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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

História de Amigas. Publicado no livro : Labirintos e Palavras, da editora Guemanisse.

Amigos

Há muito tempo atrás existiu a cidade de Pardais, em algum local belo dentre as matas brasileiras. Nesta cidade existiam duas amigas inseparáveis. Turquesa, a filha do vendedor de diamantes Joaquim Dourado e Camélia, filha de Aurélio Prata, rico confeccionador de jóias. Os dois homens eram viúvos e fizeram com que as suas filhas se comportassem como se fossem irmãs de sangue e vivessem uma família no internato onde as meninas estudavam.

As outras moças do colégio, que não estudavam em regime de internato e que não eram amigas fiéis e devotadas umas às outras, sentiam ciúmes da amizade como a que aquelas moças praticavam com afeição.

Clara, uma interna do colégio religioso Santa Mãe da Igreja, soube dos ciúmes provocados pela sinceridade daquela amizade das suas vizinhas de quarto nas quadras de esporte do colégio. Ela praticava esportes diversos e sonhava ser professora de educação física e resolveu ajudar as ciumentas a afastar aquelas duas amigas.

Clara convidou Turquesa e Camélia para assistirem as competições anuais intercolegiais, onde o colégio Santa Mãe da Igreja participava em várias categorias. As amigas, que não gostavam de esportes, prometeram que compareceriam aos jogos de damas e xadrez.

Clara então combinou com as colegas que as meninas que jogariam damas e xadrez, nas horas de descanso dos torneios, se reuniriam às colegas Turquesa e Camélia. A equipe do jogo de damas apoiaria e defenderia todas as palavras de Turquesa. A equipe de xadrez, por sua vez, incentivaria a Camélia cada vez que a sua opinião fosse contrária à de Turquesa.

Começam os jogos intercolegiais. É o dia da abertura da festa. Estudantes chegam de todos os lugares da cidade. Quando as amigas chegam, as duas equipes do colégio onde estudam sorriem para elas. Ao final da solenidade de abertura as moças vão abraçar as colegas do internato.

Em meio a brincadeiras, Turquesa diz que está arrependida de não ter trazido o casaco com o emblema do colégio para mostrar que estava na torcida. Camélia disse que era melhor assim, afinal, tinham poucas oportunidades para se vestirem com roupas comuns.

_ Que pena que você não trouxe o casaco, disseram as moças do jogo de damas à Turquesa.

_ Não vemos a hora de guardarmos nossos uniformes no armário, disse a equipe de xadrez à Camélia.

As duas eram inseparáveis e resolveram que Turquesa assistiria e torceria em todos os jogos de damas e Camélia faria o mesmo em todos os jogos de xadrez.

Na saída do jogo de damas, Turquesa conheceu um jovem alto, forte, rude e com ares de ambicioso, chamado Geraldo. Conversaram e combinaram de se encontrarem em outro dia.

Igualmente, na saída do jogo de xadrez, Camélia avistou um jovem de estatura mediana, que usava óculos, com livros de filosofia nas mãos e o achou encantador. Como quem não queria nada perguntou a ele do que se tratava aquele livro em suas mãos. O nome dele era Otávio. Ficaram filosofando por duas horas seguidas.

Ambas começaram a namorar na mesma época. As amigas apresentaram-se mutuamente os respectivos namorados. Geraldo e Otávio simpatizaram imediatamente um com o outro e combinaram irem juntos aos jogos de futebol na cidade. Turquesa e Camélia exultaram ao perceber que os seus namorados seriam amigos também.

Passaram-se três anos e as amigas se casaram com Geraldo e Otávio respectivamente.

As obrigações para se manter uma casa em ordem são muitas, mas os casais se entrosavam e mantiveram o contato assíduo e camarada. As churrascadas eram feitas pelos maridos aos sábados. As duas iam às compras e ao salão de beleza enquanto os maridos estavam no estádio de futebol assistindo uma partida. Os domingos eram reservados pelos casais para as suas famílias, mães e cunhados da parte dos maridos.

Vieram os filhos. Cada casal teve duas meninas. Safira e Esmeralda, filhas de Turquesa e Geraldo. Florbela e Clarineis, filhas de Camélia e Otávio. Eram duas famílias, mas pareciam uma só. As meninas eram criadas pelos dois casais devido a constância com a qual se visitavam.

É chegada a hora das meninas irem às aulas. As mães matricularam as meninas na mesma escola. Estudaram juntas o ensino primário. Quando foram para o ginásio, as religiosas, observando o comportamento das meninas, encaminharam as filhas de Turquesa para o curso de artes e as filhas de Camélia para as práticas desportivas.

Clara ainda observava essa amizade, que agora é das famílias.

Todas as atividades das meninas são compartilhadas pelas duas famílias. As quatro mocinhas cresciam juntas. Porém, à medida que cresciam, todas as quatro ficaram anêmicas. Emagreceram demais e ficavam pálidas a olhos vistos.

Clara, ao perceber que as meninas adoeciam, decidiu ir ao colégio onde as meninas estudavam. Conversou com as coordenadoras do colégio.

Na semana seguinte, Safira e Esmeralda foram chamadas para uma conversa na sala da diretora.

Esmeralda olhou para Safira, a irmã mais velha, interrogando-a com o olhar para descobrir o que tinham feito de errado para serem chamadas à diretoria. Safira a olhou com espanto. Combinaram de ouvir tudo o que a diretora tinha a dizer e depois, em casa, conversar com a mãe. As duas se dirigiram à direção para a conversa.

_ Minhas queridas e dedicadas alunas. De hoje em diante vocês não mais conversarão com a Florbela e a Clarines dentro das dependências do colégio. Não se surpreendam. As duas irmãs virão até aqui após o término das práticas desportivas e ouvirão igualmente as minhas determinações. Vocês são amigas o suficiente para compreenderem que elas gostam de atletismo. Elas são tão amigas que entenderão que vocês gostam de artes. Ao mesmo tempo quero fazer um convite para vocês. Safira, se aceitar o convite, será monitora nas aulas de pintura em cerâmica. Esmeralda, de igual maneira, ajudará na criação das decorações das festas na escola.

As meninas gostaram dos convites e agradeceram à senhora diretora.

_ Sim, aceitamos o convite senhora diretora. E às nossas famílias, o que diremos?

A diretora já havia pensado na pergunta e na resposta.

_ As suas mães convivem desde a infância e é muito justo que sejam amigas por toda a vida. Creio que ambas as mães estejam preocupadas com vocês. Vocês estão empalidecidas e não se alimentam direito. Até as professoras comentam a saúde de vocês com cuidado. Eu tenho absoluta certeza que se vocês, cuidarem das suas novas atividades com carinho e almoçarem no colégio, logo estarão umas moças viçosas e saudáveis.

Depois da conversa com Esmeralda e Safira, a diretora chamou Florbela e Clarines. As duas irmãs ficaram temerosas quanto as suas práticas esportivas e correram à direção com os uniformes úmidos e os cabelos presos molhados do banho de chuveiro após a corrida.

A diretora riu-se e observou a preocupação das meninas.

_ Minhas queridas pequenas atletas! Chamei-as aqui para convidá-las a ajudarem a professora de educação física a orientar as meninas que tem uma tendência ao esporte desde pequenas. Vocês darão o exemplo de boa alimentação para as pequenas. Almoçarão com elas e verificarão de qual das brincadeiras elas gostam mais.

As meninas olharam uma para a outra e suspiraram aliviadas.

Ao chegar em casa, as quatro meninas conversaram com as suas mães, que imediatamente contaram tudo uma à outra. Tiveram que ceder após uma conversa na coordenação da escola. A diretora disse a elas que a vida familiar estava preservada e que as meninas conviveriam unidas nas famílias, mas as regras do colégio impunham que cada aluna fosse direcionada a aprimorar os seus talentos.

Clara soube de tudo. Ninguém que raciocine bem tenta manter um segredo numa cidade pequena. É inútil e desgastante. Clara estava feliz. Havia separado as meninas. A coordenação do colégio soube da alegria de Clara, a mentora das atitudes, e a diretora a convidou para tomarem um chá juntas.

Clara se sentiu intimidada a dar satisfações. Desde o colégio ela tenta separar aquelas duas amigas. As outras moças seguiram as suas vidas e se esqueceram do assunto. Ela não. Ela se sentia como se tivesse a obrigação de acabar com aquilo.

Parecia para a diretora que Clara conseguira o seu intento. Perguntou à Clara qual o porquê daquela obstinada peregrinação contra as amigas e obteve a sua resposta.

_ Senhora diretora, a minha obstinação não é contra a amizade de Turquesa e Camélia. É contra o ódio, contra o ressentimento. A amizade delas é nascida da ausência de mãe, é nascida pelo amor de dois homens, que, sendo viúvos, resolveram que criariam uma família para as moças. Eles custearam essa amizade. Elas se sentiram na obrigação de manter a amizade em homenagem aos pais. É a minha história que se repete. Eu estava muito mal, assim como a minha irmã e as minhas amigas estavam. Todas nós estávamos fracas. Eram quatro adultos para que nós obedecêssemos. As nossas notas escolares eram compartilhadas. Não sabíamos a quem pedir autorização dentro de casa. Éramos submissas. Quando o marido da amiga da minha mãe reprovava um passeio, minha mãe e o meu pai o proibiam. Sairíamos nós todas ou todas ficaríamos em casa. Não tínhamos a quem contestar. Tínhamos que nos rebelar contra os quatro para fazermos algo sozinha. Aí vinha a solidão da falta de apoio. A ausência de segredar com as nossas mães sem que a sua amiga soubesse e desse a sua opinião. Elas formavam uma única opinião. Elas pareciam se confessar uma com a outra. Era um juramento estúpido. Aquilo não era amor, amizade e nem algum sentimento profícuo e enobrecedor. As outras três meninas morreram. Eu fui a sobrevivente. O interessante foi que depois que as minhas colegas dessas dores morreram, eu voltei à vida. Eu me divertia. Eles, os meus pais e as minhas mães estavam tão afundados no luto pela morte das suas filhas se esqueceram de mim e eu pude nascer, criar a minha personalidade. Não precisei e nem poderia contestá-los. Todos eles eram bons. Foi terrível e não esqueço o sofrimento que passei. Turquesa e Camélia jamais se destruirão. Elas construíram um sonho onde havia um vazio. Elas vivem desse sonho. As meninas não tiveram vontade própria até hoje. Elas caminhavam conversando sobre o medo que sentiam de ter que pedir autorização para a mãe e para o pai. Os casais se achavam no direito de planejar a educação em conjunto. Algumas colegas maldosas falavam que são as heranças do Dourado e do Prata que as unem. A Turquesa e a Camélia não tomam decisões sem que uma consulte a outra. Eu sei que não são as heranças que as unem. Eu sou rica. Eu pude me meter em um assunto onde nunca fui chamada e que me prejudicou um bom tempo depois daqueles jogos estudantis. Daqui a quatro ou cinco anos elas estarão bem graças a sua ajuda, senhora diretora. De agora em diante deixarei que sigam os seus caminhos em paz, mas conto com a senhora para cuidar das meninas. Elas têm gente demais para cuidar dos seus destinos. Elas vivem o vazio existencial em toda a sua complexidade. Nenhuma das suas alunas merece mais atenção do que essas meninas. A saúde e o futuro delas está em suas mãos.

A diretora a tranqüilizou e disse que daria a atenção necessária ao caso. Pediu ao dono da confeitaria um pedaço de bolo de chocolate e o ofereceu à Clara em tom afetuoso.

_ Aceita um pedaço de bolo menina? É a diretora que oferece, preste atenção nisso.

Clara aceitou e amansou o seu coração e os seus dias daquele dia em diante.

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