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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Sobre a Não Escolha

Sobre a Não Escolha

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Nem tudo o que acontece na vida das pessoas se origina numa escolha pessoal, seria óbvio refletir que nenhum bebê escolhe a cidade onde irá nascer, mas a não escolha passa por outros aspectos mais complexos, e os quais exponho a seguir.

Agora vejamos ninguém escolhe as doenças que têm, desde as mais corriqueiras como o resfriado até as mais difíceis e doloridas, que todos sabemos da existência.

O que eu discuto, em pensamento, é a alteração de comportamento e de mentalidade que se origina a partir deste evento. São rotinas e conhecimentos novos que para serem cumpridos temos que abdicar de outras rotinas anteriores e de pensamentos arraigados, muitas vezes preconceituosos. Nada mais ridículo do que um bicho de pé ou mais nojento do que berne e, quantos cidadãos já passaram por algumas dessas situações, mesmo seguindo normas de higiene rigorosas. Depois fica a história de que era um dia de chuva, os pés se molharam em água de rua e, passados quinze dias, a surpresa desagradável aparece. No dia do tratamento, o descanso é obrigatório porque o desconforto faz parte do processo da cura. E nesse dia sem fazer nada pega um livro qualquer que está jogado em um canto da casa porque foi comprado, mas ninguém sequer abriu o apêndice para ler. Apêndice e apendicite tem a mesma morfologia.

A ler o livro, velhas questões pessoais são relembradas e resolvidas a partir dessa leitura. No dia seguinte, o cidadão elimina as prestações da casa própria vendendo um terreno que era seu, mas ele não tinha como fazer melhorias para aplainar a terra e construir a residência dos seus sonhos. No dia seguinte, ele conversa com o chefe e consegue a sonhada transferência para a agência bancária que fica próxima a casa dele, o que permite que ele almoce em casa e coma fruta de sobremesa. No dia seguinte ele, sem dívidas, permite que a mulher remodele o quarto do casal e nove meses depois o filho caçula se transforma em filho do meio.

Um ano depois, enquanto acorda de madrugada para acompanhar a mulher a dar de mamar enquanto ele faz um café e senta-se no sofá para esperar a mulher embalar o sono do filho, ele se lembra do dia da chuva. Foi o dia da transformação radical da sua vida, da mentalidade e da maneira de viver e enfrentar o cotidiano dali para frente.

Ele não escolheu a chuva, chuva não se escolhe, mas o filho foi bem vindo e ele está feliz. Cansado e com preguiça lembra-se do que era a sua vida antes dela. Eram trinta e oito minutos até chegar ao trabalho, almoçava no restaurante ao lado a comida caseira preparada pelo dono do restaurante, à noite preocupava-se com a tabela de financiamento, assistia o jornal na televisão e se deitava porque o dia seguinte exigiria que acordasse cedo. A mulher, igualmente, mas retocava o esmalte das unhas das mãos além de garantir a boa apresentação lavando os cabelos e fazendo uma escova simples para assentar os fios mais rebeldes. Agora, o bebê ficava com a sogra pela manhã e a sua mãe à tarde e os filhos mais velhos ficavam na creche.

Aquele livro não foi escolhido a não ser para passar o tempo do dia de molho com os pés erguidos sobre a almofada cuidadosamente colocada sobre a banqueta da cozinha em frente ao sofá. Não leu nenhum outro livro dali em diante, não gostava de ler e continuava não gostando.

A mulher aparece na sala e faz sinal de silêncio porque o bebê ressona em seus braços. É de madrugada e logo terão que acordar e sair. Bendita chuva, bendito bicho de pé, não houve escolha até o ponto de ônibus.

15 comentários:

Imaginário disse...

A pois: não é assim, quase sempre, para tantos outros fatos do cotidiano das pessoas? Já para os livros, querem todos os eventos arranjados, com tudo em seu lugar e em ordem. Então.
Um prazer ler você, Yayá.
Abraços.
Gilson.

Paulo Francisco disse...

Yayá, seus textos são seus e ponto.
Adorei este recorte, esta colcha de retalho bem costurada e traduzida.
Um beijo grande

Arnaldo Leles Ferreira disse...

Muito profundo!


Uma pilha só funciona se houver desequilíbrio nas reações, e nós aprendemos mais nos incidentes da vida caótica.
Existe no caos uma grande inteligência.

Abraços amiga!

chica disse...

Lindo e emocionante tão real esse conto!!H´as escolhas boas e más,não? LINDO! beijos,chica

Caca disse...

No fim das contas foi um processo de escolhas. Ou melhor , foi um processo decisório, onde mudar já estava fazendo-se necessário e aí é que entrou a escolha -e para melhor, diga-se. Assim que é bom, Yaya. Grande abraço. Paz e bem.

Elizabeth disse...

Hola amiga profuna, visitarte es como tomar vitaminas de belleza. Besos.

Edum@nes disse...

Pura realidade
Nenhum bebé escolher onde nascer
Para crescer precisa de liberdade
Que ninguém tem o direito de interromper!

Infelizmente assim não ser
Estão primeiro os interesses materiais
Tenho dificuldades em compreender
Por sermos governados por anormais?

Boa sexta-feira,
um abraço
Eduardo.

Filha do Rei disse...

O segredo é pedir sabedoria para termos atitudes corretas até nas não escolhas.
Parabéns pelo texto. Bjs

Cecília Romeu disse...

Yayá,
muito bom o texto.
Até as escolhas exigem sabedoria, ou principalmente nelas.
Beijos e ótimo fim de semana!

Mariangela l. Vieira - "Vida", o meu maior presente. disse...

Há sempre uma hora em nossas vidas que precisamos fazer escolhas, tomar decisões, e nunca saberemos se vamos acertar, mas contudo, sempre
tiraremos grandes lições!
Abraços,
Mariangela

silvioafonso disse...

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Moça, eu gostaria muito
que você aceitasse o
selo do meu blog como
gratidão por somar com
os meus outros amigos,
mil seguidores.

Estou honrado com a
sua presença, lá.

Um beijo de gratidão;

Palhaço Poeta








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Jose Ramon Santana Vazquez disse...

Tierno y emocionado,siempre es hermoso leerte,un abrazo.J.R.

Maria Rodrigues disse...

A vida é cheia de opções, os caminhos a percorrer podem ser bem diferentes e as escolhas são muitas, esperemos escolher sempre a certa...
Bom fim de semana
Beijinhos
Maria

mfc disse...

A não escolha excede sempre em muito a escolha!
Não pensamos é muito nisso.
Beijos,

Tati disse...

Lindo texto Yayá! Fiquei muito feliz que você apareceu lá no blog e me deu a oportunidade de conhecer o seu. O mais importante das escolhas, sejam elas pensadas ou feitas ao acaso, são a aceitação de suas consequências. Afinal, voltar no tempo é que não dá né?
Beijos
Tati