Rio de Janeiro

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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Era uma vez...talvez.

                                   Era Uma Vez... Talvez.

     Era  uma vez uma linda mocinha de treze anos, com cabelos castanhos cacheados que caíam sobre os seus ombros, que andava pela praia horas e horas e se sentia livre para sonhar o que quisesse. Com a pouca idade e a inexperiência que tinha, só tinha uma certeza, a de que amava o mar. A natureza a favoreceu, mas ela se achava baixinha com 1.64 metros de altura. Tudo era novidade e celebração naqueles tempos.
     Acontece que a sua família teve que se mudar para a cidade e deixar a praia. Os pais dela não conheciam as bruxas e os bruxos que habitavam na Cidade do Grande Bruxo. A linda menina foi enfeitiçada por um dos bruxos logo que a família adentrou a cidade.
     O bruxo Salim Malim jogou o seguinte feitiço:
     _Pelas barbas de Netuno, o rei dos mares, em três números que eu diga, consagrarei a jovem ao poder da música, mas como escrava. Jamais Luamar terá o seu próprio destino sem a minha permissão. Luamar será condenada a viver dividida entre o som e o mar. Luamar não terá amores. 1,2,3, o feitiço está feito nesta noite de lua cheia, que o fogo das paixões incendeia e somente numa noite de luar, de brisa suave e encanto e magia poderá ser desfeito.
     A mocinha não entendeu quando a cidade voltou-se contra os seus cabelos e ordenou a todas as encarregadas dos cortes de cabelos que os deixassem curtos como os de um homem.
     Luamar era pura e selvagem, pedra rara sem lapidação, dizia que não se importava, que não era vaidosa. Ah, mas bem no íntimo se sentia estranha e feia, era a única mocinha que ao invés de brincar com as madeixas, se queixava delas, eram uma dor que sentia ao acordar e ao se arrumar para sair. Não tinha a jovem noção do que começava a se passar nos seus dias.
     Na escola, todas as escolas pertenciam aos bruxos cultos da cidade, a obrigavam a ficar junto com os elementos considerados perdidos. Os escravos e os maus elementos se pertenciam mutuamente, essa era a doutrina da cidade.
     Não só os bruxos têm poderes, a natureza também age sobre os mocinhos e as mocinhas. Na escola, Luamar viu um dos maus elementos e reparou que ele tinha cabelos compridos. O garoto era bonito e quando a viu, sorriu. O nome dele era Céu de Lua e tinha 17 anos. Nessa idade que os jovens tinham só os bruxos não sabiam que eles iriam conversar. Ela descobriu que ele também era enfeitiçado e perguntou sobre o feitiço que fizeram a ele. Céu de Lua então respondeu:
     _ Sou escravo também, não posso amar ninguém, meu dinheiro não é meu, sempre que ele chega em minhas mãos, os bruxos ordenam que me causem despesas até que eu nada tenha. Além disso, me obrigam a usar este cabelo de menina para que a cidade possa me considerar um rapaz perdido, o que não é verdade, Luamar. É assim que os bruxos desejam e eles mandam.
     A moça ficou mais triste do que já era. Surgiu um afeto sincero entre essas duas crianças desconhecedoras do amor. Afeto que devia ser escondido no bairro dos amores proibidos, embora a bola de cristal tudo desvendasse e aos bruxos interessados revelasse.
     A cidade estava cega de tantos feitiços. A cidade pensava que a menina tinha o que merecia. Que males teria a família da menina cometido, para que a menina fosse condenada com tal violência? As pessoas consideradas boas para o reino dos bruxos espalhavam boatos e mais boatos sobre a história de Luamar.
     Com o Céu de Lua os fatos não eram muito diferentes. As mocinhas, filhas dos bruxos mais poderosos da cidade, o consideravam bonito e sabiam o poder que bruxinhas novas e bonitas exerciam sobre um mocinho escravo. Sem amor, o jovem se deixava levar numa vida com luxo e tristeza. 
     Luamar era dedicada e educada para com todas as pessoas e alguma voz interior dizia que as coisas boas não eram para ela. A consciência aos poucos ia clareando os acontecimentos e ela jurava se livrar do feitiço um dia.
     Céu de Lua queria e acreditava no amor e se transformou em um bravo guerreiro com cabelos de menina.
     Eram jovens bonitos, apesar do feitiço.
     Um novo feitiço caiu sobre eles, sem que eles dessem a devida importância ao acontecimento. Uma emoção, um sentimento vago, doce, delicado, uma ternura infinda surgia no coração de um pelo outro e vice-versa. Estavam todos os dias juntos e se preocupavam um com o feitiço do outro. De repente, o feitiço que se abatia sobre o outro era mais doloroso que o próprio. Talvez fosse uma maneira de amenizar a raiva que o enfeitiçado sente dos bruxos e da bruxaria.
     Os bruxos tudo descobriram e ficaram furiosos.
     _Afastaremos esses dois. Preservaremos a doutrina e o regulamento para os cidadãos. Quem mais além de nós, que conhecemos e entendemos o comportamento da sociedade, podem sugerir  novas e idiotas regras. Sabemos que homens e mulheres quando escolhem os seus parceiros são um desastre para si e para os seus concidadãos. Continuemos escolhendo os casais adequados e pertinentes.
     Assim foi feito. O bruxo Antártidus, o dono da cidade assim decidiu e assim foi feito. A segunda opção seria levar os jovens ao desespero, mas ainda não era tempo para tanto romantismo.
     Luamar cresceu, se viu adulta e não viu o seu futuro.
     Céu de Lua viu o seu futuro sem amor, o que lhe causava ódio até de si mesmo.
     À medida que o tempo passava, os temíveis, duros, frios e matemáticos bruxos, cuidaram que a moça adulta conhecesse o som, de tal maneira que ela se enredasse nas infinitas combinações possíveis e não tivesse tempo para  fazer bom uso do prazer que o som traz.
     Quanta tolice na cabeça desses maus senhores.  O som deu o prazer dos céus para Luamar.
     Ao moço foram dados todos os prazeres de homem, mas ele se sentia roubado.
     Os pequenos prazeres da vida, uma flor nova que nasce a cada dia, deles dois foram roubados todos. O tempo passou, passou e passou. Apareceram alguns fios de cabelo branco nas têmporas de Céu de Lua e de Luamar. O feitiço parecia impossível de ser retirado. Por mais que a moça lutasse, ela se sabia enfeitiçada. Quanto mais o moço lutasse, mais os bruxos queriam que ele tivesse prazeres e o mal que causavam a este jovem era insano. Mesmo com todos os feitiços, Céu de Lua lutava para manter-se consciente e seguir como guerreiro da luz porque o romantismo dele era insuperável.
     Luamar cuidava de estar sempre ocupada com tarefas intermináveis. Evitava pensar no passado sem futuro que teve, isso era máquina de endoidar santo e a moça amava o som e o mar e não queria a loucura.
     Eis que um dia passa uma fada cheia de marolas e rendas e bate à porta da casa de Luamar.
     _ Querida Luamar, envelhecerás e serás escrava. O teu lugar não é aqui. A mando de Netuno te ofereço a liberdade. O grande rei sabe que usaram o seu nome para a prática de bruxarias e se enfureceu. Netuno possui harpas e podes cantar para alegrar o rei e as crianças que sempre vão brincar perto dele. O teu rosto já enrugado ainda possui o sorriso de menina. É uma conseqüência do feitiço. A velhice vem em forma diferente quando se é viva e não se vive. Ainda conservas o teu jeito de menina. Estás muito ferida. Machucaram tanto a tua alma, que Netuno, o próprio rei dos sete mares quer te dar a mão. No reino dele todos vivem nus e, no entanto, a malícia não os ofende. Os amores não estão na nudez, estão no coração. O coração é que vê a beleza da nudez. Os bruxos não gostam desses conceitos. Os bruxos colocam sexo e conveniência em primeiro lugar. Aqui nesta cidade, os seres procriam sob a tutela dos interesses e conceitos de vida do grande bruxo Antártidus, o que causa males de saúde a boa parte da população, que não sabe o que é bom e aprazível.
     Luamar se sentiu agradecida. Se pudesse, sairia naquele mesmo instante daquele lugar horrível. A fada pediu que esperasse, ela temia mais alguns feitiços que a matassem antes que o rei dos mares pudesse colocá-la a salvo.
     A tristeza, essa inimiga que vem à surdina das noites, veio e quis se apoderar da nossa heroína. Pensou no amor para passar esse tempo de espera. Amara alguém até que os fios de cabelo branco surgissem? Nesse instante, Céu de Lua apareceu nos seus pensamentos. Pensava em voz alta:
     _Se existiu o amor, se estava enfeitiçada e percebi um sentimento diferente, esse alguém era Céu de Lua.
     Céu de Lua estava distante naquele momento. Anos se passaram sem que tivessem se encontrado novamente. Os bruxos ainda não queriam esse tipo de coisas na cidade.
     Luamar saudosa bradou aos ventos da tarde:
     _Vento que sopra aqui e também sopra lá, se Céu de Lua você encontrar, diga que eu quero me encontrar com ele, diga que Netuno me enviou um convite para com ele morar e ao mar cantar as mais lindas canções.
      Na cidade bruxa, o vento é mágico e levou o recado para Céu de Lua.
     O guerreiro estava um pouco abatido, mas não morto. Lembrou-se de Luamar com cabelos compridos, de antes do feitiço. No tempo em que Luamar viera à cidade, o menino-moço sabia como era a cidade e ficava esperando os novos habitantes chegarem. Era a oportunidade que tinha para desejar um mundo sem mágicas. Respondeu ao vento:
     _Senhor vento, diga a Luamar que me espere, que não se vá ao reino dos sete mares antes de me encontrar.
     O vento trouxe o recado de volta e Luamar esperou a volta do guerreiro.
     Numa tarde qualquer, depois do consentimento da fada-madrinha, que disse que Netuno a aguardaria com a calmaria das marés, que não tivesse pressa de chegar porque o caminho de chegar é o mesmo de voltar, eis que bate à sua porta Céu de Lua.
     Ele chegou diferente, quase ausente de si, cansado das selvas onde morava.
     Ela o tratou com medo de algum novo truque de algum bruxo, que a obrigasse a continuar na cidade. A estupidez é uma boa maneira de disfarçar o medo. Foi estúpida.
     A conversa continuou de onde tinha parado lá atrás, no tempo do adeus. Ambos se lembraram das palavras ditas e das não ditas, das mágoas e ressentimentos que só quem já esteve enfeitiçado sabe do que se trata.
     Então veio uma noite de lua cheia, daquelas em que os feitiços podem ser desfeitos. De repente, os cabelos de Luamar ficaram compridos e ondulados e caíram sobre os seus ombros, os cabelos de Céu de Lua ficaram curtos e um ar austero surgiu no seu rosto. Viram-se as rugas surgirem, ficaram ambos de almas nuas, como Luamar queria um dia parecer aos olhos de Céu de Lua.
     _Luamar, que momento é esse que se nos apresenta, no qual estamos despojados de todo o orgulho, de toda a vaidade, que estamos submissos a nós mesmos, perguntou Céu de Lua.
     _Não sei, respondeu Luamar. A confusão toma conta dos meus olhos e do meu destino. Temo o grande bruxo, gosto de estar contigo, tenho o domínio dos sons que me dão e recebo um convite de Netuno.
      Meio desajeitados, caminharam em silêncio. Ambos não sabiam exatamente o que fazer e Céu de Lua mostrava ciúmes de Netuno. Ele vivera na selva todos esses anos e ela vivera nos sons que a deixavam tão leve que pudera sonhar com fadas e permitiram que a fada-madrinha de Netuno a encontrasse.
     Os bruxos da cidade, que tinham a bola de cristal que tudo contava, de tudo souberam. Se revoltaram e mandaram outros feitiços emergenciais especialmente envenenados para conter a situação. Céu de Lua e Luamar sentiram os feitiços e sofreram de novo.
     O rei Netuno soube dos feitiços e manteve o mar de águas tranqüilas para esperar que Luamar estivesse pronta para sair definitivamente da cidade terrível.
     Muitos são os finais possíveis dessa história, quando o poder dos bruxos interfere na vida íntima dos cidadãos, não se pode prever o final.
     Seja como for o final dessa história, conta-se que avistaram Luamar e Céu de Lua desfilando em praça pública e por um momento desafiaram o destino traçado cruelmente pelo grande bruxo. Ele com os cabelos curtos e ar severo. Ela com os cabelos soltos ao tempo. 
     O final preferido da narradora é esse aqui:
     Céu da Lua e Luamar deixaram a cidade dos bruxos, e Netuno os acolheu. Ela canta na beira da praia lindas canções de fazer as crianças sonharem e ele coordena a entrada e saída dos mares. Os bruxos continuaram do jeito que eram, mas, perderam essa parada. A cidade é deles e quem entra lá, algum feitiço sofre, ou, entra para a escola de bruxarias e se torna cidadão honorário. E quem passa um tempo enfeitiçado passa um mal danado para desfazer a bruxaria.


    
    

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