Lascia me Parlare - Deixe-me Falar/ Conto
Era médico, sabia que iria morrer.
A sobrinha foi visitá-lo na casa de parentes onde ele se hospedava.
O doente estava acamado, Leila entrou no quarto junto dos filhos, conforme ele pedira.
_Lascia parlare con il bambino.
Ela tinha ido visitá-lo e ficou preocupada, pois sabia que já havia um começo de necrose e disse que não queria incomodar.
O velho, em tom sério, pediu:
_Lascia me parlare con il bambino. Aspetta fuori.
Passados dez minutos, ela ouve a voz do lado de dentro do quarto, meio gritado:
_Leila, potresti entrari!
Ela perguntou se havia algum problema, ou se ele tinha percebido algum problema.
_Não. Ele é um italiano médio e basta. Igual à você!
Leila perguntou o que ele queria dizer com aquilo e ele respondeu:
_Que outra criatura, com tantos afazeres e obrigações, viria me ver, sendo que estou começando a necrozar? Você, minha sobrinha. Italiana média.
Como a conversa estava estranha, ela achou melhor sair e disse que a visita seria rápida.
Ele gritou:
_Aspetta, Leila. Lascia me parlare.
Nesse ínterim a prima, entra no quarto e pede por favor para que Leila fique com ele enquanto ela, a dona da casa iria ao armazém fazer umas compras.
Ele respondeu por Leila.
_Vá. Ela fica.
Leila esperou e perguntou:
_Tio, o senhor precisa de ajuda? O que o incomoda?
Ele sorriu como se estivesse conversando com uma pessoa de escassa inteligência.
Recuperou a fisionomia tranquila.
Olhou para a filha de Leila e disse:
_Bambina, foco porque é importante para você.
Leila e as crianças ficaram séria e olharam para ele.
_Viemos da Itália por volta do ano de mil e oitoscentos, porque paratati, não vou repetir, você já sabe. Teu pai te disse.O que ele não disse foi que o nono errou, e esse erro é tão grotesco que fazer mal à vocês.
Leila perguntou do que ele estava falando exatamente, porque havia assuntos que ela não gostaria de compartilhar com as crianças.
_Não, não é o que você está pensando. Não tente adivinhar, por favor. No meio de uma guerra, as pessoas passam fome, pedem ajuda, e a gente faz como pode, mas ajuda, é nosso costume.
Com esse prólogo, ele garantiu todos os olhos nele.
_Nos foi pedido para que viessem para o Brasil algumas pessoas que estavam em estado de penúria. Era guerra e havia muito sofrimento. Sim, acomodamos mais algumas pessoas no navio.
Leila, apenas murmurou hum, em "boca chiusa", calada.
_Descemos do navio e descobrimos que havíamos trazido conosco os nossos inimigos da Itália. Você sabe quem são!
Leila disse que o tio poderia estar exagerando.
_Não, Leila.
Ainda chamou a atenção da menina:
_Bambina, "Stai attento".
Leila ficou sem graça.
_ Não, você não conhece. Você não soube o que era a guerra, e pode ser enganada. Pessoas perigosas, entende?
A dona da casa chegou do armazém e agradeceu Leila pela boa vontade.
Passou um mês. Chegou a notícia de que ele havia morrido.
Passaram-se dez anos, e ao chegar de uma festa de aniversário, Leila disse ao marido:
_Não foi nojento o que nós vimos?
_Nojento e deplorável, respondeu ele.
Uma gata no cio e no colo de uma das convidadas. Sob o carinho da dona da casa. Contaram que a dona da casa pedia à convidada para que não levasse por mal o que a gata fazia e a convidada não levou. Somente pediu uma toalha para por sobre o colo.
Leila completou:
_Boca chiusa.
Ele respondeu que poderia falar em bom português porque ele também estava com asco e aquela conversa não merecia ser continuada. Assunto de adultos.
Sentiram nojo. De um asco que permaneceu com eles por toda a vida.
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