A Hora e a Vez da Psicóloga
Há muitos anos atrás, na porta de entrada de um cinema havia um cego que pedia esmolas para comprar ingressos para que ele assistisse a um filme, do qual todos falavam que era bom.
Naquela época o politicamente correto não existia e um gaiato disse ao cego:
_Para que você quer ingresso para entrar no cinema se você não pode assistir ao filme.
Ele respondeu:
_Eu preciso de dois ingressos: o meu e o do narrador do filme que é um amigo meu. Em dupla, eu assisto ao filme igual a vocês.
O gaiato que fez a pergunta, foi até a bilheteria do cinema, comprou os dois ingressos e disse para que o cego chamasse o amigo para entrarem no cinema.
O cego não teve dúvida e gritou olhando em direção aos carros:
_João: pare de se enrolar aí na sorveteria que eu consegui os ingressos.
O João atravessou a rua, deu o braço ao cego, segurou a bengala e entrou contente ao cinema com o amigo cego.
Passam-se anos e aparece uma jovem cega e pede para passear com as amigas.
_Vamos! Eu te ajudo com a bengala e o lanche.
A jovem responde:
_Não é o que eu quero. Eu quero que você me conte tudo o que você observar em cores e detalhes.
As amigas responderam que aí não seria um passeio, seria um atendimento. Elas não se divertiriam juntas, pois uma estaria a serviço da outra.
A jovem cega questionou por que motivo ela não poderia olhar a paisagem com os olhos das amigas.
_Nós podemos te contar o que vemos, mas não estaremos à sua disposição para o que nos emocionar; as lágrimas impedem a exatidão das descrições e passaremos uma falsa imagem do que observamos.
A jovem cega disse que imaginava a partir das descrições.
_Uma fotografia e um sofá são os lugares apropriados para as descrições. Os passeios são para troca de ideias, sorrisos, queixas e lanches. O comentário de toda a festa geralmente ocorre no dia seguinte. É uma tarefa quase impossível.
A jovem cega ficou ressentida.
Uma das amigas disse:
_Amiga, nós podemos fazer excursões sensoriais e juntas conversarmos sobre as emoções não visíveis, mas tocadas. O que você acha?
A jovem não aceitou.
A não aceitação da jovem era com relação à situação dela mesma. Era complicado para as amigas proporem diversões, quando o que ela realmente queria era jamais ter ficado cega.
Agora, outra situação:
Um homem aposentado teve uma doença que o deixou cego. Dinâmico, tudo que ele pedia aos conhecidos era a carona até o centro de ensino aos cegos.
Ele aprendeu a ler em Braille, a manufaturar cestas de vime trançadas à mão, feitas em cima da mesa.
Era um homem resoluto e, perguntado por que se levantava cedo nas manhãs frias e se dirigia às aprendizagens, ele respondeu:
_Naquele lugar eu esqueço que sou cego. Eu leio, escrevo troco emails, bato papo no Messenger, trabalho e doo toda a produção das cestas de vime em prol da instituição porque não preciso de dinheiro e nem de emprego e fiz uma boa amizade com uma cega que também frequenta o lugar para me ver. Estou com alguma idade e, antes que os meus filhos e as minhas noras pensem em me colocar numa casa de repouso, eu mesmo a arranjei. Entro junto com a zeladora às sete da manhã e saio quando encerra o horário de funcionamento, às sete horas da noite. Como tudo o que peço é a carona e dentro do horário deles, eles me levam e trabalham sem preocupações comigo.
Esse também era um homem bom de papo, sentava-se quando chegavam visitas para os filhos e lanchava com todos.
Ainda brincava, dizendo a todos:
_Sou cego, mas não estou morto.
A complexidade da personalidade dessas pessoas chama a atenção, é caso para psicólogos. A pobreza do primeiro cego e a riqueza do segundo não foram fatores determinantes no comportamento deles. A jovem que queria as descrições precisava de ajuda, mas como ajudá-la?
Dessa vez fiz um texto dirigido a eles e elas, contando com a ajuda dos psicólogos.
Um comentário:
Precisamos aprender a viver com situações que nos são colocadas...
Beijo Lisette.
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