O Desabafo
Sobem as cortinas do palco, entra em cena Sarita, na sua peça mais envolvente, o monólogo que Shakespeare não escreveu chamado O Desabafo.
_Em frente ao público o meu ego se satisfaz em fazer dos sentimentos as suas alegrias e as suas lágrimas. Não posso me perder no tempo, tenho uma hora e alguns minutos para transmitir em gestos, a delicadeza que muitos teimam em apagar dos seus corações, como se existisse borracha tão poderosa que sublimasse o invisível.
No tempo de Shakespeare, as mulheres não tinham falas eloquentes, nem textos que preenchessem o palco. Eram os homens seus protagonistas. Por que o feminismo? Tantas atrizes jovens, exuberantes em cena e fracas diante da realidade. Para ser atriz é preciso que o ego seja aumentado, sabendo-se bem sem apoios, quando o personagem se vai. Esse interregno entre uma atuação e outra é o grande problema do artista, é a fase da despedida do primeiro e a espera do segundo, sem público, sem palmas e sem palco.
Tivemos peças para mulheres que, de certa forma, reduziam a feminilidade. Algumas representam homens e se frustram, se deprimem, contrariando a si mesmas. Um ego forte espera o papel apropriado, nem que seja aquele único, o sonhado, o desejado, para logo a seguir levar uma vida comum, igual, corriqueira e se aguentar com isso.
O palco é o momento cronometrado na fala correta do texto no tempo do expectador. O figurino requintado de nada serve ao tempo inexato da compreensão do público. A comunicação no teatro se dá ao vivo numa troca de exposição e recepção, O tempo muda de plateia a plateia, noite a noite; não é a atuação e sim a velocidade desse diálogo que influencia o sucesso ou o fracasso de um texto representado.
As mulheres que atuam precisam do ego aumentado. É triste se saber de atrizes que se deixam levar por substâncias exógenas porque são incapazes de se garantir ao enfrentar a multidão de fãs a fazerem perguntas.
Fãs querem as mulheres perfeitas e, embora elas não existam, é a obrigação da atriz ser atenciosa, dentro das suas possibilidades; são pessoas que precisam dessa luz que a admiração provoca. A idealização da atividade ou função é a compensação das frustrações vividas na vida prática numa catarse subjetiva de um espetáculo teatral.
Lembro-me de ter saído certa tarde e no estabelecimento comercial, a televisão estava ligada. A atriz dava uma entrevista e contava a sua tristeza no programa. Todos os frequentadores do local começaram a criticá-la. Era decepcionante para eles, verem a fantasia evanescer diante dos seus olhos.
O público quer show!
A atriz pode escolher o seu público, determinar as características do espetáculo, mas não pode se negar a representar. Vai-se o personagem, a atriz fica atuante em frente ao seu público. Permanentemente pronta a representar. É o que o público espera de quem escolheu essa função.
O glamour não mora nas passarelas da fama, reside na atuação constante e persistente da deusa de cristal, sabedora da delicadeza necessária para dissipar toda e qualquer pressão, seja dos fãs, dos fotógrafos, da vida particular, etc.
O sucesso é solitário. Quando muitos querem saber de você é porque não estão ao seu lado, estão abaixo, ou, se sentem abaixo das suas expectativas para serem amigos.
Representar não é uma escolha, é uma imposição para quem nasce com essa aptidão. Atriz nenhuma é escrava, é rainha do seu talento.
Aquelas que se dizem atrizes e escravas de vaidades ou modismos não são longevas no palco, porque o talento independe da beleza, depende do convencimento que a atuação é sincera, espontânea, que aquela que está no palco jamais foi senão aquela personagem a qual representa naquele instante.
Dizem que vida de artista é que é boa, mas qual de vós arriscaria a vossa vida medíocre para subir num palco?
Porque a vida assim chamada de medíocre é aquela que a maioria das pessoas deseja. O conforto de ir ao teatro, sentar-se à poltrona, abrir o pequeno pacote de balas sem açúcar para não prejudicar a jaqueta do dente molar e deixar a fantasia fluir como num sonho, é de grande agrado. Para isso sempre procuramos proporcionar ingressos a preços acessíveis.
A vossa distração é o meu trabalho.
Quando a plateia reage, meu ânimo se anima e doo o personagem.
Presenciei atrizes agradecendo ao público e se benzendo agradecendo o conseguir terminarem o espetáculo. Jamais desejariam aquele público novamente. Sou solidária a elas, nem eu assim o desejo.
Uma amiga me chamou ao camarim e se queixou de dores na coluna. Essa amiga me emocionou ao dizer que via uma estrela em minha testa e que ela precisava da luz dessa estrela para voltar à sua cidade natal. Jamais saberei que luz ela viu, nem sei por que me chamou de Estrela D’alva. No entanto, ela desenhou uma estrela no meu convite e me abraçou. A foto que tirou comigo, não me deu, queria com ela.
Jamais o público me verá lavando o rosto sem a maquiagem apropriada na iluminação determinada. Essa é a minha função.
Perguntar-me-iam sobre os amigos e a vida comum?
Eu responderia que não faltarão cachorros-quentes, com fotos nas revistas previamente concedidas. A mostarda e o catchup do canto da boca serão fotogênicos.
Se alguém quiser seguir o meu caminho, que siga. Não seguem enganados.
4 comentários:
Grato pela visita, e parabéns pelo conto, gostei bastante. Abraço!
Olá Yayá
Pena que nos palcos da vida, as mulheres ainda são coadjuvantes.
Bjux
"... a delicadeza que muitos teimam em apagar dos seus corações, como se existisse borracha tão poderosa que sublimasse o invisível".
Gostei muito Yayà.
Um abraço.
Entra em sena Sarita
Do palco sobem as cortinas
Amiga Yayá, obrigado pela visita
Batem palmas os meninos e as meninas.
Toda a gente se agita
Com a peça apresentada
No palco pela Sarita
Muito bem representada!
Boa noite e um abraço
para você, amiga Yayá.
Eduardo.
Postar um comentário