A
Velha Senhora
Pouca
gente a conheceu conforme as pessoas deveriam ser conhecidas, mas houve a
pneumonia e as visitas.
Certificando-se que não havia perigo de contágio, a mãe de Clarice a
levou com ela.
A velha
senhora estava em convalescença e estava com os cabelos brancos e curtos
penteados para trás. O rosto começava a ficar corado, deixando a palidez da
febre, e ela comia alguns biscoitos de leite.
Clarice
era de um jeito muito dela, às vezes era calada, às vezes falava demais. Olhou
e olhou para os cabelos e disse que nunca havia visto ela assim e que parecia
mais bonita, mais solta, e com ar jovial.
_Eu me
enfeio para sair, não é isso que você quer dizer, Clarice?
Clarice
fez uma expressão de surpresa e, a velha senhora concluiu:
_É fato,
Clarice. Eu também prefiro assim, mas não é possível. Nunca foi possível
Clarice!
A mãe da
Clarice mandou parar o assunto senão as queixas começariam e elas não estavam
lá para aborrecer a velha senhora, repetindo as palavras da velha senhora para
a filha:
_É fato,
Clarice. Não é possível nem para ela assim como a mim. Nunca foi.
A mãe de
Clarice e a velha senhora se entreolharam e sorriram como que constatando que a
realidade é pesada para todas as vontades.
A velha
senhora olhou para Clarice com carinho e disse a ela que não se preocupasse,
pois para ela a realidade seria melhor.
A mãe da
Clarice disse à velha senhora que não mentisse à menina.
_Eu não
minto, é a nossa regra, lembra?
A visita
foi rápida.
A velha
senhora, depois, ligou para a mãe de Clarice. Queria contar sobre um filme que
tinha assistido. A mãe de Clarice ouviu, mas por educação, sem prestar muita
atenção.
As duas
conversavam muito e a mãe de Clarice tinha as suas ocupações e, certo dia, quem
atendeu ao telefone foi Clarice.
_Clarice,
é com você mesma que eu quero conversar. A sua mãe não presta atenção quando eu
conto dos filmes e eu li um livro tão bom. Deixa eu te contar a história,
aposto que você vai gostar.
Clarice
era educada e escutava.
_Era uma
vez uma moça bem nascida que por um comportamento caprichoso muito sofreu. Eu
não quero entrar ficar numa situação constrangedora por sua causa e nem ser sua
babá, aprenda a viver. Escute a minha história, quero dizer, a história do
livro que eu li.
Clarice
achou que o livro que a velha senhora tinha lido parecia muito interessante.
_ Não é
aquele livro onde o sol nasce para todos e nem sobre aquele livro sobre 1.808.
Eis uma ilação interessante: O sol nasce para todos e ponto. Nenhuma vírgula,
nem aspas, nem reticências e nem etecéteras. Entendeu? O que é o poder
econômico, você sabe. O poder econômico foi o que causou a Proclamação da República
um ano após a abolição dos escravos. O poder econômico, quando contrariado, apronta
poucas e boas.
Clarice
interrompeu a conversa e perguntou como é que o livro acabava.
_O livro
acabou mal porque a jovem não sabia lidar com a situação. Se tivesse ouvido os
meus conselhos, não acabaria tudo tão mal.
Clarice
disse que não entendeu.
_ Faça o
que puder para dispensar-me de ser a sua babá, você não precisa disso. Eu não
tenho mais idade para ser babá de jovem crescida. Respeite o regulamento e se
imponha naquilo em que você estiver certa.
Clarice
perguntou:
_E se
isso não der certo?
A velha
senhora foi taxativa:
_Para
você vai dar certo! Você não leu nem um terço dos livros que eu li. Você está
entendendo alguma coisa do que eu estou dizendo, porque a sua mãe a essa altura
da conversa já teria dito que precisava ir ao supermercado, perguntou.
Clarice
disse que estava entendendo, mas que ela era básica, não tinha lido nem um
décimo do que ela havia lido.
A velha
senhora respirou aliviada.
_É isso o
que eu preciso Clarice. Preciso que você entenda o básico. Para que você não
passe o que eu passei mesmo em situação semelhante.
A
enigmática velha senhora teve muitos filmes e livros a contar. Alguns ouvintes
irritavam-se profundamente com as suas histórias. Outros ouvintes diziam que
ela fazia isso para ter assunto, para ter o que conversar, porque levava uma
vida provavelmente monótona.
As
pessoas cultas permitem compreender a realidade desconhecida, mas provável.
Clarice
guardou consigo todas as histórias da velha senhora consigo, é bom ouvir
histórias.
Um comentário:
E dessas histórias permeadas de segredos há que se ler nas entrelinhas as lições de vida que a "velha senhora" insistia em passar.
Um belíssimo conto
Bom final de sábado
Beijokas
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