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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

sábado, 30 de março de 2019

Colando e Descolando Partituras / Crônica do Cotidiano


Colando e Descolando Partituras / Crônica do Cotidiano

     Estava com papel e fita adesiva para papel, observando a impressão e, sorri lembrando que era papel e não tecido.
     Algumas mulheres, nos tempos antigos, com famílias grandes, ou por vontade, costuravam para si mesmas.
     No entanto, o que pouca gente lembra, é de uma gíria entre as donas de casa. Sim, donas de casa, porque as costureiras profissionais tinham outros problemas, que agora não vem ao texto.
     A conversa se desenrolava, e educadas que eram, nenhuma falava de si para outra ou de nenhuma outra para outra. A cidade era menor.
     Para dizer de um problema sério sem dizer do que se tratava, elas diziam assim:
     _Estou com um pano, o qual preciso cortar em viés.
     A resposta inevitavelmente era a mesma:
     _Xiiiiiiii, então é coisa difícil.
     Para quem não sabe, para o corte de um tecido em viés, é preciso achar o fio guia do tecido, dobrá-lo em diagonal e cortar o tecido com o molde exatamente reto por sobre a diagonal do tecido. Algo que nenhuma dona de casa se arrisca.
     Para tal feito, as costureiras da época tinham mesas grandes com mais de dois metros de comprimento.
     A partitura exige somente a impressora e a fita adesiva. Fim de semana é o mais indicado para essa atividade. É uma atividade que toma algum tempo, mas traz reflexões diversas durante esse meio tempo.
     Uma fita adesiva ficou em viés na parte de trás da folha, e de novo, o pensamento trouxe o tecido em viés.
     Felizes são as mulheres de hoje que encontram suas roupas em muitas lojas.
     Não tenho nada contra quem costura, mas entender de tecidos era uma tarefa difícil para jovens.
     Na segunda compra de tecidos é que eu aprendi que o tecido precisava ser firme ao levar uma leve puxada das mãos em sentido contrário. O tecido que esgarçava era chamado de tecido podre, ou seja, dinheiro jogado fora, e o pior foi pagar o feitio e perdê-la na primeira lavagem.
     Aconteceu certa vez de olhar um modelo numa revista, comprar o tecido, e ouvir.
     _Infelizmente não será possível fazer em conformidade ao modelo, o tecido é enviesado. A fábrica de tecidos fez o tecido próprio para modelos enviesados.
     Essa é uma boa pergunta: _Algum dos leitores sabe que existe tecido enviesado de fábrica?
     Parece tolice, mas é para que deem valor ao que existe de moderno. 
     Enquanto colo a música, penso tecido, música tecida nota por nota.
     Que termo bom esse chamado "viés".
     Terminada a colagem, começada a leitura, penso no que a humanidade já perdeu na capacidade de conversar.
     O viés era um termo versátil, usado em inúmeras situações, dificilmente usado como positivo.
     Ainda guardo comigo alguns dos seus significados: situação difícil, algo complicado de fazer, algo que é desse jeito de nascença, saída pela tangente, algo muito elaborado ou além das nossas capacidades técnicas, questão de modismo, questão de elegância, um enfado total, exibicionista, e mais uns tantos que não são mais utilizados.
     Tinha gente que o dizia  com ponto de exclamação: _Graças a Deus, sem nenhum viés.
     Alvo de crítica: _Tudo é motivo para fazer viés.
     Objetivo de saída discreta: _Sai de viés.
     A partitura é o viés da música. A linha guia da interpretação.
     Todo motivo é motivo de aprender.
     Grata pela leitura.

Um comentário:

Manuel Luis disse...

Meu tio era alfaiate, tinha uma mesa enorme, usava giz com pericia. Desenhava depois de encontrar os tais fios, uma arte que eu admirei. Faleceu com 94 anos. Recordo com saudade, as conversas de linhas, tecidos, provas, ferros a carvão...
Obrigado.
Bjs