O Tempo de Deus / Conto
Quando, depois dos ofícios da missa, o padre veio dizer para Circe, que ela seria mais feliz se fosse evangélica, ela perguntou na mesma hora:
_O que foi que eu fiz de errado, padre José? Por favor, me diga.
O padre sorriu, com uma superioridade peculiar, e continuou a conversa que achou necessário ter com Circe.
_ O que eu poderia dizer a uma bem intencionada jovem de 22 anos? Frequenta as reuniões, vive com a família, estuda, mas nada entende dos sopros divinais? Querem ter uma reunião com você no convento, eu peço que vá à Catedral e peça para falar com a madre superiora. Diga que eu a enviei.
Assustada, Circe chegou à Catedral pelas nove horas da manhã. Caminhou até a sacristia e perguntou pela madre superiora. Contou que o padre José a havia enviado para ter uma reunião com a madre.
_Mas a madre superiora é uma senhora muito ocupada. Eu posso agendar uma reunião, se você realmente desejar, mas isso me parece estranho. Até hoje não ouvi falar nisso, porque as moças que conversam com ela, ficam no convento. Pelo que observo, parece que você precisa pensar antes de agendar essa reunião.
Chegou em casa e conversou com a família. Chegaram à conclusão que ela deveria contar ao padre e pedir a dispensa dessa reunião.
À tarde, foi até a igreja.
O padre, ao vê-la, sorriu com polidez, e disse que a esperava.
_Minha jovem, esta não é a igreja que combina com o seu valor espiritual. Os ventos não param de assoprar. Você entra e os sopros começam. O que você conhece do inconsciente coletivo subjetivo?
Circe respondeu que nada sabia.
O padre sorriu com a resposta.
_ O insconsciente subjetivo coletivo é o que o Espírito Santo e o Mau espírito sopram para as pessoas. Pelo menos agora você sabe que isso existe. O meu conselho para você, que não é para hoje, amanhã, ou mesmo para daqui a um ano, é que você procure uma igreja onde o seu espírito, ou melhor, o Espírito Santo que habita em você possa se sentir sem tantas oscilações causadas pelos sopros contínuos desse inconsciente coletivo subjetivo.
À saída da igreja, passados alguns meses sem tocar no assunto, os seminaristas vieram trazer os convites de formatura.
Passaram-se muitos anos sem que Circe procurasse outra igreja, por simplesmente se considerar o "patinho feio" da igreja.
Numa tarde casual, uma amiga a convidou para um recital de Canto Lírico, onde o Maestro da Ópera de Milão estaria presente, juntamente com o melhores concertistas do Brasil. O concerto era numa igreja evangélica.
Além dos concertos, ofereceram aos participantes café, chá e biscoitos.
À saída, um dos jovens, pediu para que ela esperasse, que ele tinha algo a dizer.
Circe não gostava de deixar as pessoas sem que pudessem se expressar, e esperou o jovem.
O jovem pegou o violão e cantou Imagine, do John Lennon. Em frente àquela igreja, em voz alta para que todos escutassem.
Circe questionou sobre o que o Pastor pensaria sobre a demonstração musical dele.
O jovem, de aparência simples, da mesma maneira como ela se sentia depois de ter assistido o Maestro da Ópera de Milão, respondeu que o caminho era esse, que a igreja era aquela e que ela pensasse naquela possibilidade.
Passaram-se longos anos, até que um dia, inadvertidamente e sem censura, uma velha senhora disse para ela:
_Maria sou eu. A religião está abaixo, está no meio dos homens. Decida-se enquanto eu posso te guiar.
Circe tomou a decisão adiada por quarenta anos. Ouvindo a canção de John Lennon.
Circe entendeu Maria, sem conflitos interiores, e até mesmo, feliz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário