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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Miniconto – Desnecessários

Miniconto

Desnecessários

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Eram duas amigas que se visitavam rotineiramente: Eulália e Gracinda.

Eulália entra no quarto da amiga para ver o vestido novo de voal com o qual ela irá a um casamento que será realizado de manhã com a cerimônia campestre. Sem querer, olha para o tapete e repara nas sandálias que descansam sobre ele.

_Que sandálias lindas! Você as usará para ir à cerimônia?

Gracinda diz que não:

_Também as acho lindas, mas cortam os pés. Depois de comprá-las, saí para caminhar aqui por perto, pensando desfilar com elas pelas calçadas. Bastaram duas quadras para cortarem o peito dos pés. Quando cheguei e as tirei, havia um vergão vermelho arranhando a pele e ao lavar os pés, as marcas não eram marcas, eram ferimentos. Leves, mas exigiram que eu usasse sandália de dedos por uma semana desinfetando-os todos os dias.

Eulália sugeriu que talvez os pés estivessem inchados pelo calor. Talvez, se eu as usasse com os pés desinchados, elas não a machucassem.

Gracinda ouviu o conselho da amiga e guardou as sandálias para a próxima ocasião em que estivesse disposta a arriscar arranhões.

Passados dois anos com as visitas rotineiras entre as amigas, Gracinda convidou Eulália para ver o vestido novo que comprou para a formatura do filho.

Eulália entrou no quarto da amiga e viu as sandálias.

_Conseguiu usar as sandálias?

Gracinda disse que tentou e o resultado foi um fracasso. Aquelas sandálias não eram para ela.

_Por que as têm se não as usa? Poderia doar ou vender, dar uma destinação qualquer e comprar novas. Roupas e sapatos sem uso dão a falsa sensação de que você as pode usar quando tiver vontade, mas você, em verdade, não tem. O que não se pode usar é aquilo que não se tem, disse Eulália.

Gracinda pensou e respondeu:

_Não dou ou vendo a ninguém o que me machuca, não quero que alguém se machuque sem ter que ou por que.

Passaram-se então alguns anos e, novamente, Gracinda convida a amiga para ver a estola de pele falsa, uma preciosidade de rara beleza.

As sandálias estão novamente próximas ao tapete.

_O que estas sandálias fazem por aqui ainda?

Gracinda disse que viu um modelo igual numa vitrine e veio em casa para se prover para comprar as novas sandálias e se conteve ao se lembrar daquelas sandálias. O material, o modelo novamente na moda, mas comprou outras igualmente bonitas e diferentes daquelas.

Eulália pediu as sandálias para usar. Ela usaria as sandálias por um mês inteiro e não se machucaria. A cada qual o seu caminhar, pensou.

Gracinda disse que as levasse e que não precisaria devolver, estava cansada de vê-las e sabia que não deveria comprar nada semelhante.

Passadas duas semanas, Eulália chega à casa da Gracinda com as sandálias.

_Eu disse que não precisava devolvê-las. São suas, disse Gracinda.

Eulália tira as sapatilhas e as meias. Os ferimentos estão cicatrizando:

_Eu pensei que se eu teimasse, as sandálias iriam amaciar e folgadas, não machucariam mais. Não teve jeito, consegui machucar os meus pés ao ponto de precisar ir ao médico para tratar das feridas. Se não fosse o tratamento, eu teria vindo aqui antes. Elas têm defeito de fabricação.

Gracinda riu e pediu desculpas:

_Precisavam oito anos avistando a sandália para testá-las? Você bem que poderia ter acreditado em mim. Agora você percebe o quanto fui sincera ao te falar delas, pois, agora, temos calos iguais, desnecessários para a nossa amizade.

8 comentários:

Artes e escritas disse...

O meu tempo anda exíguo, mas agradeço a todos que passam por aqui! Um abraço, Yayá.

chica disse...

Belas metáforas podemos ver nesse conto...Lindo! beijos,chica

Jossara Bes disse...

Oi, Yayá!

Belo conto!
Me instigou a refletir sobre vários aspectos!
Muita saúde e sucesso para você!
Beijos!

Unknown disse...

Lições de vida...

Beijo.

Ivone disse...

Olá Yayá, lindo conto, bem verdade isso, o que nos fere e machuca nunca devemos dar aos outros, tampouco teimar em algo que sabemos bem o resultado!
Abraços amiga, bom fim de semana!

Mona Lisa disse...

Belísssimo texto com "imagens" que se adaptam à vida!

Beijos.

Eloah disse...

É as vezes não acreditamos nas evidências e nas verdades a nossa frente.
Adorei o conto.
Brisas e flores para você.
Bjs. Eloah

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

uma historia simples mas de onde se podem tirar várias ilações.
gostei!
beij