Fórmula Simples
Rogério ouviu o conselho do sábio que disse: Ao observar os erros dos outros e guardá-los para conosco, evitamos muitos dos nossos erros.
Numa interpretação particular, ele aperfeiçoou o conselho: Observando o acerto dos outros, eu me livro dos meus problemas.
Procurou entre os amigos alguém que pudesse ser exemplo de bem viver, alguém que tivesse conceitos parecidos com os dele, mas que não tivesse os problemas dele.
Procurou e encontrou Josualdo. Observou as características desse homem nascido de boa família, educado, responsável, sincero, casado, bom pai, bom irmão e impecável nos trabalhos que executava.
Após encontrar o que considerava exemplo tratou logo de buscar oportunidades para conversas e mais conversas.
Josualdo tratava bem, embora não entendesse o propósito de tantas conversas sobre filosofia de vida, responsabilidade, família e sociabilidade.
Certo dia, por ocasião do seu aniversário, convidou vários amigos para uma reunião informal em sua casa.
Durante a reunião um dos amigos perguntou por que motivo ele não tinha convidado Rogério.
Rogério tinha razão, Josualdo era sincero:
_Eu não sei o motivo. Pensei em convidá-lo, mas fiquei em dúvida se deveria ou não.
Os amigos comentaram:
_Ele parece ser seu amigo, conversa muito com você.
Josualdo disse que sim, conversavam muito sobre valores, costumes de família, filosofia de vida, mas os assuntos eram sóbrios demais para uma festa de aniversário.
Alguém mais afoito perguntou se ele considerava o Rogério desagradável.
_Não. Ele é boa pessoa e, nenhuma queixa eu tenho dele. É até mesmo uma sensação estranha, existe algo nele que não combina comigo, mas eu não sei do que se trata. Eu não faço a mínima ideia do que seja, mas às vezes, é melhor não saber e eu não sei se é esse o caso.
Alguns anos após, Josualdo foi transferido de cidade e, não mais soube de Rogério.
Depois de aposentado voltou à cidade natal, Piracicaba.
Reviu todos os amigos, inclusive o Rogério.
Para surpresa de Josualdo, Rogério vestia-se como ele próprio há quarenta anos. Falava com a linguagem e conforme os costumes de quarenta anos atrás.
Rogério quis apresentar a família e o convidou para uns petiscos na sua casa.
Josualdo se lembrou daquela antiga indagação que tinha a respeito de Rogério.
Chegou à noite, ele e a mulher se arrumaram e foram até a casa de Rogério.
Quando o amigo abriu a porta, as surpresas começaram. A mesa posta conforme quarenta anos atrás, guardanapos de pano e copos lapidados. A mulher de Rogério comportava-se como a mulher de Josualdo há quarenta anos. Os livros dos quais comentaram estavam na estante.
A constatação de que não era coincidência houve quando a mulher de Rogério, no entremeio da conversa, puxou assunto de anos atrás.
_Somos parecidos. Nunca sequer pensamos em nos desquitar.
A mulher de Josualdo assustou-se com o rumo da conversa e, como as horas estavam adiantadas, pegou as mãos do marido e disse que eram horas de repousar.
Na rua, sentiu-se incomodada. Desquitar era um termo ultrapassado, o divórcio havia anos que fora aprovado.
Josualdo comentou com a mulher:
_Falávamos assim há quarenta anos. Nós reafirmávamos os nossos votos de casados como se o divórcio pudesse ser uma ameaça. Somos piracicabanos e, por aqui o comportamento aceitável era esse.
No dia seguinte, encontrando outros conhecidos na cidade, ele perguntou se em Piracicaba nada havia mudado.
A cidade estava sintonizada com o resto do país. Josualdo não precisava se preocupar quanto a isso.
Josualdo comentou sem tom de crítica, mas em tom de constatação:
_Você se lembra de que eu tinha uma espécie de implicância com o Rogério? Continuo tendo. Eu não entendi o jeito dele ontem à noite.
Se ele disse como se sentia, os amigos sentiram-se à vontade para conversar com ele.
_Ele planejou a vida dele para ser como a sua porque o considera exemplo a ser seguido.
Josualdo disse que ele havia mudado, embora se considerasse um bom homem e chefe de família.
Os amigos contaram o que sabiam.
_Ele resolveu os problemas da vida dele observando o seu modo de viver. Hoje ele vive nessa fotografia tirada há quarenta anos.
Josualdo perguntou então sobre as particularidades de cada indivíduo, seria possível que Rogério não tivesse exercido alguma autonomia na vida dele?
Os amigos o tranquilizaram:
_Ele está bem. Ele quer viver nessa fotografia que ele tirou de você e da sua família e ele é boa pessoa, nós também não entendemos isso. Será que os problemas dele o afetaram a esse ponto?
Josualdo disse que não iria atualizar essas impressões. Rogério que vivesse do jeito que bem entendesse. Afinal, a vida dele há quarenta anos não era má.
Todos conversam na esquina e Rogério chega.
_Amigo Josualdo, eu quero que você vá ao jogo de futebol comigo. Você não me negará a sua companhia depois desse tempo todo longe da cidade?
Todos os amigos quiseram ir junto.
Rogério ficou com a sua fotografia.
Josualdo tomava cuidado em cada palavra proferida e não era implicância, era necessidade.
Os amigos ajudaram Josualdo a não acrescentar ou retirar nenhum objeto daquela fotografia de bem viver.
2 comentários:
Bom dia amiga Yayá, belo e reflexivo conto, viver em sociedade é bem assim, imitar, criticar, mudar ou não pelos conceitos que se faz da vida alheia!
Viver é simples, mas ao mesmo tempo complicado, difícil é a autenticidade!
Amei ler aqui, abraços bem apertados!
Lições de vida na divagação do "tempo"...
Abraço.
Postar um comentário