Era uma criança saudável. Maria estava crescendo e adquirindo maus modos e dizendo palavras que ofendiam os outros, assim ela chamava as pessoas de caipira e dizia que o mato era para tateto. O pai e a mãe se irritavam com o comportamento da menina.
Um dia, quando o seu Aliam bateu palmas no portão como fazia todos os dias às seis horas e trinta minutos para deixar as garrafas de leite em um litro de vidro. Maria avisou em voz alta mãe que o cavaleiro do leite havia chegado e riu-se apelidando o leiteiro. A mãe olhou para o marido, que sorriu amarelo e disse:
_Deixe que eu pego o leite e falo com o homem.
Manoel foi ao portão e pediu desculpas pelo apelido dado pela filha, disse que ela andava apelidando todas as pessoas e causando constrangimento.
_Coisa de criança, seu Manoel. O senhor nem deveria se preocupar. Mas eu queria falar com o senhor. No próximo sábado, os cavalos da carroça (o leite vinha em carroça nos anos 60) vão trocar as ferraduras que estão gastas. Eu não poderei trazer o leite e eu preciso que o senhor vá à chácara pegar o leite. Eu quero mostrar a nova vaca que eu comprei. O negócio do leite está mudando, abriram uma cooperativa e eu perdi parte da freguesia. A vaca Mimosa é da raça holandesa, dá muito leite e está salvando o meu comércio. Temo ainda me associar, eu não sei se vou lucrar com esse novo leite. O senhor já pensou no leite em saco plástico? Leve a sua esposa e a menina. Assim o senhor se distrai e a Maria brinca na chácara e se esquece dessas bobices da idade.
O Manoel pensou que seria uma boa lição para a Maria, que não iria ao parque no próximo sábado. Conheceria a vida no campo.
_O senhor deixa a menina ver a vaca de perto, perguntou o seu Manoel ao senhor Aliam.
_A Maria vai tirar leite da Mimosa, mas guarde segredo.
Apertaram as mãos e se despediram.
O sábado chegou e Maria soube que não iria ao parque?
_O quê? Eu vou perder o meu passeio de sábado?
Laura, a sua mãe, disse que sim.
Chegando à chácara, Maria observou o lugar. Uma casa azul, de madeira, um quintal enorme, crianças menores que ela. Ela tinha 10 anos e as crianças tinham quatro e cinco. A esposa de Aliam ofereceu biscoitos feitos em casa para todos.
_Não se preocupe, dona Ana. Viemos pegar o leite.
Ana contou que o marido não havia chegado do ferreiro ainda. Conversaram todos e se apresentaram as crianças.
Passada meia hora, chega Aliam e os dois cavalos com as ferraduras brilhando de novas.
_Bom dia, senhor Manoel. Vamos pegar o leite que eu estou atrasado até com a ordenha.
Aliam contou que a vaca era ordenhada diariamente às dez horas da manhã. Caminharam juntos até a Mimosa.
_Seu Manoel, hoje a Maria vai me ajudar a tirar o leite, o senhor deixa?
_O senhor garante que a vaca é mansa?
_Garanto.
Manoel e Laura olhavam a uma distância de cinco metros a cena.
Aliam chegou ao lado direito das tetas da vaca, assentou-se no banquinho de madeira que ele fincou no chão embaixo da vaca, colocou o enorme vasilhame prateado entre as pernas e ordenou que a Maria ficasse ao lado da vaca e não entrasse embaixo da mesma.
No silêncio da chácara todos ouviram as recomendações do homem:
_Maria, não vá caminhar agora. A vaca não pode se assustar. Se ele se assusta, ela dá coice e eu derrubo o meu vasilhame no chão. Se o leite derramar, somente amanhã beberemos leite.
Seu Manoel, ligeiramente ansioso, perguntou se a Mimosa estava prenha. A barriga da vaca estava enorme.
_É leite, senhor Manoel. Se a ordenha não for feita, senão o ubre intumesce, incha e inflama.
À medida que Aliam tirava o leite sob os olhos atentos da Maria, a vaca mugia:
_Hummm...
Aliam explicou que ela sentia alívio. Esse mugido era de alívio.
Quase no final da ordenha, veio a novidade:
_Agora é a vez da Maria.
_Eu? Eu não sei fazer isso!
Aliam ensinou a menina a puxar a teta da vaca que estava mais próxima da menina.
No que a menina puxou, a vaca mugiu e se mexeu:
_Muuuu...
_Maria, a Mimosa me contou que você puxou demais e a machucou. Não é assim. Tente de novo.
Maria puxou bem devagar e não saiu leite. A vaca olhou para o lado para ver o que estava acontecendo. Nem a vaca entendia aquela ordenha.
_Maria, tente de novo. Disse Aliam.
Enfim o leite saiu e caiu no vasilhame largo o suficiente para não haver perdas.
_Assim é que se faz. Aprendeu. A gente tem que ensinar tudo o que puder para as crianças, disse Aliam olhando para Manoel. Eles aprendem a dar valor a cada uma das atividades. O meu pequeno, de cinco anos, vem acompanhado da Ana e fica vendo a ordenha. Quando ele fizer sete anos, eu quero que ele aprenda a tirar o leite e que me acompanhe aos finais de semana na entrega. Se é que a entrega ainda existirá, se é que o leite em saco plástico não vai me levar à falência.
-Ânimo homem. Se o leite em saco plástico vingar, você entra para associação das cooperativas.
Os litros de leite estavam entregues em mãos. O leiteiro agradeceu e o senhor Manoel agradeceu em dobro. Na volta para casa o Manoel foi dizendo à filha se ela reparara na educação daquela família, no respeito com que se trataram e o quanto fora agradável aquela manhã.
_Eu estou errada?
_Está. A educação abre o caminho para a boa convivência e você não se comporta bem quando desfaz dos outros.
Maria não mais brincou daquele modo e não esquece a lição. Por mais que o outro seja mal educado, o problema que seja dele e não seu.
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