Cadê Ana Tereza?
Batem à porta. É o juiz da comarca junto com o promotor de justiça, acompanhados do cartorário que chegam ao povoado do distrito.
Atende a porta uma mulher elegante, mas d’uma elegância diferenciada, com gestos diferentes daqueles da região.
_Por gentileza, a dona Ana Tereza se encontra?
A mulher, pausadamente, responde:
_Ana Tereza sou eu. O que desejam, prezados senhores?
_Exatamente conforme nos descreveram, disse o promotor ao juiz. O cartorário controla as lágrimas.
_Entrem, por favor, vamos conversar, disse Ana Tereza.
Eles, o promotor, o juiz e o cartorário, entram e aceitam o convite para sentarem-se ao sofá.
O promotor, costumeiramente eloquente, pergunta como foi que os fatos se deram.
Ana Tereza sorri, como que aliviada por se importarem com o assunto.
_Não tive oportunidade sequer de pensar, foi questão de sobreviver. Como uma lebre que foge em dia de caça, fugi. Não havia enfrentamento possível. Eram muitos e ferozes.
O juiz interveio, dizendo que se foi assim, ela estava bem.
O cartorário advertiu que estava bem, mas que não restava sombra do que ela havia sido anteriormente. Ele a conhecia há muitos anos e, agora, nem mesmo os gestos eram semelhantes aos de outrora.
_Senhor cartorário, como disse a pouco, não houve tempo para pensar. Houve gente que chorou a minha morte no momento em que percebeu a situação, não quero dizer quem, pois bem sabe o senhor com quem tenho convivência. Quando choraram a minha morte e eu me percebi viva, fato que a minha artrose lembra diariamente, o meu instinto aguçou-se e, me salvou.
O juiz a felicitou enquanto que o promotor cochichou ao cartorário que havia um problema.
Ana Tereza observa o promotor e o cartorário e olha para o juiz, surpresa:
_Senhores, eu estou bem. Refiz-me quase que por inteiro, até mesmo sinto-me renovada; não há por que se preocuparem.
O juiz pede ao promotor que se cale por alguns momentos, e diz que ele mesmo contará da situação.
Ana Tereza observa com curiosidade a situação enquanto que o cartorário se comove.
O juiz, com o tom de voz calmo, paciente e, também de olhar benevolente dirige-se à Ana Tereza.
_Dona Ana Tereza, eu compreendo que a senhora se saiu bem e folgo em saber do seu bem estar. No entanto, nós temos um problema legal. As situações de risco devem ser noticiadas à justiça e não houve notificação de parte nenhuma. As polícias civil, militar e judiciária não foram notificadas da situação de risco. Houve a ilegalidade.
Ana Tereza se preocupou com a direção da conversa e disse que estava à disposição deles para qualquer esclarecimento.
O promotor riu-se de tal desconhecimento da legislação por parte de Ana Tereza.
O juiz também esboçou um sorriso, mais discreto, quase disfarçado.
O cartorário olhou para Ana Tereza com bem querer e disse:
_Antes não fosse necessário estarmos aqui.
Ana Tereza, polidamente, pediu a eles que explicassem a ela a situação, porque era de fato leiga e precisava entender o que se passava.
O juiz disse:
_A senhora, agora, está sob a proteção da justiça.
O promotor complementou:
_A situação de risco não notificada às autoridades precisa de esclarecimentos. A justiça tomou conhecimento tardiamente, fato que fica fora dos padrões do sistema e não podemos fingir que ninguém soube de nada, sabemos que não é verdade. Temos as nossas obrigações a cumprir, mas a senhora esteja tranquila, viemos aqui para informá-la da situação.
O cartorário, com a postura de amigo, a abraçou e a felicitou por se encontrar bem.
O promotor levanta-se e diz:
_Não se preocupe mais senhora. Com ou sem o nome de Ana Tereza, haverá a prossecução necessária.
O juiz acrescentou, ao se despedir:
_Aprecio o seu comportamento senhora.
Ana Tereza agradeceu a visita, não sabe o que dizer diante de tal consideração e respeito.
Seguem pelas ruas os homens, quando o juiz e o promotor reparam a emoção do cartorário.
O promotor pergunta ao cartorário o motivo de tal comoção, visto que está tudo conforme precisa estar e, afinal, Ana Tereza não terá nenhum prejuízo ou desgosto, chega a indicar que o cartorário se excede na emoção.
O cartorário não mais se contém e chora a morte de Terezinha:
_Vocês sabem quem, ou, como, era a Terezinha? Sabem da diferença entre a amiga Terezinha e a amiga Ana Tereza? A situação não tem volta, ela é outra!
O juiz responde que tudo será esclarecido e o promotor ergue a cabeça, resoluto.
Ninguém disse mais nada.
4 comentários:
deixo beijos de bom Sábado...
Com todo esse aparato legal... jamais eu esperava um "The end" assim! Sensacional!
Abraço.
Pelo visto, os ferozes operaram uma mudança radical na Terezinha.
Beijos e um ótimo final de semana para ti e para os teus.
Furtado.
Que historia! Fiquei sem saber o que realmente aconteceu com D. Ana Tereza! Fisicamente parece que ficou bem - tirando a artrose - mas por dentro não é mais a mesma mulher. Acontece a muitas, diga-se!
Bom fim de semana.
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