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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Dando Voz à Personagem / Monólogo

Dando Voz à Personagem / Monólogo

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Você vende seguro e você outra é cabeleireira e estão melhores que eu. Eu sou uma infeliz! Querem saber, não tenho dinheiro para comprar a minha comida. Ah, me olham como se eu fosse uma doidivanas! É estimulante que me vejam com esses rostos de espanto. Querem saber quem sou eu? Como cheguei a esta situação? Pois bem eu lhes conto, aliás, eu grito para que o mundo me escute. Sou professora universitária com mestrado e doutorado. Vocês pensam que se eu fosse menos, eu estaria gritando em local público?

Não cobrei aulas particulares e ganhei presentes dos alunos. Eu me visto de acordo com a cátedra, mantenho a minha apresentação e imponho a minha capacidade intelectual onde quer que eu vá. Modéstia à parte, ensino com prazer. As aulas na universidade são a minha recompensa desse meu estudo constante e desgastante, viagens, especializações, pesquisas e enfim consegui chegar à cátedra!

Viajei, paguei as contas de onde estava, aceitei os presentes dos meus alunos particulares e me perdi. Fui me perdendo sem perceber, sem sentir. Eu saía com as turmas para manter o relacionamento social aos finais de semana, espera um pouco, estou me queixando quando eu devia dizer que foram mais que merecidas estas saídas depois de uma semana envolvida com planos de aula, prática e discussões acadêmicas. Gastei, comi fora. Comer fora é uma necessidade, é impossível pensar em cozinha em dias normais. Ah, a minha casa deixei nas mãos da boa Nair, que tudo cuida para que as coisas estejam no seu lugar na hora em que eu preciso. Se eu ficasse em casa mais do que sete horas por dia, seria ótimo, mas a verdade é que eu chego, tomo o meu banho e desabo na cama com o despertador automático acionado na cabeceira.

Amo! Amo a minha vida de professora universitária, amo os meus alunos. Agora, que é desagradável que os alunos saibam que eu estou morta de fome, é. Eles me convidam para almoçar e dizem que pagam a conta. Prefiro o ovo frito da Nair a isto.

Não se preocupem comigo, colocarei as minhas finanças em dia. Peguei uma representação e ensino a Nair a cuidar do negócio, ela ganha mais e eu sou sua sócia. A Nair leva vantagem nesse negócio, ela usa uniforme. O abençoado uniforme da Nair faz com que ela use as roupas comuns nos finais de semana. Ela pouco vai ao salão de beleza se arrumar, come em casa. Na minha casa, diga-se, mas eu não interfiro na alimentação dela e a deixo que ela leve a sua marmita. Pensem comigo, algum de vocês alguma vez presenciou o seu professor levando a marmita de casa e esquentando a mesma na cantina? O dia que um deles tomar essa decisão, é porque o dito cujo sabe sobre a sua transferência, ou a deseja.

Não, não me olhem com esses rostos com aspecto imbecilizado! Eu não dou satisfações a ninguém, entretanto não quero que os alunos saibam os detalhes da minha situação. Posso perder o respeito deles. O respeito não deveria passar por constrangimentos; não deveria, mas eu me sinto constrangida de me encontrar nesta situação.

Então vocês devem estar se perguntando do motivo de estar lhes contando tudo e em pormenores. Sabem por quê? Porque eu preciso, porque eu estou me sentindo um caco e porque a qualquer hora eu posso não aguentar a barra e dizer em sala de aula tudo isso...

Desse jeito não. Eu amo todos eles e quero ensinar, falar da matéria, contar dos percalços do curso e da profissão. Eu não quero me colocar em discussão em sala de aula.

Atenção: estou esgotada, sem dinheiro e me resolvendo porque eu não sou uma mulher que deixa para depois os seus problemas. Consegui empréstimo e paguei as contas atrasadas, vou comer na casa de algum conhecido por dois ou mais meses. Mas, que saio do buraco, saio.

Vou indo. Pensam que vou dizer aquela frase: por favor, não comentem. Estão enganados! Podem comentar à vontade. Não mais os verei, vocês jamais serão meus colegas, meus alunos... E a minha dor foi embora. Estou livre para continuar, aliviada dessa opressão silenciosa e recatada a que me imponho. Ninguém me impõe nada, se eu sou de bom trato é porque quero.

Fiquem bem, meus anônimos amigos, fiquem bem.

12 comentários:

Paulo Francisco disse...

Um grito de toda a classe!
Um beijo

Maria Lucia (Centelha) disse...

Muito interessante o teu texto, escrito assim, na peimeira pessoa. Talvez você tenha doado a sua voz, ou a tua escrita a muitos que te leem nessa hora. E, creia, prestou , então, um grande favor. Além do que, me fez lembrar aqueles diários que muitos de nós , tínhamos na adolescência. Eu mesma tive um.
Muito bem escrito, onde senti ao lê-lo, uma emoção, da autora, e de todas as emoções que nele se encontraram.

Bom vir aqui.

Beijinhos da Lu...

Vera Lúcia disse...

Olá Yayá,

Espetáculo de monólogo!
Um insurgimento bem oportuno quanto à desvalorização de uma categoria de vital importância para a educação.

Obrigada pelas palavras que deixou em meu recanto.

Desejo-lhe também um dia das mães
festivo e abençoado. Um abraço especial a você e a todas as mães
que fazem parte de sua família.

Beijos.

Felisberto T. Nagata disse...

Olá! Bom dia!
Tudo bem?
...que emocionante texto/monólogo...emprestou todo seu grito de clamor, por uma classe deveras injustiçada neste país, que tem governantes que não fazem nada para melhor estas condições!Parabéns!
Me emocionou!
Obrigado pelo carinho da visita
Boa quarta!
beijos com carinho!

Al Reiffer disse...

Bastante interessante teu blog, vou acompanhar.

chica disse...

E tenho certeza,tantas outras professoras se uniriam à ti nesse grito e desabafo!

Feliz Dia das Mães, beijos,chica

Anônimo disse...

bellisimo post!
gracias por seguir mi blog!
lidia-la escriba


blog actualizado,pasa te invito a comentar!

Ivone disse...

Yayá, lindo texto, monólogo do grito preso na garganta dos profissionais do ensino, depois de nossos pais eles são os que nos guiam pela vida!
Conheço muitos professores que são meus amigos muito queridos,pois participei por muitos anos como Presidenta (por votos)da APM (Associação de Pais e Mestres)de uma exemplar escola pública onde meus filhos estudaram, pois mesmo com salarios irrisórios eles nunca deixaram de cumprir por amor a profissão os deveres de educadores!
Lindo post, me emocionou!
Abraços amiga querida.
Ivone

aluap disse...

Este texto/monólogo inspirado no cotidiano de tantas professoras merece palmas, muitas palmas.
Algumas vezes penso que há por aí blogues com textos tão bem escritos, melhores de ler que muitos livros. O seu blog é um deles Yayá.

@té breve ;0)

Edum@nes disse...

História interessante
Não ser doidivanas
Ser sim boa gente
Professora não enganas
Universitária com mestrado
Pensam que se eu fosse menos
Estaria aqui em publico gritando!

Boa noite para você,
um abraço
Eduardo.

AFRICA EM POESIA disse...

Lindo o que eu li
um beijo e continua a deixar bons momentos


beijinhos

Francisco Coimbra disse...

Yayá,
Que coisa maravilhosa seu nome!
Beijos