Clara Infância
Clara tinha medo do escuro. Um dia reclamou dos seus pais saírem e voltarem quando já tinha anoitecido.
Clara fez algo muito feio. Reclamou dos seus pais perto dos vizinhos.
O vizinho, que era pai da amiga da Clara, olhou para ela e disse que trabalhava no escuro.
_O senhor trabalha no escuro? Que perigo!
O vizinho olhou para o pai de Clara e sorriu, dirigindo-se à menina.
_Quando você vai ao cinema a luz fica acesa?
Clara disse que não.
_Por que é que a luz fica apagada?
Clara disse que era para poder assistir ao filme.
_Você tem medo de ir ao cinema?
Clara disse que não. Além do mais tinha pipoca e balas na frente do cinema.
O vizinho olhou para o pai da Clara e para ela e sorrindo contou do seu ofício.
_Eu chego por volta da uma da tarde ao cinema. Separo os rolos de filme pela ordem e as caixas onde serão guardados, também em ordem durante a exibição. A única luz que tenho é a luz do projetor direcionada para a tela. Entre a sessão das duas da tarde e a sessão das quatro da tarde eu mal tenho um tempo para tomar água. Separo a fita do jornal e a fita com os trailers dos filmes que serão exibidos depois que o filme sair de cartaz.
O pai de Clara perguntou se ele era cinegrafista.
_Não. Sou o responsável pela exibição, por enquanto. Eu sonho um dia ter um cinema, mas é sonho. Enquanto o público assiste ao filme eu observo as expressões fisionômicas. De certa maneira, eu sou também responsável pela diversão do público. O filme não pode descontinuar e, quando um rolo está no final, eu deixo no ponto o rolo seguinte. Ninguém percebe quando acaba um rolo ou começa outro.
O pai de Clara perguntou se nunca teve problema, pois quando era guri havia algazarra quando o filme era interrompido por minutos.
_Esse é o problema. Se a fita enrosca na máquina, o filme trava. Aí tenho que mandar acender as luzes e pedir ao público que aguarde porque o filme enroscou.
O pai de Clara, curioso como ele era, perguntou se valia a pena trabalhar no cinema.
_Sinceramente, eu ganho pouco. Sessão lotada é para o fim de semana. Eu preciso me virar nas horas de folga para sustentar a família. Mas, eu me sinto realizado trabalhando naquele lugar, uma sala pequena e escura com um projetor e várias caixas com rolo de filmes.
O vizinho, vendo que Calar estava com o olhar fixo para o que ele dizia, aproveitou a deixa e perguntou se ela ainda ficaria com medo de escuro.
Clara disse que não.
O vizinho foi para a casa dele e Clara e o pai foram para a casa deles.
_Mamãe. Hoje eu vou dormir com a luz apagada, mas eu posso te chamar se precisar?
O pai de Clara disse que haviam voltado do cinema ao que a mãe retrucou dizendo que ele não gostava de ir ao cinema e fazia tempo.
O pai da Clara disse que daquele filme que acabara de assistir ele havia gostado. E piscou.
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