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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

O Homem Que Se Desconstruiu

O Homem Que Se Desconstruiu

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Foi num encontro de amigos num bar onde se vendem petiscos e quem quer toma cerveja e, quem não quer toma suco ou refrigerante. Numa daquelas pausas de conversa para as degustações das iguarias ouviu-se o homem contar da sua separação.

_Quando eu não a quis mais, eu pedi a ela que estudasse. Esperei que ela passasse no vestibular. Passou numa faculdade particular e no curso de direito. Paguei os cinco anos de estudo, mas no último ano conversei com ela e com a minha filha explicando que não mais sentia nada pela Fernanda, mas que veria a Luíza a cada quinze dias.

Os amigos silenciaram para acompanhar a mesa ao lado; pararam com o barulho dos copos e talheres para ouvir o jovem adulto de vinte e oito anos, que continuava a ouvir perguntas e dava respostas ao público do bar.

_Não me caso mais. Não tenho amantes. Deixei a casa para ela. Minha mãe cuida da minha filha para que a Fernanda se sustente.

Os amigos dele perguntaram sobre os projetos de vida dele.

_Meus projetos? Estão feitos. Comprei um apartamento de quarto e sala. Quero subir na vida e nunca mais ter que dizer a palavra nós.

Havia uma garota de shorts, vestindo meias e botas que se levantou para fazer charme e ver a reação dele.

_Não olhe para mim, garota. Não quero saber de mulheres na minha vida.

Outro amigo dele perguntou se ele descobrira algum tipo de vocação religiosa.

_Nenhuma! Deixo essas filosofias para a minha mãe.

Outro amigo, ainda, pediu a ele que contasse o que ele ainda gostaria de ter. Também disse a ele que estava entre amigos.

_Se você pensa que eu acredito em você, está iludido.

Esse homem dizia essas frases estúpidas num tom de voz polido e gentil parecendo não querer causar constrangimentos a ninguém.

Aos ouvintes da mesa ao lado parecia que aquele homem se desvencilhava de uma por uma das suas coisas.

Em toda roda há um tipo brincalhão e este comentou em tom de chiste que, ao menos, ele continuava a usar o paletó marrom, daquela cor que ele usava desde os seus vinte e três anos quando concluiu a sua graduação.

O homem tirou o paletó e deu ao amigo.

_Não preciso dele também.

Esse homem não fumava e bebia com muita parcimônia, pois havia tomado uma única cerveja naquela noite.

A turma daquela mesa se desfez e todos foram embora. Alguns combinaram de se encontrar ali no dia seguinte e convidaram os outros.

A mesa ouvinte era formada por psicólogos. Eles decidiram se reencontrar na noite seguinte para ver o desenrolar daquela situação.

Assim foi feito e na noite seguinte estavam os dois grupos no mesmo bar, comendo petiscos e conversando.

A mesa ao lado voltou a se formar. Aquele homem que usava o paletó marrom foi ao encontro da sua turma. Eles perguntaram se ele havia mudado de humor e se, por acaso houvesse, que fizesse a gentileza de ficar em companhia dos seus amigos de sempre.

_Hoje pedi demissão do meu emprego. Aceitei um convite para trabalhar noutra cidade. Vim aqui para dizer a vocês que não me tenham como amigo. Eu estou certo de que sou um bom marido, bom pai e bom funcionário, mas eu me desvencilho de qualquer pessoa ou problema quando os meus objetivos falam mais alto. Eu tenho este defeito e quero que vocês saibam dele. Até hoje não faltei com o respeito a essa amizade, mas vocês precisam saber que eu não tenho medidas para alcançar os meus objetivos.

Os psicólogos na mesa ao lado comentaram que ele encobria aquilo que de fato o incomodava e estavam prontos para reunir as mesas e tentarem uma abordagem conciliatória entre o homem, os seus problemas e os seus amigos.

O homem percebeu que outras pessoas o escutavam.

_Vim até aqui para me despedir. A bagagem está no carro e vou para o aeroporto. Embarco no penúltimo voo.

Cumprimentou e abraçou aqueles amigos e foi embora. No dia seguinte a Fernanda buscaria o carro para levar a filha até a casa da sogra e ao colégio, sabendo que dali por diante ele ligaria para a mãe dele e para a filha, entre um período que seria de quinze dias a um mês.

Soube-se depois que os amigos dele respeitaram aquela decisão e não mais o procuraram.

A Fernanda seguiu a sua carreira de advogada enquanto a filha e a sogra se tornavam grandes amigas.

Dizem que ele está bem empregado e bem de vida. Dizem também que ele mora sozinho e não se casou novamente. Dizem ainda que ele agradece à mãe dele por ajudar a criar a filha. Falam dele como se fosse um mito, alguém que se deixou desconstruir. O que se sabe é que ele mantém ligações com a mãe dele e com a filha.

Quem são aqueles que dizem dele? A mãe, a Fernanda e a Luíza. Ele não mais entrou em contato com nenhum dos seus relacionamentos anteriores. Aos psicólogos fica a pergunta e a dúvida sobre quem ele era e como se deu essa desconstrução. Até hoje ninguém sabe ao certo dizer.

3 comentários:

Célia disse...

Desconstruir-se. Desvestir-se das hipocrisias, das máscaras, do faz de conta, dos desafetos... Buscar apenas a sua essência... em doses bem menores, fiz a minha desconstrução. Toma-se um outro fôlego na vida! Compensa!!
Bj. Célia.

Unknown disse...

As pessoas casam porque se amam e desejam caminhar juntos numa construção diária.
Quando decidem o contrário ou fazer uma paragem devem ser polidos e correctos nunca prejudicando o outro mas dando-lhe todas as provas de que possam ser felizes sem eles...elas...

Lindalva disse...

Querida Yayá, bom te rever e voltar aqui para ler o texto tão profundo. Minha amiga Teu voto na segunda fase do pena de ouro foi validado. E domingo apresento os 5 semifinalista, apareça para a festa de encerramento desta fase ok? E segunda feira começa a votação da semifinal, conto novamente com tua participação. . Beijos perfumados no coração.