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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

sábado, 15 de março de 2014

Dione

Dione

Dione era moça recepcionista quando o seu porte e beleza chamaram a atenção dos publicitários. Fotogênica, um poço mais de um metro e setenta de altura, magra, olhos verde-azulados e distintos nas maneiras do modo que uma recepcionista deve ser.

Dione contava os seus vinte e poucos anos quando se viu presença obrigatória nas festas. A moça não bebia e era disciplinada para manter-se bela.

As pressões do mercado da beleza eram intensas e ela desenvolveu um jeito diferente de se sentir bem sem precisar de psicanalistas para contar das suas necessidades emocionais: ela as contava a todos.

Enquanto as outras moças bonitas se preservavam da curiosidade alheia, ela não. Uma noite, durante uma festa, alguém que a conhecia perguntou se ela não se importava em ser desmedida na sinceridade.

O som estava alto e ela, mantendo a postura dentro do vestido branco que fora enviado pela agência, ela contava de si como se ninguém a ouvisse. Ela tinha razão, ninguém a ouvia. Era preciso generosidade para ouvir os sentimentos da moça bonita e bem vestida que era paparicada pela agência de propaganda.

À mesa, onde ela estava sentada alguém perguntou o motivo de a vestirem de branco quando ela era loura, de olhos claros e um vestido escuro lhe cairia bem.

_Estou vestida de branco propositadamente, para ficar invisível ao desfilar pelos corredores, o contrato exige que eu saia pelos corredores de hora em hora, mostrando-me feliz em conhecer a gente fina que está por aqui.

Ela conversava sinceramente, mas não percebeu que a outra moça, a que estava de vestido florido, mas em tons de azul celeste, ouvia atentamente.

Alguém ao lado dela perguntou se ela iria dançar com alguém.

_Dançar? Depois daquela festa em que a agência me deu vestido de onça? Não posso. Estou aqui como enfeite, nada que um vaso bonito à porta do salão de festas não fizesse por mim. Eles não se importam se eu me divirto ou não. É trabalho e eu cumpro o contrato.

Aqueles olhos de gata estavam contando que ela não se divertia.

Boba, Dione não era. Num dado momento percebeu a moça de vestido azul claro, como se não estivesse fazendo o que fazia: observando-a.

Ela, de certa forma contente, por se ver fora da decoração do ambiente, disse sinceramente e para que a outra a ouvisse:

_Pelo visto tem mais gente que vem a festa para fazer papel de enfeite. Para moça bonita não faltam convites para festa. Falta a diversão. A gente vem e ninguém chega perto da gente. Todos cuidam para que o enfeite seja preservado. É uma situação difícil para todas nós. O meu contrato cobra muito e paga muito, mas não sou diferente das outras que estão aqui e que circulam pelos corredores sem se divertir. E nelas não vão se divertir, mesmo sem agência ou contrato, todos os enfeites decorativos são mantidos como tal.

Dione não se ligava para o que dizia, ela dizia como se fosse uma compensação daquele estilo de vida que mantinha o seu sustento.

Algumas pessoas que estavam na festa diziam ironias ao vê-la passar. Mas Dione falava compulsivamente sobre os sentimentos dela e facilitava as ironias que vinham a seguir.

Era costume que as moças circulassem pelos corredores, algumas com as amigas, outras com algum familiar, outras ainda, noivas ou casadas.

A moça de azul claro florido também circulava, e os caminhos se cruzaram algumas vezes, não por vontade delas, era o caminho e a praxe da festa.

Num determinado momento, Dione viu a moça de azul, olhou para a sua agente publicitária e perguntou se ela sabia quem era aquela moça e a agente disse que não.

Dione disse que tinha a estranha sensação de conhecê-la, mas tudo não passava de uma impressão, sentia-se sozinha, muito sozinha.

 

Nota da autora: De brinde, um som para vocês:

 

2 comentários:

Jossara Bes disse...

Oi Yayá!
A bela moça, comparada a um objeto qualquer de decoração, descreve perfeitamente o vazio aparente (ou não)de grande numero de pessoas, principalmente mulheres!
Tenha um feliz fim de semana!
Beijos!

XicoAlmeida disse...

Boa tarde, Yayá.
Profunda prosa a cujo conteúdo tantas vezes nos alheámos, por medo.
Modo simples, mas tão rico em descrever sentimentos comuns, diferindo apenas na vestimenta exterior: do branco ao azul...
Um abraço.