Eu Sabia / Crônica do Cotidiano
Volto da rua por onde os compromissos me levaram.
Nos meus caminhos encontrei com uma vendedora.
A pergunta que ela me fez me leva a momentos inesquecíveis, não somente a mim, mas também a ela.
Segue a pergunta:
_Como está a sua mãe, que não mais vi?
Contei do falecimento da minha mãe no ano passado, mas disse que tinha ótimas lembranças de quando eu e ela íamos à loja.
Quem não a conheceu, não pode imaginar o quanto ela era arteira. Comigo então? Deus é quem sabe.
A vendedora e eu demos boas risadas. Saudades boas.
Vim para casa pensando nela, e a saudade me fez lembrar outro capítulo da nossa convivência.
Havia um programa de televisão que ela não perdia. Para ser sincera, eu pouco assisto à televisão, pois não posso ouvir música assistindo televisão. Tentei assistir um filme com o fone de ouvido nas orelhas, mas perdi o filme e a música.
Naquela tarde, porém, ela foi impositiva:
_Vamos assistir juntas a esse programa que é infantil, porque eu estou com vontade de ficar do seu lado.
Lembro que, a cada intervalo, eu julgava o programa e dizia que poderíamos assistir algo adulto.
_Não. Eu estou com saudades do tempo em que você era criança e hoje, você fica comigo.
Em meio à bagunça que eu fiz, para perturbá-la, como se eu ainda fosse criança, critiquei o mocinho da história, chamando-o de metido.
Até hoje acho que fiz o que ela queria e disse o gancho da conversa que ela gostaria de ter comigo.
Durante o intervalo do programa ela argumentou que não haveria outro jeito de ser e disse:
_Minha filha, olha a maldade que as crianças fazem. Alguém tem que deixar a casa em ordem. Eles deixaram a louça empilhada na pia o fim de semana inteiro. O herói de plantão aprontou com as crianças até que elas deixassem tudo arrumadinho, deixando clara a responsabilidade de todos para que as coisas estejam nos seus devidos lugares. Pegue uns doces de leite para comermos, enquanto passam os comerciais, que a história ainda não acabou.
Peguei os doces de leite, copos de água e voltei para ficar ao lado dela.
A história infantil recomeçou. Aquele mocinho aparecia de detrás do sofá, da caixa de brinquedos, ele simplesmente aparecia e arrumava a história.
Eu disse a ela que eu não entendia o porquê dela gostar tanto daquele programa.
Ela dizia que gostava do programa porque ensinava as crianças a se defenderem das outras crianças, não tão favorecidas pelo berço, que faziam maldades sem se darem conta do que faziam.
_A melhor atitude que se pode ter na vida é não participar das maldades porque a gente se sente íntegra. Eu quero que você assista a esse programa para entender que nem tudo na vida é bonito. O teu berço é que é bonito porque foi baseado em valores espirituais, você sabe o que eu quero dizer.
De fato, eu sabia o que ela queria dizer. Era como um chavão dentro de casa dizer que caráter não se impõe, o que se impõe é a intermediação entre os que cultuam os valores e aqueles que não sabem o que são valores de família.
E os valores de família são importantes até hoje. Família não é subserviência, é o encontro de pessoas dispostas a se respeitarem e serem de confiança para com aqueles que coabitam a mesma casa, desde os mais velhos até as crianças.
Aqui, vale o mesmo para as diferenças dentro da família.
Eu não consigo comprar cinco pares de sapato num dia só. Ela conseguia e comprava para mim também.
Não fosse pararmos o trânsito dos pedestres, iríamos rir: eu e a vendedora.
Bateu a saudade, me deixa desabafar.
Um comentário:
Assim é a vida...O tempo passa pessoas queridas partem, deixando-nos a saudade.
Beijos.
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