Madre de Deus
Polímnia tinha dezoito anos e cuidava excessivamente da vida do irmão mais novo, parece até que ela tinha um pouco de ciúmes das liberdades dadas aos garotos da família.
Um dia ele se atrasou na escola. Ele entrou na escola às oito da manhã e eram oito horas da noite e ele ainda estava na escola? O pai e a mãe garantiam que ele estava lá. Polímnia reclamou tanto desse atraso que irritou a paciência deles.
_Vamos até a escola buscar seu irmão.
Chegando em frente da escola, o casal ordenou à filha que entrasse na secretaria da escola e perguntasse pelo irmão. Ela tinha sido impertinente e deveria assumir a sua impertinência entrando na escola e sendo absolutamente "chata" para a secretaria da escola.
Envergonhada de ter reclamado tanto, Polímnia foi até a secretaria da escola e perguntou pelo irmão.
_Ah! Polímnia está aqui, que bom. O seu irmão está no laboratório de informática. Hoje eles desmontaram um computador de mais de cinquenta quilos e o estão montando novamente, verificando os rolos de fita, as transcrições e todas essas parafernálias que os meninos adoram.
Polímnia pediu desculpas à secretária.
_Não, Polímnia, não peça desculpas, eu quero conversar com você.
Polímnia ficou sem jeito. Afinal não era tão mal assim se preocupar com o irmão.
_A senhora quer conversar comigo? Não precisa, o meu pai e a minha mãe estão lá fora e eu vou avisá-los que está tudo certo e que eu estava errada.
A secretária disse para Polímnia esperar alguns minutos porque ela tinha algo muito importante a dizer para Polímnia.
_Esse seu nome é ótimo. Gosto dele porque é original.
_Hum hum, murmurou Polímnia. Obrigada.
Polímnia olhou para a secretária com expectativa.
_Quem me pediu para conversar com você foi a madre superiora.
Até os ossos de Polímnia se arrepiaram.
_O que foi que aconteceu?
A secretária avisou que iria ser objetiva.
Polímnia disse:
_Pois não. Estou toda à ouvidos.
A secretária engoliu a saliva e continuou.
_O seu pai teve uma briga familiar. Você pode pensar daqui há alguns anos que essa briga foi uma bobagem. Não foi. Ele está certo. Faz o que é certo perante Deus. O que a humanidade pensar não poderá te interessar a esse respeito.
Polímnia sentiu-se empalidecer. Como é que aquela senhora sabia dessa particularidade da vida do pai dela.
_Não se preocupe Polímnia porque não traímos as confissões de nenhum confessionário secular. Você crê em Deus?
Polímnia disse que sim e muito e que tinha motivos próprios para essa crença.
_Eu acho que eu não entendi.
A secretária continuou a explanação, conforme fora pedido a ela.
_O pecado está na alma e não nos bailes e eu sei que você vai muito aos bailes das boas sociedades.
Era verdade. Essa constatação fez com que Polímnia sentisse um certo alívio. Era festeira. e isso não era pecado.
_Graças a Deus.
A secretária continuou:
_Você poderia ter estudado com as irmãs do colégio ao lado, mas a obra do mal não permitiu. As moças fizeram o mal porque quiseram e que não culpem os políticos ou as forças pelo que fizeram. A madre superiora sabe de tudo.
Polimnia respondeu, com certa humildade:
_Sim senhora. Com todo o respeito, o que está feito, está feito. Mas há outros caminhos a seguir.
A secretária sorriu com um ar de quem estava praticando a caridade.
_Polímnia, você sabe os dez mandamentos?
Polímnia fez um jeito de obviedade.
_Sei.
A secretária a desafiou:
_Qual é o segundo mandamento?
_Honrar pai e mãe.
A secretária ordenou:
_Faça tudo o que puder por eles.
Polímnia sentiu vontade de chorar, ficou com medo de algo ruim acontecesse a eles.
_Porque tem quem os desonre a alma e não será você. A madre pede que você os ame com toda a pureza da sua alma.
Essa era uma conversa complicadíssima para alguém de dezoito anos.
_Eu pensei que pecado, bem a senhora sabe o que nos ensinam sobre o pecado?!
A secretária sorriu.
_Não é o seu caso. A madre superiora também sabe disso. Falam tanto a seu respeito que ela pediu que eu a conhecesse pessoalmente. Trata-se aqui do cumprimento do que é sagrado quando se fala em pecado. O pecado contra Deus que é praticado pela vontade do maligno.
Polímnia olhou para a secretária assustada, aliás Polímnia era cheia de caretas, uma para cada expressão sentimental.
_Posso fazer uma pergunta?
A secretária disse que sim.
_A situação foi tão horrível assim?
A secretária baixou a cabeça, triste.
_Foi. Imagine uma situação tão feia onde a madre superiora de um convento pede humildemente para que de converse com uma jovem, tão jovem que sequer pode imaginar esse mal.
Nesse ínterim, o pai de Polímnia entra na secretaria da escola.
_Boa noite, tudo bem? Eu estou esperando o meu filho e mandei a menina vir perguntar a respeito da aula e ela não voltou. Bem, são dez horas da noite e eu fiquei preocupado. Pensei que ela tivesse entrado na sala do laboratório.
A secretária olhou para ele satisfeita. Feliz com a expressão do rosto dele.
_Um momento que eu vou verificar.
Foi ela dizer que iria verificar a aula no laboratório e saem todos os estudantes felizes com a remontagem de um computador de quinhentos quilos. Uma enormidade cheia de firas e folhas de algo chamado Cobol que Polímnia não entendia.
Garotos eram garotos e, ao ver o pai na secretaria, o irmão de Polímnia disse:
_Pai, te espero lá fora.
Essa era a tal liberdade do irmão de Polímnia.
A secretária despedia-se de pai e filha, mas frisou ao pai antes que ele fosse ver o filho:
_Eu preciso dizer ao senhor que a sua filha é um doce de menina. O senhor deve se orgulhar dela e ficar ao lado dela em qualquer situação. Eu sei do seu problema e a madre, no convento também. O senhor faz o que é certo perante Deus.
O homem ficou sério, mas não disse nada.
_Obrigada. Até mais ver. Boa noite e bom descanso.
Perante Deus, o assunto é sério.
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