Planeta Livre-Arbítrio
A história se passa em 2026, após algumas pessoas comprarem a passagem de ida para Marte a fim de colonizar aquele planeta.
Joseane, que era mais cautelosa, comprou as passagens de ida e volta para o planeta Livre-Arbítrio.
O disco voador era confortável e ela estava convicta de que voltaria ao planeta Terra novamente, não tinha motivos para se preocupar.
Chegando ao planeta, foi recepcionada com cortesia, mas teve que preencher a ficha de entrada.
Preenchida a ficha de entrada, foram explicadas as regulamentações do planeta e a estrutura disponível para a visita agradável.
_Estamos satisfeitos com a sua visita, senhorita Joseane. Se a senhorita chegou até aqui é porque disse a maioria dos sim e nãos necessários, por aqui a palavra talvez não tenha significado. Precisamos fazer uma pergunta antes de podermos assegurar uma visita adequada. A questão é: A senhorita come dobradinha?
Joseane disse que não. A resposta foi rápida e positiva.
O atendente gostou da resposta, mas disse:
_Senhita Joseane, ao dizer a palavra não, a senhora está dizendo que não come dobradinha mesmo com o nome de buchada, diz também que não come dobradinha mesmo que seja uma fatia de dobradinha embutida em um quilo de feijão branco e meio quilo de linguiça calabresa, também não come dobradinha enlatada. Ao dizer que não come dobradinha a senhorita está dizendo que prefere comer um pacote de pão de forma ao invés de dobradinha. A senhorita confirma a sua resposta?
Joseane confirmou a resposta.
_Esse é o planeta Livre-Arbítrio. Conforme o próprio nome diz, cada pessoa toma as suas decisões, sempre pautadas em sim e não, nunca talvez e, isso significa uma série de regulamentos e contratos conforme os que a senhora assinará na sala ao lado. Concorda em assinar que não come dobradinha?
Joseane concordou.
Joseane, porém, raciocinava e não assinava nada sem ler o que assinava e o papel estava escrito em linguagem terráquea, em letras claras e objetivas; sem letras miúdas ou qualquer margem para outra interpretação que não fosse aquela do objeto do contrato. Estava tudo certo e ela assinou.
Após assinar o documento, recebeu novas orientações e especificações sobre o planeta, conforme se segue:
_Senhorita Joseane, aqui está uma lista com os nomes dos fabricantes de dobradinhas, os comerciantes dos enlatados de dobradinhas e também, a dos consumidores de dobradinhas. No nosso planeta estamos organizados para que todas as decisões de livre-arbítrio estejam organizadas de modo a não gerarem conflitos, mas lucro aos interessados. Não seja simpática com toda essa gente envolvida com dobradinha, pois o comércio existe para o lucro e, possivelmente, se houver insistência, esse será um relacionamento desgastante para ambas as partes, o que não convém ao nosso planeta. Não temos relacionamentos desgastantes, aliás, essa confusão de relacionamentos e amizades é coisa para terráqueos, não para nós.
Joseane até mesmo sorriu da ideia, por que motivo ela iria se relacionar com aquela gente, mas foi corrigida imediatamente pelo atendente:
_A senhorita não pode dizer talvez para eles e nem para ninguém, o nosso planeta entende o talvez como sim. São as regras da boa convivência do planeta. O não é aceito com distinção porque é parte do livre-arbítrio, mas o talvez seja interpretado como falta de caráter de quem titubeia em dizer sim.
Joseane entendeu a seriedade do assunto. Diria não toda vez que se falasse em dobradinha, não importando o modo como fosse feita a pergunta. No entanto, pediu para que o atendente falasse a respeito sobre os produtores e fabricantes de dobradinha.
O atendente foi solícito com a visitante do planeta terráqueo e respondeu:
_Somos o planeta das decisões. Todas as decisões são respeitadas. Mas o que são decisões? Agora estamos no mundo dos conceitos e por aqui os conceitos que valem vem da lógica e nada mais. Não temos filosofias outras, as emoções são passadas para trás constantemente.
Joseane perguntou como é que ela havia chegado naquele lugar tendo levado até agora uma vida repleta de ideias e emoções.
O atendente percebeu a perspicácia da pergunta, mas a resposta estava na ponta da língua:
_A senhorita chegou até aqui porque foi educada a dizer sim e não, sem muitos questionamentos ou teorias sobre os fatos. Não fosse essa educação simples e sem malícia a senhora jamais teria chegado até aqui. A senhorita não imagina a quantidade de terráqueos que usam artifícios para não responderem nem sim e nem não e querem vir para cá. Não chegam nem a comprar a passagem de vinda.
Joseane contou da coincidência de ter ido parar ali. Depois que algumas pessoas se mudaram para Marte, as empresas espaciais começaram a vender passagens espaciais a esse planeta que pouca gente visita e, ela, ao ver o anúncio e saber que voltaria comprou num dia em que estava aborrecida por algum motivo sem importância, o que no caso dela significa uma moeda entalada na máquina de lavar roupas causando o travamento da máquina e a impedindo de lavar a roupa necessária, obrigando-a a lavar a roupa no tanque e lascando as suas unhas pintadas. Foi nesse momento de tirar a moeda entalada da máquina que ela pensou que se a máquina de lavar roupas funcionasse bem após ela ter pinçado a moeda, ela gastaria a moeda naquela passagem.
Agora foi a vez de o atendente sorrir para ela e dizer:
_Estou certo, houve uma condição e a sua resposta foi sim. A sua vida é feita nessas duas palavras: o sim e o não. Quem foi que disse que para ser uma pessoa decidida é preciso exercitar-se em questões complexas? Não deixa de ser engraçada a sua história, porque muitos chegam aqui por outros meios. Deixe-me dizer que alguns chegam aqui e ao se apresentarem não apresentam a sua identidade, ao contrário, chegam aqui e dizem o que comem em primeiro lugar. Alguns chegam mesmo a trazer o rótulo da embalagem do seu produto preferido. Saiba que são atendidos da mesma forma e com a mesma atenção. Não distinguimos o livre-arbítrio de ninguém, também não julgamos. Compraram a passagem e chegaram aqui através das duas palavras que nos importam. Fornecemos os contratos e os regramentos, também perguntamos a eles sobre o alimento que eles não comem de jeito nenhum.
O passeio começou e Joseane aproveitou os seus dias com toda a lógica que possuía.
Chegou cansada à Terra, precisava de ideações e sentimentos e foi ao lanche na lanchonete da esquina.
5 comentários:
Gostei desta viagem ao futuro que apesar de tudo nos transporta também ao presente!
Bjs
Maria
Bem... viajei com sua história, mas decidi a dar um "Não" e voltar rapidinho à Terra. Aliás, como é importante sabermos dosar o nosso "Sim" e o "Não" - fonte do nosso livre arbítrio, mesmo!
Abraço.
Bom dia
Um sim dito com a força da verdade aceitando as consequências e respeitando sempre o que foi decidido com o Sim.
Não precisamos de ir a Marte.
Precisamos de nos consciencializar da importância das nossas decisões e saber dizer sempre as palavras certas.
Uma viagem que nos faz pensar.
Boa essa viagem e vontade de ficar nesse planeta...beijos,linda semana!chica
mais uma boa viagem imaginária e reflexiva!
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