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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Um Livro de Chopin


Um Livro de Chopin

     Folheio o livro com as páginas amareladas, de capa dura, na cor verde. As fotocópias precisam de retoques antes de serem impressas. Escolho o noturno.
     Não sei quanto tempo demorará para que fique "ao ponto".
     A editora é de boa qualidade.
     Na capa, o meu nome, pintado à mão com letras douradas.
     Não importa o tempo, importa o estudo.
     Significa muito porque alguém mais me compreendeu.
     "Não somos rótulos, somos pessoas".
     Desabafou como se estivesse conversando com uma amiga.
     Como amiga a ouvi.
     Todas as suas palavras eram verdadeiras, ditas com a expressão da alma.
     Éramos diferentes de gênio e postura, mas nos entendíamos bem.
     O meu elemento é água, o da mãe, era fogo, e o dela, como explicar o dela?
     Mas foi tão sincera, mesmo quando rude, mesmo quando as palavras magoavam, porque dizia o que precisava ser dito, porque muitas vezes era desacreditada naquela sinceridade.
     "Faça melhor que eu."
     Às vezes me pergunto se posso? Porque me abria os olhos para tanta hipocrisia, tanta inverdade, muita manipulação.
     A gente envelhece e o que nos é dito, fica, ajuda em todos os momentos, principalmente quando há algum tipo de amor. E havia.
     Uma vez eu a convidei para almoçar e fiz pimentão recheado, sobremesa e cafezinho para a digestão.
     Na sala, enquanto eu arrumava a mesa, ouvia as mais polidas conversas; o pai, a mãe e ela procurando serem gentis com a cozinheira e a cozinheira era eu.
     Ouvia os cochichos e ria sozinha junto às panelas:
     _Você sabe porque ela está fazendo isso?
     _Não sei, vamos esperar se há alguma novidade.
     Almoçamos. Todos muito sociais e gentis, nem parecia que era algo informal e familiar.
     Eles me olhavam com ar patético, muito mais Beethoven do que Chopin.
     Através do livro de Chopin soube que tínhamos muito a conversar.
     "Isso não pode". "Ah, se eu soubesse antes o que sei agora." E o que eu sei agora é isso, isso e mais aquilo."
     Às vezes, conversávamos tanto por telefone, que a mãe dizia que ela ligava para conversar comigo e, de fato, logo que eu passava o telefone para ela, ela desligava.
     Mas acontece o seguinte...a mãe resmungava.
     O livro de Chopin
     Há um fato nisso tudo que quero observar: quase ninguém quer conhecer ninguém de verdade, com alguma profundidade na alma.
     Ela dizia verdade inconvenientes, tipo: o mundo trata melhor quem faz escova nos cabelos.
     Certa vez, ela doente, eu e o meu irmão fomos visitá-la.
     _É uma grande senhora, disse o meu irmão. Disse tudo que eu precisava ouvir.
     Acho que foi a única vez que ela se mostrou para alguém mais.
     Mas também acho que perguntar isso ou aquilo não é conhecer o outro. Responder isso ou aquilo não faz ninguém ser melhor compreendido.
     É assim que a vida funciona, a aceitação da outra pessoa com qualidades e defeitos é o começo de uma boa conversa.
     As afinidades servem para relacionamentos com objetivos comuns, mas a convivência inclui certa complexidade de sentimentos quando esses relacionamentos são verdadeiros.
     Chopin tem essa qualidade, a de deixar fluir o que está dentro da gente.
     Voltemos às músicas. 
      

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