Aprendendo a Confiar
Wanessa, menina de doze anos, primeira espinha no rosto, brincando de escolher a sobrancelha a ser delineada na mocidade que logo viria a acontecer. Pensava no que fazer com as bonecas, algumas não a interessavam mais, outras ela nutria afeto de criança. Queria comprar bijuterias, mas era criança e pediu a permissão da mãe. Laura, a mãe, saiu com a filha e comprou um par de brincos de contas miúdas e foscas, nas cores brancas e rosas, com formato de pingente.
Wanessa estreou os brincos na festa da escola. Eram brincos sem tarraxa, soltos e pendurados pelo aro curvo e branco. No meio da festa alguém passa por ela e puxa um dos brincos, tirando-o da orelha e levando-o consigo. A festa continuou, mas a garota pensava no brinco e a festa perdeu a alegria, em parte porque crianças logo se distraem com outras alegrias e brincadeiras.
Na festa de aniversário dos treze anos, perguntada sobre o presente que gostaria de ganhar, disse que o seu presente mais desejado era um aparelho de som portátil chamado de MP3. Para a sua surpresa, ganhou quatro: dois pretos, um prateado e um rosa, que ficou sendo o seu preferido porque era da mesma cor dos primeiros brincos.
Numa tarde de estudos com os seus colegas na sua casa, enquanto os acompanhava até o portão para se despedir deles, viu o seu MP3 preferido desaparecer. Entrou e perguntou aos seus irmãos e pai e mãe se alguém o tinha visto, mas ninguém o viu ou guardou.
No dia seguinte, na escola, perguntou aos amigos que tinham ido estudar com ela se, por acaso, alguém o havia visto ou pegado por brincadeira. Alguns deles ficaram aborrecidos com ela, desconfiar dos amigos é coisa que não se faz.
João Soneca, uma das crianças que havia estado na casa da garota no dia anterior, depois das aulas, pediu a ela que procurasse o MP3 por toda a sua casa e, caso não o encontrasse, ligasse para ele à tardinha.
_Eu sou seu amigo e vou descobrir onde foi que ele foi parar. Para que isso seja possível irei à sua casa com a desculpa de te ensinar matemática.
Wanessa perguntou por que é que a desculpa seria ensinar matemática a ela, justo ela que tirava notas altas na matéria.
_Porque esse é o meu álibi perfeito para a investigação, assim o culpado não desconfiará de nada. Se eu tivesse que dizer que iria aprender matemática com você, talvez alguém da sua família quisesse cobrar pelas aulas e me considerasse um mau pagador, porque eu não pagaria para descobrir o destino do MP3 para você.
A menina percebeu que o amigo não se descuidava na hora de fazer negócios, que ele tinha espírito e era inteligente, ainda assim sobraria para ela fazer exercícios de matemática para que o tal álibi funcionasse. Levando em consideração o amor que nutria pelo MP3 cor-de-rosa e o estudo que seria obrigada a fazer, gostou e aceitou que o João fosse até a sua casa.
João tratou de chegar na hora do almoço para se encontrar com o pai da garota e se apresentar:
_Bom dia, senhor Eustáquio. Eu sou amigo da escola e vim aqui para ensinar matemática para a sua filha e quero a sua permissão para aqui vir todos os dias fazer os exercícios e as tarefas de casa com ela.
Eustáquio ouviu o garoto, levantou-se da mesa e disse:
_Laura, fique de olho nas crianças que a hora do almoço terminou e eu tenho que bater o ponto daqui a dez minutos.
A louça estava na pia da cozinha e a visita na copa. Convidou as crianças para conversarem com ela enquanto ela arrumava a cozinha. João aprovou a ideia de ficar na cozinha e pesquisar vestígios de MP3 enquanto comia um pedaço de pudim de leite oferecido pela mãe da amiga. Depois, sentaram-se à mesa da copa e estudaram conforme tinham combinado.
No outro dia, quem ficou olhando as crianças foi a diarista. João e Wanessa conversaram muito sobre MP3 e a menina pediu à moça da limpeza que trouxesse todos os MP3 que encontrasse no quarto dela; ela queria mostrar todos eles ao amigo. Não demorou nada e a moça trouxe os três MP3 que encontrou. Combinada com o João, a menina perguntou sobre o MP3 cor-de-rosa.
_Faz tempo que não vejo aquele MP3. Você o procurou na sua mochila?
Wanessa tinha esvaziado a mochila algumas vezes e, para ser educada com a moça, abriu a mochila sobre a mesa e com cuidado a esvaziou na frente dela e do amigo. Não estava lá, conforme era previsto.
A investigação do João não andava e ele teve uma ideia: pegaria as suas economias e compraria um MP3 para ele, desta vez colorido. Wanessa reuniria os mesmos colegas que foram à sua casa da vez passada, desta vez para assistirem um filme na televisão. O desfecho do caso ficaria por conta dele, pois agora era uma questão de brios.
Os colegas aceitaram o convite, entenderam como se fosse um pedido de desculpas da parte da Wanessa. Naquela tarde, João amarrou uma linha no seu MP3 colorido e o deixou em uma cadeira displicentemente, como se o MP3 fosse da amiga Wanessa.
As crianças assistiam ao filme e decorridos trinta e seis minutos da exibição, João sente a linha amarrada em seu dedo indicador puxar. A armadilha funcionava e ele seguiria a pista, que indicava o caminho da cozinha. Disse aos amigos que estava com sede e voltaria logo.
Quem estava na cozinha era Laura, fazendo refrescos para a garotada, a diarista havia faltado. Perto dela estava uma amiga sua e essa amiga estava com o MP3 colorido nas mãos. Prestes a guardar o MP3 na bolsa, João a interrompe:
_Estava procurando um copo de água e encontrei refrescos e o meu MP3.
A amiga de Laura questiona o menino:
_Seu MP3? Como é que você entra na cozinha sem cerimônias e diz que este MP3 que está em minhas mãos é seu?
João puxa a linha presa no dedo indicador direito com o auxílio da mão esquerda e o MP3 cai das mãos da senhora e vai ao chão.
_Desculpe-me senhora. É que o meu MP3 tem as cores de um anzol e eu amarrei linha de pescar em volta dele para não o perder. Eu sou distraído.
A amiga de Laura se justifica e diz que confundiu com o dela, idêntico ao dele.
Wanessa corre para a cozinha ao perceber a demora de João por lá. Olha para a mãe com ar de desculpa como se contasse que ela tinha entrado num plano secreto.
A mãe abraçou a filha e a amiga foi-se embora dizendo que estava com pressa e tinha compromissos naquela tarde para serem cumpridos.
_Wanessa, eu sou sua mãe. Você deveria confiar mais em mim. Eu percebi e fiquei de olho em vocês. Talvez devesse ter conversado com você sobre o assunto, mas eu queria ver o desfecho do João. Somos iguais, guardamos segredos. Amadurecer é conversar abertamente dentro de casa e tomar decisões e assumir essas decisões. E eu me diverti e fui tão criança quanto você.
João interveio na conversa:
_ E os brincos furtados na escola?
A mãe da Wanessa contou que pegou carona para ir à festa naquele dia buscar a Wanessa e que a amiga tinha descido do carro com a desculpa de verificar o cano de escape do automóvel. Foi quando as duas se separaram, cada uma delas foi cuidar dos seus interesses. Laura entrou na escola e a amiga tinha ficado do lado de fora.
As próximas aulas foram ministradas por Laura. Eram aulas de reforço escolar e nas matérias em que as crianças estavam com notas baixas, com a diferença de que a mãe, Laura, contatou a mãe do João e contou com o apoio dela.
2 comentários:
Interessantíssima narrativa. Faz refletir.
Ótima semana para você!
Minha querida Guru, o seu texto é envolvente e nos ensina muito,todos apesar de sermos adultos,fomos ou somos crianças.
Lembrei de um texto chamado Curiosidade Premiada,não tem nenhuma ligação o seu, apenas me fez lembrar pela lição e pelo conteúdo.
Acho que deveria ser enviado para algumas escolas, mereceria um debate entre alunos e professores. Iderval.
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