Política em Família
Acordei pensando em mim e nas minhas ideologias estapafúrdias.
Eu era jovem e me apaixonei pela política do Jimmy Carter. Eu não perdia nada do que dissesse respeito a ele. Conhecia o produtor de amendoim que virou presidente americano, seguia as suas ideias em todos os meios de comunicação.
Cheguei a encomendar a revista Seleções na banca de jornal ao lado do edifício onde morava na época. Juntamente com a revista Seleções vinha a revista Mad, porque continha sátiras a respeito do presidente Jimmy.
Frequentei por alguns meses a roda de estudos bíblicos dos mórmons, estudo que se iniciava os seis e quarenta e cinco da manhã, antes das aulas que começavam às sete da manhã. Eu recebi o convite de uma colega e o aceitei.
Foram tempos incríveis de roupas exóticas e Bíblia nas mãos.
Obviamente que obtive um corte familiar. Eu exagerava naquilo.
No entanto, foi a melhor ideia que eu jamais tive igual na vida: eu dizia o que queria do jeito que queria e não sabia falar inglês.
Naquela época eu consegui perturbar meio mundo sem fazer nada que merecesse punição através do meu conhecimento de Jimmy Carter.
Depois, ainda com Jimmy Carter na cabeça, fui representante de classe no segundo ano do científico. Fiquei um ano em idas e vindas amigáveis com a diretoria do Colégio Estadual do Paraná.
Os rolos da sala de aula foram inesquecíveis.
Tínhamos em sala de aula um colega brigão que esperava a saída das aulas para provocar brigas com os alunos que ele considerava mais fracos que ele. Exatamente como aquelas brigas das escolas americanos das séries de televisão.
O colega baixinho disse que ele iria brigar e que precisaria da minha ajuda depois junto à diretoria da escola.
O colega brigão o esperou na saída das aulas para bater nele. Ele era baixinho e não tinha força. O que ele fez? Ele abraçou o brigão e mordeu o nariz dele. O brigão foi para o hospital e deu queixa à diretoria da agressão sofrida numa conversa de ajuste de contas pessoais.
A diretoria me chamou e me tirou do meio de uma aula para discutir a briga.
Fomos aos fatos e aos colegas que anteriormente haviam levado uma surra do colega brigão. Contei que eu sabia das tensões em sala de aula e, que, embora eu não soubesse como se daria a briga, eu tinha conhecimento de que ela estava marcada para o final da aula e que foi me pedido para sair de fininho e não interferir na discussão.
Ninguém foi punido e o aluno brigão comportou-se melhor depois que o seu nariz estava devidamente medicado.
Voltemos ao Jimmy Carter e as minhas ideias a respeito dele.
Eram tempos de ditadura e, houve um dia em que estávamos em um grupo de oito alunos, moças e rapazes, conversando.
Chegaram dois jovens uniformizados e se identificaram como agentes da DOPS (delegacia de ordem social e política). Perguntaram sobre a UNE (União Nacional dos Estudantes).
Os rapazes fingiram não ouvir a pergunta. Nós, garotas nos entreolhamos e não vimos motivos para não conversar com os jovens, que, aliás, eram bonitos, atléticos e acreditavam naquilo em que faziam.
Deixem com a gente, dissemos. Seríamos muito idiotas se não conversássemos com eles.
Os rapazes disseram que não iriam nos defender caso fôssemos presas por desacato.
Não nos importamos. A minha amiga corajosa disse que eu falaria e que ela ficaria ao meu lado.
Sorrimos e dissemos que os dois rapazes poderiam nos perguntar por que tínhamos todas as respostas que eles talvez precisassem.
Eles perguntaram se nós sabíamos quem era da UNE naquela escola.
_Senhor, como pode observar somos moças de classe média. Nós não permitimos nenhuma UNE explícita na nossa sala de aula. Se alguém faz parte da UNE é sem que sejam das nossas amizades.
Era verdade. A classe média ficava longe da política. Éramos alienadas e ouvíamos Carly Simon e Paul Garfunkel.
Eles nos olharam olhos nos olhos, pegaram o rádio e passaram a mensagem:
_Capitão, sem condições de pesquisa.
A voz do outro lado da linha os dispensou de ficarem ali.
_Um bom dia para vocês. Disseram eles para nós.
Nós respondemos:
_Bom dia para vocês também. Esperamos que tenham mais sorte na próxima escola.
Não esqueço o jeito dele ao sair, quando me disse:
_Você é perigosa, mas valeu!
Por quê? Por quê essa crônica?
Agora é a vez de brincar ao piano. Recebo os vinte e quatro prelúdios de Scriabin, numa gozação hilária de quem sabe que não.
Traduzo a linguagem musical para a linguagem das letras:
_És cria BIN?
Não! Vou escolher uma peça e tocar, está combinado.
Sinto muito, mas perguntas foram feitas para serem respondidas, ainda mais quando feitas de modo engraçado.
Também não tenho músicas em fita cassete.
É bom conservar as boas qualidades da juventude quando se é madura.
Estou me sentindo nova em folha.
Bjo procês.
Um comentário:
Amiga Yayá, simplesmente FABULOSO este seu relato pessoal em que se extravasava o sentir do apelo de construir novos mundos de liberdade.
Por momentos recuei no tempo e senti o arrepio da malvada polícia secreta aqui: a Pide!
Pegaram-me por escrever em sátira uns versos e andar de cabelo comprido. Tinha 16 anitos...
Adorei, um abraço.
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