Conto
A Ressurreição / Thriller de Enfermaria
Essa é a história de Efigênio Silvas e Tiago Silvas, antes de tudo cúmplices nesse amor à Maria das Graças, mulher de Efigênio e mãe de Tiago.
Maria morreu, mas antes de partir pediu que o seu desejo de ter uma família unida fosse mantido.
_Meus queridos filho e marido, mantenham essa minha vontade por toda a vida de vocês.
Assim fizeram Efigênio e Tiago, os quais seguiam filosofias de vida diversas e se davam bem. Essa diferença de conceitos os unia, não faltava assunto; porém, quando concordavam numa questão, ninguém os mudava, fosse qual fosse o argumento.
_Hoje eu vou a pé e amanhã te levo visitar o José.
Efigênio dizia:
_Hoje almoçamos ovos fritos e amanhã você corta o seu cabelo, filho.
Havia um segundo motivo para se relacionarem bem, segundo a vizinha Ana:
_Em casa de pobre, que é pequena, você é obrigado a conversar e se entender, é a questão da economia. Esse negócio de cada qual ficar no seu canto, na sua poltrona com televisão acesa e notebook nas mãos, sem se falar, é coisa de rico. Bem melhor é que se entendam. Com tantas oportunidades para se fugir se um assunto, até me pergunto se rico conversa, essa questão dá samba.
Os anos passam e Efigênio apresentou os sintomas da doença ainda pouco conhecida e de tratamento restrito.
Estava com mais sessenta e cinco anos de idade, mas ainda mexia com construção civil. Efigênio esqueceu os óculos em casa e não viu a corda roída do elevador. Foi num acidente de trabalho, onde o elevador despencou do sexto andar, arrebentando-se no solo, que ele se machucou muito, pelo menos foi o que o plantonista da ambulância do Pronto Socorro da Santa Casa disse:
_Sangue pelas narinas, boca e desmaio. Observa-se que a cabeça está sem sangramento externo e ele está consciente, o que por si já é um milagre; talvez sobreviva.
Dentro da ambulância, acomodados corretamente pai e filho se olham. Passam-se alguns minutos e Efigênio diz ao filho:
_Acompanhe-me ao hospital, deixe-me morrer com dignidade. Nada de entubações além das necessárias.
Efigênio fica em observação e volta para casa com as mesmas funções física, de personalidade e de memória. Não quebrara nem um osso e estava bem.
Efigênio conversa com Tiago, seu filho:
_Tiago, saiba que morri. Conversei com Deus e voltei porque Deus não concordou com essa morte. Ele sabe muito mais que nós. Ficou decidido no céu que outra será a causa da minha morte.
Sem saber o que responder, Tiago ouviu o pai com atenção, sentando-se numa cadeira próxima a dele.
Efigênio continuou:
_Tiago, Deus determinou que você fosse o meu assessor que para este nosso último assunto e seguirá a Deus, conforme eu te contei. De agora em diante me dê todos os remédios dos tratamentos que os médicos me propuserem sem ler a bula.
Tiago disse que obedeceria aos médicos, mas sem ler a bula, não.
O pai perguntou por que não.
_Pai, se você soubesse das voltas que eu dou para te tratar. .Ah, pai. Com todo o respeito que eles me merecem, eles dizem que efeito colateral passa. E a bula de remédio que diz que o efeito colateral pode ser morte súbita? Eu precisaria ser um filho desnaturado para te dar isso.
Efigênio não se deu por vencido:
_Filho, Deus vai mudar a doença. Ele disse que aquela doença rara e cara não será o motivo do meu fim. Em Deus você acredita, assim espero. As regras de Deus são parecidas com a dos homens, mas muito superiores. Ele me dará uma nova doença e as regras valerão a partir da nova doença. Para a doença antiga, mantenha a leitura da bula. Não sou tão ignorante que não saiba que existem cobaias humanas nas doenças raras e desconhecidas em que o remédio vem de graça. Olha o perigo do remédio gratuito, preste atenção que o remédio gratuito nem sempre vem com bula; para essas doenças é um vale-tudo, vale até vela e galinha de angola. Deus me livre! Aliás, já me livrou. Trate-me conforme determinarem, este é o caminho determinado pelo Senhor para a minha morte definitiva. Quem não morre é Jesus Cristo, eu morro normalmente, de acordo com a natureza humana, não se preocupe.
O filho fez um questionamento ao pai sobre essa nova determinação de Deus:
_Por que Deus mudou tudo sem explicação. Explique-me, por favor.
O pai, com toda a autoconfiança e determinação possíveis, foi exato na resposta:
_Filho, Deus não explica, Ele é o criador, não tem porque dar explicações a ninguém. Mas ele deixou escapar o motivo em confiança. Ele confia em nós, mas você é crédulo, ajuda todo mundo e precisa aprender a pensar mais em você. Ele disse que depois da provação que ele agora nos envia, você não fará o que faz por mim a mais ninguém. O Filho Dele é Quem faz por todos, inclusive por nós dois.
Diante da vontade de Deus, Tiago, humilde e tristemente obedeceu.
Efigênio precisava fazer exames de sangue de rotina e Tiago o acompanhou até o laboratório. O pai aguardava a doença, o filho tinha esperança que fosse algum devaneio do pai aquela conversa do dia anterior.
O pai teve que aguardar meia hora para ser atendido e Tiago ficou angustiado com a demora vendo que outros pacientes passavam à frente do pai.
Apesar da demora, Efigênio esperou pacientemente a vez, mas ao sair perguntou se Tiago havia descoberto o motivo da demora. O laboratório era particular e não estava lotado, tudo aparentemente normal.
Tiago conta ao pai sobre a conversa com a enfermeira enquanto o pai era atendido na saleta própria:
_Pai, eu votei em nulo nas eleições passadas. Naquela eleição eu estava com tantas preocupações que não pude assistir ao horário eleitoral e me decidir, estava sem saber o nome dos candidatos a deputado. De consciência tranquila, eu não deveria votar em ninguém, essa foi a minha convicção. Da próxima vez, escolherei em quem votar, não deixarei passar em branco a data da eleição.
O pai respondeu que ele havia perguntado sobre a demora no atendimento e não sobre as eleições passadas. Ele não entendeu a resposta do filho, mas o filho disse o que não queria dizer:
_Pai, a enfermeira disse que todos os meus conhecidos sabiam que eu votei em nulo. Disse também que ela era cabo eleitoral de um deputado que perdeu a legislatura por dez votos. Ela disse que se eu não exerci a cidadania no dia das eleições, eu não deveria exigir nada, porque ela sabia que eu agira como alguém que não prezava a cidadania. Não cabe a nenhuma enfermeira questionar o meu voto. Nem ela e nem ninguém pode questionar a minha consciência na hora do voto.
Efigênio comentou o quanto Deus era maravilhoso:
_Agradeça a Deus, Tiago!
O filho disse que agradecia.
Vieram os resultados dos exames. O pai pergunta ao filho se tinha aparecido algo ruim. Tiago disse que sim, o sangue estava fino.
Efigênio perguntou se tinha a ver com a diarreia depois de almoçar batatas assadas. O filho baixou a cabeça e confirmou.
Efigênio, bastante sério, preparou o espírito de Tiago:
_Esteja preparado para as provações pelas quais iremos passar. Eu sofrerei fisicamente e você espiritualmente. Parece que a minha última missão nessa vida será te ensinar a ser duro com os outros depois que eu partir. Antes, não. Não sabemos o que Ele prepara para nós. Sejamos amigos íntimos nessa jornada. Seja meu confidente, serei o seu confessor; estaremos mais sensíveis e precisaremos um do outro com toda a bondade e amor que o Senhor nos permitir.
A doença segue o seu curso e a cirurgia é complicada. O corpo clínico decide tratar clinicamente.
Vendo que não iria conseguir conciliar a padaria com os cuidados m casa, Tiago chama uma auxiliar. Enfermeira formada. O filho exulta:
_Pai, consegui uma enfermeira para nos ajudar. Ela tem carteira profissional, será um sossego para nós.
A moça, realmente profissional e com família, séria e responsável.
Juraci atendeu com zelo profissional e exigia do filho assepsia de hospital. Sem dinheiro para contratar uma zeladora de hospital, o filho, à noite, antes de deitar-se limpava o ambiente com os produtos necessários.
A moça chegava antes de Tiago ir à padaria para vender os pães. Ela fazia muitas perguntas, mas ele, de boa vontade, respondia a todas elas.
Um dia, com os pães e a panificadora em ordem, a moça pede para sair mais cedo para resolver um problema. O filho pergunta ao pai se ela é boa para com ele.
_Comigo ela é boa. Com você, não. Filho, a moça é policial e está fazendo todas aquelas perguntas para conhecer o seu caráter. São muitas perguntas, entristecem-me. Às vezes tenho vontade de dizer a ela que não criei meu filho para bandido, e para policial ele não serve. Filho, você é bom. Não se meta a ser policial. Eles têm malícia, você não. Dói a qualquer pai ver o filho ser interrogado dentro de casa, sem advogado ou defesa concebível, principalmente quando se está doente e sem condições de responder. Mas ela é correta, é melhor aguentarmos. Antes seja polícia do que ladra. Você precisa dela porque você precisa continuar vivo depois que eu me for. Não fosse assim e Deus o colocaria no elevador da construção junto comigo e resolveria o nosso destino; seríamos almas gêmeas. Trágico demais para panificadores. Eu é que não devia ter arranjado aquele bico para conseguir algo além da minha aposentadoria.
O filho respondeu que, de qualquer forma, com a doença do pai, os seus conceitos estavam se modificando. De qualquer forma ele seguiria a vontade do Deus revelado ao pai.
Foi num domingo, onde a enfermeira enviou a sua substituta, que a mágoa fez a tatuagem na alma. Tiago bebia uma taça de vinho tinto durante o almoço quando ouviu o sermão para deixar a bebida de lado.
Sem a menor consideração pelos meses nos quais a enfermeira o conheceu, a moça foi dizendo que atrás do álcool, vinham drogas pesadas e que não tardaria a necessidade de internamento para ele. Foi assim que Tiago descobriu o motivo da folga da enfermeira, mais uma investigação.
Não foi o vinho, foi o peito quem disse o que disse:
_Minha amiga, eu preciso de ajuda. Eu não as chamei para mim e sim porque tenho alguém muito doente junto a mim. Ele precisa dos seus cuidados, da sua atenção. Respeite o doente, que também tomou a sua taça de vinho aos domingos até a pouco tempo. Somos uma família, não somos qualquer morador de rua carente, sem instrução, desvalido na sorte, bêbado ou drogado. Não se engane, não é esse o nosso caso.
Depois que ela se desculpou e o dia passou, o pai interveio no assunto:
_Gostei de ver e ouvir o que você disse a ela. Precisamos, mas pagamos pelos serviços prestados nessa casa. É preciso impor respeito e limites.
Tiago disse que pediria á enfermeira “policial” que não mais enviasse a moça quando não pudesse vir.
_Como foi que você soube a respeito de sexo, Tiago? Perguntou a enfermeira.
Tiago respondeu que papai e mamãe o haviam ensinado.
_O seu pai era um homem violento?
Tiago respondeu que não era homossexual, que não precisava fazer nenhuma outra pergunta se a intenção era sexual. Ele havia tido namorada e gostado da experiência. Essa é a resposta clássica para qualquer psicólogo: pai violento, filho homossexual. Que pergunta abjeta.
Efigênio esperou ela sair:
_Tiago, cuidado com ela. Não se engane, não é sexo o que ela quer com você, ela quer os seus bens, saber dos seus gostos e fantasias. Observa que ela procura algo do que você possa se recriminar. Ela rouba, sendo policial e não segue os ensinamentos legais. Lembre-se de conversar sobre isso com o contador da padaria, pois ele cursou Direito e pode te orientar. A velha história de gatos e ratos aborrecida.
Tiago contrata outra enfermeira. Essa não pergunta. Essa fala pelos cotovelos e pergunta alguma coisa enquanto fala: aguarda respostas conceituais. A vida dela é complicada e ela não esconde as suas dificuldades, muito simpática e até mesmo, querida.
Efigênio espera o homem, existem enfermeiras mais fortes e corajosas que muitos homens: enfermeiras e enfermeiros não têm sexo perante os seus pacientes, sair e diz:
_Esse é aquele cuja oração é inútil. Tivesse ele alguma fé e perceberia que caminho na direção dela, pela vontade de Deus, a quem me submeto nessa jornada. Perde o tempo e contraria Deus aquele que deseja a morte do seu semelhante. Eu já morri e ele não viu a benignidade do senhor em me trazer ao convívio de você para que a vontade Dele fosse feita; não a minha, não a daqueles que me amam e me querem como semente eterna ao lado deles.
Efigênio está doente, agora do fígado e Tiago conta a ele.
_Morrer do fígado é a escolha do Senhor Deus. Procure tratamento constantemente até que eu me vá para o céu.
Tiago ficou triste e pediu a Efigênio que não falasse daquela maneira, mas Efigênio retrucou:
_Todos morrem, prezado Tiago. Daqui a algum tempo todos nos veremos, é nesse Jesus que acreditamos, a Vida Eterna é para todos, mas no meu caso Deus quer que eu deixe aquelas pessoas que veem a morte como castigo, com a lembrança de que a morte é causa e efeito da natureza humana, não castigo. Como poderia se configurar um castigo sentar-se ao lado de Deus quando se observou todos os mandamentos dele em vida?
Conversar sobre a morte diariamente aborrecia Tiago. De tanto conversarem, Efigênio se apercebeu da contrariedade de Tiago e disse:
_Ânimo, homem! Estamos seguindo um dos muitos projetos divinos, reconhecemos a ressurreição com fator modificador da vida. Ambos conhecemos pessoas novas, filosofias novas, a ausência da filosofia de vida como fator disponível e, ao nosso alcance. Perceba a maravilha de tudo isso!
Tiago foi humilde perante esse Deus que norteava o pensamento de Efigênio.
Certa vez, cansado e distraído ao receber uma visita, Tiago perguntou se não encontraria outro enfermeiro para substituir o enfermeiro temporário, que era empregado daquele enfermeiro que seria aquele que se recusam a deixar os seus bens, metáforas de poder, para seguir Cristo. O visitante disse que conhecia e que ele iria ver Efigênio sem falta.
De fato, o enfermeiro foi e prometeu voltar no dia seguinte.
No entanto, sábado à noite, bateu à porta de Efigênio e Tiago:
_Preste atenção Tiago: trouxe um perito a fim de verificar no que te posso acusar.
Tiago jamais imaginou que existisse adversário tão inescrupuloso e impulsivo, a ponto de mandar um seu criado. Efigênio interveio na conversa:
_Verifique o que você desejar e maldito seja o seu caminho se nada encontrar.
Os homens fizeram a vasculha e se foram, nada encontrando que o acusasse.
Efigênio concluiu:
_Esses são aqueles que não verão as graças do Senhor. Viverão para testemunhar que nada de mal encontraram nessa casa de cristãos.
O tempo passa e Efigênio conversa em particular com Tiago:
_Tiago, o meu estado de saúde se agrava, mal posso levantar.
Tiago se emociona e fica triste.
_Não é para ficar triste Tiago. A sua função perante Deus é estar ao meu lado e ser o meu confidente. A quem mais eu poderia confidenciar este milagre de morrer duas vezes? O nosso amado Jesus, morreu e nos ressuscitará uma única vez, embora não saibamos disso ainda. Você é a testemunha de que o fato é possível físico e espiritualmente. Eu serei o abençoado, aquele a quem Deus deu a chance de prosear sobre Ele mais de uma vez. Peço a você que não se entristeça e muito menos, se queixe quando a segunda morte chegar. Lembre-se de mim como a experiência religiosa que a Providência Divina te ofertou como conhecimento sobre a vontade de Deus, soberana sobre todos os viventes.
Tiago dirige-se a Efigênio:
_Acredito na sua versão, Efigênio, mas sinto a sua falta desde agora.
Efigênio, orador responde:
_Como é que você poderá sentir saudades da doença? Quando você se lembrar de mim, lembra-se das tertúlias com o Mestre em minha casa, lembra que vivi bem até a hora da partida inevitável, mas não única. Lembre-se de você ao se divertir e viver dias largos e folgados como os meus, e nem por isso deixará de seguir, ouvir e brindar com Jesus, como eu fiz e vivi.
Tiago perguntou a Efigênio como haveria de agir nos momentos sérios que viriam a seguir.
_Quando eu estiver bastante fraco, você me levará aos doutores médicos. Enquanto eles me tratam, você virá com alegria para me ver. Quero levar a sua doce companhia, a sua cumplicidade nessa graça divina.
Tiago obedeceu a esse Efigênio terminal e estava ao lado dele, junto aos doutores, quando ele pediu que vestisse a sua melhor roupa antes de voltar a vê-lo.
Tiago, apavorado diante da gravidade da questão divina na qual estava participando, saiu e se arrumou para mostrar a Efigênio que todos os seus desejos seriam atendidos.
Quando se arrumou, bate à porta um mensageiro a avisar que Efigênio havia partido para a outra vida, a vida prometida por Cristo.
Tiago comparece ao funeral com a sua melhor roupa, tendo a certeza de que fazia Efigênio feliz de alguma maneira.
A verdade estava ao lado de Efigênio, Tiago era a testemunha cúmplice nessa história entre Efigênio e Deus.
2 comentários:
Gostei da história que completa, no final, com uma excelente comparação.
Oi...comecei a ler e não consegui parar, uma história instigante, leitura agradável.
Parabéns
Sinval
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