Em Trânsito
Outro dia tive que sair para pegar um documento e, no caminho, um senhor me deteve e pediu para conversar por alguns instantes.
Curitiba é uma cidade grande e não se para a fim de conversar com pessoas desconhecidas.
Disse que estava com pressa e fui saindo.
Este senhor, no entanto, contou onde morava, disse que acabava de sair de uma igreja e precisava trocar ideias com alguma pessoa, qualquer pessoa. Eu, de fisionomia séria, pedi a ele que dissesse logo o que tanto o incomodava.
_Nós humanos somos bichos e bichos em extinção.
Tem gente para tudo neste mundo de Deus. Eu disse que não entendi e fui saindo, mas ele pediu-me mais alguns instantes. Estava com pouco dinheiro na carteira e o meu aparelho celular móvel estava de fácil acesso no bolso do casaco. Olhei para ele como quem pergunta se não havia outra pessoa para esta conversa.
Ele entendeu o olhar, e pediu-me para prosseguir a palestra. Haja paciência numa hora destas, pensei.
_O homem está deixando de raciocinar e sentir, ele quer vencer e dominar um ao outro, sem se importar a quem irá atingir. Nós moramos na cidade ecológica, todos nós separamos o lixo reciclável, cuidamos dos animais de estimação, preservamos os animais silvestres, somos corretos com a natureza de modo geral. Agora, preste atenção que acabo de sair da igreja. Quem preservará o homem, ou a mulher, para continuar com o nosso preceito de sermos politicamente corretos e sem discriminações de qualquer modo, da extinção? Nenhum outro animal nos salvará da extinção. Se continuarmos com este comportamento ruim uns com os outros, seremos levados inexoravelmente às guerras, às drogas, às crianças sem futuro que mal chegarão a crescer. Assisti à palestra do religioso que estava convicto que a função da igreja é, de maneira inequívoca, preservar a vida do ser humano dentro dos princípios da dignidade, do afeto e do respeito mútuo. Temos que pregar a esperança por mais que saibamos da realidade, por mais que nos entristeçamos ao ver o que nos cerca. O religioso, entusiasmado, nos pediu para que conversássemos com todos os nossos amigos e parentes. Andei absorto até aqui pensando na possibilidade da extinção da humanidade. Será possível que Deus se fez Homem para se extinguir, será esse o “Castigo de Deus”? Blasfemei agora contra o Criador, perdão, Senhor. Mas pense: se podemos ser bons, por que escolhemos ser maus? Continuaremos a fugir das responsabilidades humanas, aquelas próprias da nossa natureza? A nossa natureza, enquanto espécie, é afeto, é consciência lógica de consequência abstrata enquanto alma, aquela centelha que pulsa dentro em nós e que desconhecemos a sua origem e motivação, mas que age independentemente da nossa vontade, pois sorrimos quando estamos felizes e choramos quando estamos tristes. Essa centelha inexplicável que nos permite discutir emoções somente pode ser explicada pela religião. Nenhum metafísico conseguiu definir a função algébrica do espírito, e, no entanto, nós o sentimos no âmago de toda a nossa existência como partícula presente e insistente. No entanto, a partir do momento em que se despreza a condição humana favorecendo a condição espécie, podemos estar contribuindo para o pior de todos os males: a nossa extinção.
Quem sabe se eu mostrar todos os cachorros, gatos e animais de estimação à mercê da própria sorte, abandonados não pela deslealdade humana, mas pela inexistência do ser humano que o trata com carinho e abnegação, muitas vezes. Outro dia presenciei uma senhora com as necessidades fisiológicas do seu cachorro em um pacote. Ela caminhava pelo parque com o seu estimado bichinho e carregava a sua sacola para recolher as necessidades do animal; reparei que a sacola não estava de todo vazia. Pela teoria do ser humano, esta atitude prova que ela é capaz de amar, com bastante abnegação, diga-se. Esta senhora pacientemente esperava encontrar m cesto de lixo para deixar o pacote. Tive vontade de conversar com ela e dizer que se o ser humano entrar em processo de extinção, os animais mais fortes e ferozes dominarão o planeta. Até fique com pena do cachorro ao pensar no futuro dele. Temos que assumir a condição humana. Não falo da nossa cidade, mas do planeta como um todo. No Brasil não temos conflitos, ao menos é o que parece. Apesar de... bom, este é outro assunto. O meu problema a partir de hoje será preservar o humano, o falível e o emotivo, o raciocínio, a lógica, a inteligência mitigando as dores físicas e a religião acolhendo com carinho aqueles que sofrem. Nesse ponto a metafísica explica a dicotomia das necessidades humanas.
O tempo passa e a senhora me disse que estava com pressa?
Não tive dúvidas, o cumprimentei de mão apertada e desejei boa vontade porque a motivação estava com ele.
_Não sou eu. Depois da igreja eu iria pagar a conta de luz. Pago amanhã sem me preocupar porque a multa vem na conta do mês que vem e não precisarei correr até a concessionária de energia elétrica para acertar o pagamento. Muito grato pela atenção.
De qualquer modo sorri e disse “não tem de quê”, mas a minha hora estava no limite e fui ao meu compromisso. Seria uma conversa para relembrar meses depois, como faço hoje. Por que hoje? Não sei. Sinceramente não sei, acho que foi o domingo aprazível e bem descansado.
17 comentários:
Belo texto... Espectacular....
Cumprimentos
Puxa!Que encontro estranho esse,não?E que papo!! beijos,linda semana,chica
O pensar sobre nossa existência, ainda que efêmera, traz-nos muitas controvérsias... é filosofia (não fundamentalista) para toda uma vida! Excelente post!
Bj. Célia.
Nós humanos somos bichos,
Somos bichos exploradores
Dotados de muitos caprichos
Todos pensam ser doutores!
Politicamente falando
Em quem mal nos governa
Nosso dinheiro estão roubando
Nos enganam com promessa!
O leão só ataca
Quando tem fome
O homem nunca se farta
Até mesmo da má sorte?
Boa segunda-feira
um abraço
Eduardo.
Temos que repensar a educação e o respeito pelo semelhante senão não iremos a lado algum.
Beijo.
Tenho projeto relacionado a ecologia humana que está na gaveta por pura e simples falta de interesse de quem tem e pode patrociná-lo. Somos o que somos.
Cadinho RoCo
Já esqueci, todas as palavras que queria ouvir
Todo os sentires por sentir
Já não sou protagonista de uma comédia de enganos
Sou apenas demiurgo de uma perversa cena de uma chegada sem partir
Sou uvas amargas do mês de Abril
Vinho de travo verde ao beber
Semente atirada ao meio das pedras
Olhos na bruma na inquietação do ver
Uma imensa e incontida força neste peito
Na alma uma cicatriz, qual estigma
Serei apenas um barco de papel à deriva!?
Ou como já alguém disse, um…Enigma…
Doce beijo
Vivemos em tempos de medo e insegurança, onde até um aperto de mão nos causa preocupação... infelizmente... mal temos tempo para nós, muito pouco para os entes queridos e menos ainda para os desconhecidos que a vida coloca em nosso caminho... parece que esse sistema capitalista cobra um preço mais alto que podemos pagar.
JOPZ
Não somos tão humanos quanto aparentamos...
Um abraço e boa semana
Yayámiga
Fabulástico!!! Adorei. Fizeste muito bem em aguentar, ainda que estavas com pressa. Um desabafo, mesmo longo, é uma bênção para quem dele precisa. Em meu nome - e quiçá de muita gente mais - muito obrigado.
Qjs
Minha querida
Por vezes acontecem coisas que de tão estranhas nos deixam sem palavras...belo texto para reflectir para onde vamos.
Deixo um beijinho com carinho
Sonhadora
O poema dos encontros
trazem ensinamentos
que os versos não sabem
explicar
mas fica aquele ensinamento
que não compreendemos bem
mas acabamos contando
ou fazendo um poema.
Luiz Alfredo - poeta
As vezes a gente esbarra com cada um na rua... esse senhor falou umas coisas que eu concordo...
:P
!!!!! Me alegra saludarte
Feliz semana
Un abrazo
Não tenho mesmo paciência para ouvir as dúvidas existenciais dessas pessoas!
Nascemos... vivemos...e morremos!
É tudo.
Alguns encontros e conversas nos instigam.Mas saber como lidar com isso
é que mostra a nossa sabedoria.
Lindo texto.
bjs.
.
Aquele dardo atingiu o
alvo do meu coração.
Hoje eu não teria como,
mas, amanhã, com certeza
deitarei no teu ombro a
as minhas emoções e agra-
dicido, te direi como fiquei.
Beijos do Palhaço e do
amigo.
Palhaço Poeta
.
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