Sônia sentiu-se traída com a demissão no emprego. Em busca do sossego foi caminhar no parque e se distrair.
No parque, sentou-se em um banco para refletir sobre a dor da traição. Aproxima-se um senhor idoso e pede licença para sentar-se ao lado dela. Ela olha para ele e consente com um gesto de cabeça.
O seu Orlando se apresenta e diz que tem oitenta anos e se conserva bem com caminhadas ao ar livre. Ele conta histórias do seu passado.
_Sempre que eu encontro senhoras com o seu ar triste eu falo do jacaré engomado.
Ela sorri e se dispõe a ouvir.
_Conte-me, seu Orlando.
_Você e todas as mulheres precisam se cuidar com um tipo com o qual vocês travam amizade pensando que a mulher sofre e não reclama. Deixe-me descrevê-la: cabelos médios, tingidos no tom da cor natural e vestida sobriamente. Ela não é nem gorda e nem magra, mas você percebe que ela não se cuida porque ela usa uma blusa com a cintura marcada sobre a barriga saliente. Usa pó compacto, lápis e batom em cores neutras. Pela descrição, você percebe que ela não passa dificuldades financeiras e também não é rica. Ela tem estudos superiores, a fala mostra. Mas ela escorrega e diz muitos palavrões quando conversa longe de pessoas com as quais usa a cerimônia. Ela diz os problemas que atravessa e pergunta sutilmente se você soube de alguém que tivesse passado por tais dificuldades. Se você passou pelo o que ela passa, certamente divide com ela. Afinal, somos sofridos. Todos nós temos os nossos sofrimentos. Ela parece ser discreta, não pergunta nada da sua vida. Mas você conta mais do que precisaria. Você mantém um relacionamento amigável e a encontra a cada dois meses. No ano seguinte você perde o emprego e não imagina como isso aconteceu.
Sônia pergunta: _Como?
Orlando continua:
_O jacaré engomado sofre de fato ao engolir seus amigos. Ela fala dos problemas dela como se o problema também fosse seu, na frente dos seus amigos. Ela diz que tenta te ajudar e que você não a escuta. Ela tem tato e só a procura a cada dois meses. A essa altura, os seus colegas sabem que você come abobrinha ensopada uma vez por semana para aliviar os seus problemas de prisão de ventre. Ninguém contou de você para fazer fofoca. Um colega perguntou de você ao verdureiro na feira livre e ele contou do bem que a abobrinha dele, que é cultivada sem agrotóxicos, faz para o seu organismo. Outra colega perguntou de você e a sua manicure aproveitou e a aconselhou a usar o esmalte verde que você usa nos fins de semana. A preocupação dela com você, fez com que todos se preocupassem e sem querer devassassem a sua vida particular. Quando todos souberam do seu dia a dia, o seu chefe a demitiu porque as suas queixas estragavam o ambiente de trabalho.
_E, depois? O que aconteceu? Pergunta a Sônia ao idoso.
_O jacaré engomado fica com a sua colocação. E desfaz das pessoas que se queixam o tempo todo. Diz que você é doente e precisa de um tratamento. Você fica mal e aprende a lição. Na sua casa todos se incomodam. Você está em um emaranhado de comentários bondosos e não consegue tocar a sua vida. Ela continua freqüentando a sua casa de vez em quando. Você tem que se recusar a recebê-la usando a educação para restabelecer uma rotina provisória. Ela te chama de ingrata. Quanto mais tempo você demora a perceber o problema, mais você se incomoda.
Sônia o questiona sobre o porquê do nome de jacaré engomado.
_Um jacaré se mostra à medida que você precisa se defender dele. No caso, você sente que existe algo de errado com a sua amiga, mas não sabe o que é. À primeira vista, ela é trabalhadora, amiga, interessada em progredir com uma competição moderada. Depois ela te come e você fica sem um braço. Aí é tarde.
Orlando sabia da dor antes de estar ao lado de Sônia. A idade ensina e vê longe o suficiente para ajudar o próximo sem medo. Envelhecer pode ser bom.
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