Miniconto
Desnecessários
Eram duas amigas que se visitavam rotineiramente: Eulália e Gracinda.
Eulália entra no quarto da amiga para ver o vestido novo de voal com o qual ela irá a um casamento que será realizado de manhã com a cerimônia campestre. Sem querer, olha para o tapete e repara nas sandálias que descansam sobre ele.
_Que sandálias lindas! Você as usará para ir à cerimônia?
Gracinda diz que não:
_Também as acho lindas, mas cortam os pés. Depois de comprá-las, saí para caminhar aqui por perto, pensando desfilar com elas pelas calçadas. Bastaram duas quadras para cortarem o peito dos pés. Quando cheguei e as tirei, havia um vergão vermelho arranhando a pele e ao lavar os pés, as marcas não eram marcas, eram ferimentos. Leves, mas exigiram que eu usasse sandália de dedos por uma semana desinfetando-os todos os dias.
Eulália sugeriu que talvez os pés estivessem inchados pelo calor. Talvez, se eu as usasse com os pés desinchados, elas não a machucassem.
Gracinda ouviu o conselho da amiga e guardou as sandálias para a próxima ocasião em que estivesse disposta a arriscar arranhões.
Passados dois anos com as visitas rotineiras entre as amigas, Gracinda convidou Eulália para ver o vestido novo que comprou para a formatura do filho.
Eulália entrou no quarto da amiga e viu as sandálias.
_Conseguiu usar as sandálias?
Gracinda disse que tentou e o resultado foi um fracasso. Aquelas sandálias não eram para ela.
_Por que as têm se não as usa? Poderia doar ou vender, dar uma destinação qualquer e comprar novas. Roupas e sapatos sem uso dão a falsa sensação de que você as pode usar quando tiver vontade, mas você, em verdade, não tem. O que não se pode usar é aquilo que não se tem, disse Eulália.
Gracinda pensou e respondeu:
_Não dou ou vendo a ninguém o que me machuca, não quero que alguém se machuque sem ter que ou por que.
Passaram-se então alguns anos e, novamente, Gracinda convida a amiga para ver a estola de pele falsa, uma preciosidade de rara beleza.
As sandálias estão novamente próximas ao tapete.
_O que estas sandálias fazem por aqui ainda?
Gracinda disse que viu um modelo igual numa vitrine e veio em casa para se prover para comprar as novas sandálias e se conteve ao se lembrar daquelas sandálias. O material, o modelo novamente na moda, mas comprou outras igualmente bonitas e diferentes daquelas.
Eulália pediu as sandálias para usar. Ela usaria as sandálias por um mês inteiro e não se machucaria. A cada qual o seu caminhar, pensou.
Gracinda disse que as levasse e que não precisaria devolver, estava cansada de vê-las e sabia que não deveria comprar nada semelhante.
Passadas duas semanas, Eulália chega à casa da Gracinda com as sandálias.
_Eu disse que não precisava devolvê-las. São suas, disse Gracinda.
Eulália tira as sapatilhas e as meias. Os ferimentos estão cicatrizando:
_Eu pensei que se eu teimasse, as sandálias iriam amaciar e folgadas, não machucariam mais. Não teve jeito, consegui machucar os meus pés ao ponto de precisar ir ao médico para tratar das feridas. Se não fosse o tratamento, eu teria vindo aqui antes. Elas têm defeito de fabricação.
Gracinda riu e pediu desculpas:
_Precisavam oito anos avistando a sandália para testá-las? Você bem que poderia ter acreditado em mim. Agora você percebe o quanto fui sincera ao te falar delas, pois, agora, temos calos iguais, desnecessários para a nossa amizade.
8 comentários:
O meu tempo anda exíguo, mas agradeço a todos que passam por aqui! Um abraço, Yayá.
Belas metáforas podemos ver nesse conto...Lindo! beijos,chica
Oi, Yayá!
Belo conto!
Me instigou a refletir sobre vários aspectos!
Muita saúde e sucesso para você!
Beijos!
Lições de vida...
Beijo.
Olá Yayá, lindo conto, bem verdade isso, o que nos fere e machuca nunca devemos dar aos outros, tampouco teimar em algo que sabemos bem o resultado!
Abraços amiga, bom fim de semana!
Belísssimo texto com "imagens" que se adaptam à vida!
Beijos.
É as vezes não acreditamos nas evidências e nas verdades a nossa frente.
Adorei o conto.
Brisas e flores para você.
Bjs. Eloah
uma historia simples mas de onde se podem tirar várias ilações.
gostei!
beij
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