousada, o Sr. Manoel ofereceu a sua caminhonete e disse que iria junto porque ele conhecia a vizinhança. Marina aceitou prontamente a oferta. Foram-se os dois procurando em todos os lugares conhecidos pelo Sr. Manoel sem descobrir nenhuma informação sobre a tia Lícia e o cavalo. Após a busca infrutífera, resolveram voltar para a pousada por um atalho. Pelo atalho eles chegariam mais rapidamente até a pousada, e lá pegariam um documento da tia Lícia e o levariam para avisar as autoridades sobre o sumiço dela. No meio do caminho avistaram o cavalo amarrado em uma jabuticabeira e a tia Lícia sentada encostada na árvore. Pararam o automóvel e correram até a tia Lícia e perguntaram sobre o acontecido. Ela respondeu que precisava de um momento bom, sem gatos ou ratos, disse que não queria dar explicações. Pediu também que eles voltassem para a pousada e que a aguardassem. O Sr. Manoel, calmo, achou melhor concordar com ela. No fim da tarde Lícia chegou à pousada dizendo que estava bem, que não iria mais fugir com o cavalo e que ninguém lhe perguntasse nada. Nos outros dias em que elas permaneceram na pousada a tia Lícia se comportou normalmente, disposta, alegre, como se nada tivesse acontecido de diferente. Marina obedeceu porque foi educada a não questionar os mais velhos, e as duas voltaram para casa sem tocar no assunto. Marina calada olhava para a tia curiosa e a tia pegou um livro para não ter assunto.

Alice, a moderna.

Eva moderna, Alice, de carro, estudiosa, trabalhadora, moça que adiava todas as suas vontades pessoais para o dia de amanhã. O tempo ia passando e ela pensando nas obrigações, até que um dia, num semáforo da esquina perto da sua casa , ao lado do seu carro, parou uma carroça, dessas que recolhem tralhas e objetos recicláveis. À frente da carroça estava um cavalo, como de costume. Tudo normal numa cidade grande como a de São Paulo, não fosse o cavalo virar-se para ela e lhe dar um bom dia todo sorridente. Ela achou graça de já haver chegado ao ponto de dar bom dia ao cavalo. Era meio-dia de uma segunda-feira, o que significava hora da corrida do almoço. Almoço de bandeja, saudável, fruta de sobremesa e tudo para ser comido em meia hora. Almoço, faculdade, janelas vagas no horário. Era hora de se dirigir à biblioteca para estudar. Termina o dia, volta para casa na zona norte, Casa Verde. Sua mãe a espera para um ajantarado, como costuma fazer para reunir os três filhos, dois rapazes, Alice e o marido José.
Depois da janta, Alice corre para terminar o trabalho da faculdade. Dez horas da noite ela se deita e dorme.
Na terça-feira tudo igual: de manhã estágio, à tarde aulas e noite de estudos. No Sábado ela acorda tarde, almoça, se arruma, ajeita o cabelo na vizinha que é cabeleireira e faz as mãos e os pés para ficar ajeitada pelo menos até a próxima Quarta-feira. Depois da  beleza, ela liga a televisão e acaba dormindo de novo. Domingo de missa para renovar a fé no seu esforço, afinal uma proteção extra cai bem. À tarde fica na varanda observando as novidades do bairro, conversa com algumas amigas e pronto. Essa é a sua semana.
Só que nessa noite de Domingo , enquanto dorme ela sonha com o cavalo, o cavalo que lhe cumprimentou. No sonho o cavalo é bem tratado, de pelo lustroso, corre nos campos livremente e a olha e relincha insistentemente. Ela de súbito acorda de madrugada e pensa na vida que ela e o cavalo levam. Ela se sente uma égua vestida para a carga que carrega. Concluiu que o animal a cumprimentou porque reconheceu uma semelhante. Percebe que também é responsável pela carroça na qual a vida dela se transformou.
No dia seguinte, no mesmo horário e no mesmo lugar tenta se encontrar com o cavalo, mas que nada, nem cavalo nem carroceiro estão na rua. Repete a operação a semana inteira. Na Sexta-feira, sua última esperança de rever o cavalo, ela avista a carroça e emparelha o carro com a carroça. Desta vez, ela mexe com o cavalo:
_Bom dia cavalo.

E o cavalo responde:
_Bom dia moça. A moça quis me ver de  novo, não foi?
_Foi. Sonhei muito com você e quis te ver mais uma vez. É muito pesada a carroça?, perguntou ela ao animal verificando que o carroceiro nada perceberia de diferente.
_É o meu serviço, moça. Sem a carroça, a minha vida aqui na cidade seria muito triste.
_Mas, e no campo? Você não seria livre?
_Sim, livre. Essa é a idéia. Liberdade.
_Cavalo, por quê você fala comigo?
_Porque o seu cavalo de lata não trabalha como deveria.
_O quê! Não entendi.
_O ofício do cavalo é levar o dono para onde ele quiser e isso não acontece.
_Continuo não entendendo.
_A moça tem que mandar no cavalo e o cavalo está dentro de você. Desculpe, é égua. Entendeu agora?
_Será, cavalo?
De repente, aparece um carro branco, desses importados, cheio de enfeites, com o  vidro escurecido, pára ao lado e desfere dois tiros no cavalo. O cavalo tomba morto. O carroceiro se desespera e grita :
_Não! Não é possível ! Meu Deus! Em que mundo eu vivo?
A moça desmaia, o carro dela fica parado com o motor ligado e o freio de mão acionado.
A polícia é chamada pelas testemunhas do crime.  Eles atendem a moça e o carroceiro. Tomam depoimentos. Investigam. Descobrem o assassino, que é uma colega de faculdade que, de tanta raiva, a seguia desde que ela havia entrado na faculdade porque a moça não se misturava com a barra pesada, a colega jurou fazer a moça sofrer. A polícia comentou:
_Jovens que se destroem por prazer. Que pena!

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Pássaro Azul - Poema - Assista http://www.youtube.com/watch?v=m5zl7-bc3Rw

Eles existem. São de verdade! 

Pássaro Azul.

Pássaro azul da felicidade,
Olha lá atrás aquela canela,
Árvore nova apesar da idade.
Canta e será contigo a mais bela.

Pássaro azul da prosperidade
Fica nesta árvore e mora nela.
Mostra o teu gesto de caridade,
Veste da aurora que não se encela.

Pássaro azul que tem a missão
Própria e celeste, traz esperança.
Já não se cansa de ser canção.

Pássaro azul, sublime lição:
Alto, bem alto é o céu que se alcança
Só. Dentro d’alma com percepção.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Posso ser loura ou castanha ou morena, depende do make up.

Era uma vez...talvez.

                                   Era Uma Vez... Talvez.

     Era  uma vez uma linda mocinha de treze anos, com cabelos castanhos cacheados que caíam sobre os seus ombros, que andava pela praia horas e horas e se sentia livre para sonhar o que quisesse. Com a pouca idade e a inexperiência que tinha, só tinha uma certeza, a de que amava o mar. A natureza a favoreceu, mas ela se achava baixinha com 1.64 metros de altura. Tudo era novidade e celebração naqueles tempos.
     Acontece que a sua família teve que se mudar para a cidade e deixar a praia. Os pais dela não conheciam as bruxas e os bruxos que habitavam na Cidade do Grande Bruxo. A linda menina foi enfeitiçada por um dos bruxos logo que a família adentrou a cidade.
     O bruxo Salim Malim jogou o seguinte feitiço:
     _Pelas barbas de Netuno, o rei dos mares, em três números que eu diga, consagrarei a jovem ao poder da música, mas como escrava. Jamais Luamar terá o seu próprio destino sem a minha permissão. Luamar será condenada a viver dividida entre o som e o mar. Luamar não terá amores. 1,2,3, o feitiço está feito nesta noite de lua cheia, que o fogo das paixões incendeia e somente numa noite de luar, de brisa suave e encanto e magia poderá ser desfeito.
     A mocinha não entendeu quando a cidade voltou-se contra os seus cabelos e ordenou a todas as encarregadas dos cortes de cabelos que os deixassem curtos como os de um homem.
     Luamar era pura e selvagem, pedra rara sem lapidação, dizia que não se importava, que não era vaidosa. Ah, mas bem no íntimo se sentia estranha e feia, era a única mocinha que ao invés de brincar com as madeixas, se queixava delas, eram uma dor que sentia ao acordar e ao se arrumar para sair. Não tinha a jovem noção do que começava a se passar nos seus dias.
     Na escola, todas as escolas pertenciam aos bruxos cultos da cidade, a obrigavam a ficar junto com os elementos considerados perdidos. Os escravos e os maus elementos se pertenciam mutuamente, essa era a doutrina da cidade.
     Não só os bruxos têm poderes, a natureza também age sobre os mocinhos e as mocinhas. Na escola, Luamar viu um dos maus elementos e reparou que ele tinha cabelos compridos. O garoto era bonito e quando a viu, sorriu. O nome dele era Céu de Lua e tinha 17 anos. Nessa idade que os jovens tinham só os bruxos não sabiam que eles iriam conversar. Ela descobriu que ele também era enfeitiçado e perguntou sobre o feitiço que fizeram a ele. Céu de Lua então respondeu:
     _ Sou escravo também, não posso amar ninguém, meu dinheiro não é meu, sempre que ele chega em minhas mãos, os bruxos ordenam que me causem despesas até que eu nada tenha. Além disso, me obrigam a usar este cabelo de menina para que a cidade possa me considerar um rapaz perdido, o que não é verdade, Luamar. É assim que os bruxos desejam e eles mandam.
     A moça ficou mais triste do que já era. Surgiu um afeto sincero entre essas duas crianças desconhecedoras do amor. Afeto que devia ser escondido no bairro dos amores proibidos, embora a bola de cristal tudo desvendasse e aos bruxos interessados revelasse.
     A cidade estava cega de tantos feitiços. A cidade pensava que a menina tinha o que merecia. Que males teria a família da menina cometido, para que a menina fosse condenada com tal violência? As pessoas consideradas boas para o reino dos bruxos espalhavam boatos e mais boatos sobre a história de Luamar.
     Com o Céu de Lua os fatos não eram muito diferentes. As mocinhas, filhas dos bruxos mais poderosos da cidade, o consideravam bonito e sabiam o poder que bruxinhas novas e bonitas exerciam sobre um mocinho escravo. Sem amor, o jovem se deixava levar numa vida com luxo e tristeza. 
     Luamar era dedicada e educada para com todas as pessoas e alguma voz interior dizia que as coisas boas não eram para ela. A consciência aos poucos ia clareando os acontecimentos e ela jurava se livrar do feitiço um dia.
     Céu de Lua queria e acreditava no amor e se transformou em um bravo guerreiro com cabelos de menina.
     Eram jovens bonitos, apesar do feitiço.
     Um novo feitiço caiu sobre eles, sem que eles dessem a devida importância ao acontecimento. Uma emoção, um sentimento vago, doce, delicado, uma ternura infinda surgia no coração de um pelo outro e vice-versa. Estavam todos os dias juntos e se preocupavam um com o feitiço do outro. De repente, o feitiço que se abatia sobre o outro era mais doloroso que o próprio. Talvez fosse uma maneira de amenizar a raiva que o enfeitiçado sente dos bruxos e da bruxaria.
     Os bruxos tudo descobriram e ficaram furiosos.
     _Afastaremos esses dois. Preservaremos a doutrina e o regulamento para os cidadãos. Quem mais além de nós, que conhecemos e entendemos o comportamento da sociedade, podem sugerir  novas e idiotas regras. Sabemos que homens e mulheres quando escolhem os seus parceiros são um desastre para si e para os seus concidadãos. Continuemos escolhendo os casais adequados e pertinentes.
     Assim foi feito. O bruxo Antártidus, o dono da cidade assim decidiu e assim foi feito. A segunda opção seria levar os jovens ao desespero, mas ainda não era tempo para tanto romantismo.
     Luamar cresceu, se viu adulta e não viu o seu futuro.
     Céu de Lua viu o seu futuro sem amor, o que lhe causava ódio até de si mesmo.
     À medida que o tempo passava, os temíveis, duros, frios e matemáticos bruxos, cuidaram que a moça adulta conhecesse o som, de tal maneira que ela se enredasse nas infinitas combinações possíveis e não tivesse tempo para  fazer bom uso do prazer que o som traz.
     Quanta tolice na cabeça desses maus senhores.  O som deu o prazer dos céus para Luamar.
     Ao moço foram dados todos os prazeres de homem, mas ele se sentia roubado.
     Os pequenos prazeres da vida, uma flor nova que nasce a cada dia, deles dois foram roubados todos. O tempo passou, passou e passou. Apareceram alguns fios de cabelo branco nas têmporas de Céu de Lua e de Luamar. O feitiço parecia impossível de ser retirado. Por mais que a moça lutasse, ela se sabia enfeitiçada. Quanto mais o moço lutasse, mais os bruxos queriam que ele tivesse prazeres e o mal que causavam a este jovem era insano. Mesmo com todos os feitiços, Céu de Lua lutava para manter-se consciente e seguir como guerreiro da luz porque o romantismo dele era insuperável.
     Luamar cuidava de estar sempre ocupada com tarefas intermináveis. Evitava pensar no passado sem futuro que teve, isso era máquina de endoidar santo e a moça amava o som e o mar e não queria a loucura.
     Eis que um dia passa uma fada cheia de marolas e rendas e bate à porta da casa de Luamar.
     _ Querida Luamar, envelhecerás e serás escrava. O teu lugar não é aqui. A mando de Netuno te ofereço a liberdade. O grande rei sabe que usaram o seu nome para a prática de bruxarias e se enfureceu. Netuno possui harpas e podes cantar para alegrar o rei e as crianças que sempre vão brincar perto dele. O teu rosto já enrugado ainda possui o sorriso de menina. É uma conseqüência do feitiço. A velhice vem em forma diferente quando se é viva e não se vive. Ainda conservas o teu jeito de menina. Estás muito ferida. Machucaram tanto a tua alma, que Netuno, o próprio rei dos sete mares quer te dar a mão. No reino dele todos vivem nus e, no entanto, a malícia não os ofende. Os amores não estão na nudez, estão no coração. O coração é que vê a beleza da nudez. Os bruxos não gostam desses conceitos. Os bruxos colocam sexo e conveniência em primeiro lugar. Aqui nesta cidade, os seres procriam sob a tutela dos interesses e conceitos de vida do grande bruxo Antártidus, o que causa males de saúde a boa parte da população, que não sabe o que é bom e aprazível.
     Luamar se sentiu agradecida. Se pudesse, sairia naquele mesmo instante daquele lugar horrível. A fada pediu que esperasse, ela temia mais alguns feitiços que a matassem antes que o rei dos mares pudesse colocá-la a salvo.
     A tristeza, essa inimiga que vem à surdina das noites, veio e quis se apoderar da nossa heroína. Pensou no amor para passar esse tempo de espera. Amara alguém até que os fios de cabelo branco surgissem? Nesse instante, Céu de Lua apareceu nos seus pensamentos. Pensava em voz alta:
     _Se existiu o amor, se estava enfeitiçada e percebi um sentimento diferente, esse alguém era Céu de Lua.
     Céu de Lua estava distante naquele momento. Anos se passaram sem que tivessem se encontrado novamente. Os bruxos ainda não queriam esse tipo de coisas na cidade.
     Luamar saudosa bradou aos ventos da tarde:
     _Vento que sopra aqui e também sopra lá, se Céu de Lua você encontrar, diga que eu quero me encontrar com ele, diga que Netuno me enviou um convite para com ele morar e ao mar cantar as mais lindas canções.
      Na cidade bruxa, o vento é mágico e levou o recado para Céu de Lua.
     O guerreiro estava um pouco abatido, mas não morto. Lembrou-se de Luamar com cabelos compridos, de antes do feitiço. No tempo em que Luamar viera à cidade, o menino-moço sabia como era a cidade e ficava esperando os novos habitantes chegarem. Era a oportunidade que tinha para desejar um mundo sem mágicas. Respondeu ao vento:
     _Senhor vento, diga a Luamar que me espere, que não se vá ao reino dos sete mares antes de me encontrar.
     O vento trouxe o recado de volta e Luamar esperou a volta do guerreiro.
     Numa tarde qualquer, depois do consentimento da fada-madrinha, que disse que Netuno a aguardaria com a calmaria das marés, que não tivesse pressa de chegar porque o caminho de chegar é o mesmo de voltar, eis que bate à sua porta Céu de Lua.
     Ele chegou diferente, quase ausente de si, cansado das selvas onde morava.
     Ela o tratou com medo de algum novo truque de algum bruxo, que a obrigasse a continuar na cidade. A estupidez é uma boa maneira de disfarçar o medo. Foi estúpida.
     A conversa continuou de onde tinha parado lá atrás, no tempo do adeus. Ambos se lembraram das palavras ditas e das não ditas, das mágoas e ressentimentos que só quem já esteve enfeitiçado sabe do que se trata.
     Então veio uma noite de lua cheia, daquelas em que os feitiços podem ser desfeitos. De repente, os cabelos de Luamar ficaram compridos e ondulados e caíram sobre os seus ombros, os cabelos de Céu de Lua ficaram curtos e um ar austero surgiu no seu rosto. Viram-se as rugas surgirem, ficaram ambos de almas nuas, como Luamar queria um dia parecer aos olhos de Céu de Lua.
     _Luamar, que momento é esse que se nos apresenta, no qual estamos despojados de todo o orgulho, de toda a vaidade, que estamos submissos a nós mesmos, perguntou Céu de Lua.
     _Não sei, respondeu Luamar. A confusão toma conta dos meus olhos e do meu destino. Temo o grande bruxo, gosto de estar contigo, tenho o domínio dos sons que me dão e recebo um convite de Netuno.
      Meio desajeitados, caminharam em silêncio. Ambos não sabiam exatamente o que fazer e Céu de Lua mostrava ciúmes de Netuno. Ele vivera na selva todos esses anos e ela vivera nos sons que a deixavam tão leve que pudera sonhar com fadas e permitiram que a fada-madrinha de Netuno a encontrasse.
     Os bruxos da cidade, que tinham a bola de cristal que tudo contava, de tudo souberam. Se revoltaram e mandaram outros feitiços emergenciais especialmente envenenados para conter a situação. Céu de Lua e Luamar sentiram os feitiços e sofreram de novo.
     O rei Netuno soube dos feitiços e manteve o mar de águas tranqüilas para esperar que Luamar estivesse pronta para sair definitivamente da cidade terrível.
     Muitos são os finais possíveis dessa história, quando o poder dos bruxos interfere na vida íntima dos cidadãos, não se pode prever o final.
     Seja como for o final dessa história, conta-se que avistaram Luamar e Céu de Lua desfilando em praça pública e por um momento desafiaram o destino traçado cruelmente pelo grande bruxo. Ele com os cabelos curtos e ar severo. Ela com os cabelos soltos ao tempo. 
     O final preferido da narradora é esse aqui:
     Céu da Lua e Luamar deixaram a cidade dos bruxos, e Netuno os acolheu. Ela canta na beira da praia lindas canções de fazer as crianças sonharem e ele coordena a entrada e saída dos mares. Os bruxos continuaram do jeito que eram, mas, perderam essa parada. A cidade é deles e quem entra lá, algum feitiço sofre, ou, entra para a escola de bruxarias e se torna cidadão honorário. E quem passa um tempo enfeitiçado passa um mal danado para desfazer a bruxaria.