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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Menção Honrosa/ Carta Literária/Editora Guemanisse

Carta da psicóloga.

Curitiba, 04 de setembro de 2010.

Prezado casal Vicentino e Celeste,

Aonde o mundo vai com tanta pressa? Ao trabalho, trabalho e mais trabalho. É tocar o despertador bem cedo, arrumar as camas enquanto a cafeteira faz o café, tomar uma ducha, levar os filhos à escola e ir ao trabalho. O ambiente de trabalho às vezes é competitivo e é melhor mostrar a competência e o serviço. É preciso também que o ambiente seja cordial entre os colegas e controlar o celular evitando os assuntos particulares. Casa é casa e trabalho é trabalho.

Terminar o dia de trabalho e, ao voltar para casa, depois de pegar as crianças na casa da mãe ou da sogra, preparar algo para comer e depois colocar a louça na máquina de lavar louças. Colocar as crianças para dormir. Reveza-se um dia para conversar com as crianças e outro com o marido.

Terminado o dia é vestir o pijama e cair na cama para dormir como uma pedra. Os lençóis e o cobertor amanhecerão intactos. O cansaço é tanto que você dorme e não se mexe. O casamento acabará no ano que vem, mas por enquanto vocês dormem juntos, ou melhor, roncam de mãos dadas.

Chega o fim do mês. Vocês, o casal não conversou. Ela comprou um creme anti-rugas de uma vizinha e ele comprou uns pneus esportivos para o carro. O marido fica pálido e a mulher financia no cartão de crédito. Confraternização entre pais, professores e alunos na escola. No mesmo dia do aniversário da mãe dele. Ela vai ao salão, ele cuida das crianças. Ela se sente culpada porque gostaria de dar mais atenção aos filhos. Ele se sente ausente da família. Eles crescem e vocês não vêem. Não tem importância, daqui a pouco a correria será da família inteira.

O pai dela fica doente, doença não tem hora. Quando o casal volta para casa, o filho, que ficou assistindo televisão enquanto os pais saíram, conta que encontrou uma mancha de mofo nos armários. Como foi que o seu filho encontrou uma mancha de mofo no armário de madrugada? Vocês descobrem pulgas atrás das orelhas. Vocês se dão conta que o apartamento não está arejado e será necessária uma limpeza profunda para arejar o ambiente. A tarefa fica para o próximo fim de semana.

Vocês transformariam a sua casa em uma linha de montagem japonesa com padrão de excelência máxima se, o menino não continuasse assistindo a televisão até altas horas da noite e em conseqüência disso, não estivesse em recuperação. Nada aborrece mais do que filhos em recuperação escolar. O creme e os pneus já estão pagos e nada mais correto do que pagar uma professora particular e ajudar o filho nos estudos. Agora vocês estão exaustos e começam a discutir.

Ele reclama do churrasco que não comeu e ela da confeitaria, do cinema. Se vocês não fizeram sexo até agora, esqueçam! Formem um lar sem sexo. Isso não existe? Pensaram na separação?

Enquanto redijo, penso que eu também preciso descansar. Venham ao meu consultório e façam uma terapia de casais. Eu ajeito a situação de vocês. Pensem naquilo que vocês passaram durante o ano. Ninguém traiu ninguém? O cansaço não deixou? Ótimo.

A essa altura vocês já estão com raiva de mim. Como eu sei? Cansados, irritados, com uma agenda de lazer obrigatória, as conversas se resumindo em contas, compras e ajustes financeiros.

Eu nem sei como é que vocês se agüentam! Vocês se cobram demais. Não há dinheiro que pague esta dívida. Uma dívida de uma vida coerente e mal vivida.

Uma família que vai ao jardim zoológico e pára a fim de tomar um sorvete vive melhor do que vocês. É uma sensação enganosa essa a de que tudo está bem e vocês é que estão mal.

Eu não posso julgar a organização que vocês criaram, mas uma família não é uma empresa. É lógico que as contas têm que ser pagas e, o estudo é o maior patrimônio que os filhos recebem. Uma casa limpa dá prazer de morar.

Pela análise que eu faço agora, parece-me que vocês dão prioridade às coisas, quando a prioridade deveria ser o bem estar de vocês. O trabalho é necessário e as regras da empresa devem ser seguidas. O fim de tarde é que pode ser mais bonito. Se as crianças estão com uma das sogras, por que motivo vocês não pagam um cinema ou um lanche para a mãe ou a sogra e os filhos? Saiam para namorar à tardinha! A impressão é que vocês conseguiram, com muito esforço e dedicação, fazer do estresse uma norma de vida.

O estresse desestrutura, cria doenças e, por fim, tira o emprego.

Estou dizendo inconveniências? Eu cuido da vida dos outros e não cuido da minha? Lamento dizer, mas o raciocínio de vocês está errado. Uma psicóloga também se estressa. Vocês sabem o que é lidar com pessoas com problemas emocionais o dia inteiro? Estudar e se aprimorar para melhor atender os pacientes?

Vou contar uma experiência particular. Houve uma época em que estudei e trabalhei, e dei o melhor de mim. Venci! Num primeiro momento, eu venci. Depois os fatos se sucederam como digo. Fui ao banco e, já na agência, percebi que havia deixado o cartão do banco em casa. Voltei para casa e lembrei-me da comida congelada que eu havia comprado pela manhã. O cartão do banco estava no congelador. Tirei o cartão do congelador e o coloquei em cima da cama pensando que o havia colocado na bolsa. Fui ao banheiro e saí. Cheguei ao banco sem cartão novamente. Fingi que fazia uma operação sem cartão. Sorri para o funcionário e saí.

Esqueci o comprovante do estacionamento junto ao caixa eletrônico, mas não voltei ao banco para pegá-lo. Tive que mostrar os meus documentos e os documentos do veículo para pegar o automóvel. Voltei para casa, descongelei o almoço e senti que algo estava errado. A minha secretária, que sempre me avisava da agenda vespertina à uma hora da tarde, naquele dia não me ligou.

Almocei, escovei os dentes e, pronta para sair, fui verificar se o meu telefone celular estava com a bateria carregada. O meu celular não estava na bolsa. Eu o tinha esquecido no carro. Desesperada, eu me apliquei alguns testes de coordenação motora pensando que talvez eu estivesse próxima a uma crise isquêmica. Mas, se eu estivesse com uma crise isquêmica, eu teria passado mal e não teria chamado ninguém porque eu estava sem telefone. Foi nesse momento que eu me permiti sentar no sofá e me perguntar onde errava. Não era erro, era estresse. Eu, psicóloga, estressada e sem condições de atender ninguém. Tirei férias e transferi os meus pacientes para um colega durante um prazo determinado. Fiz passeios simples e ocupei o meu tempo com o bom ócio, ou seja, li livros e visitei pastelarias, comi frutas com calma, saboreando cada mordida e deitei na hora em que o sono vinha independente das marcas do relógio.

Espero ter respondido às suas indagações. Aguardo a sua visita.

Respeitosamente, Dra. Rejane kalos.

26 comentários:

Mery disse...

Ótimo texto, é estressante a vida, o dia a dia de um casal que tem que dar conta de inúmeros afazeres e não sobra tempo para eles se harmonizarem.
Bom, coisas da psicóloga, ouve todos os dias no consultório imensas histórias...como essa.
Amiga, beijos pra ti.Obrigada pela visita, lá no meu canto.
Mery/ do Rio de Janeiro

MA FERREIRA disse...

Bacana ... pra se pensar o tanto que deixamos de aproveitar os bons momentos que a vida pode nos proporcionar..
vivemos mecanicamente..ou melhor..sobrevivemos..

Um lindo dia a vc!

Bj

Ma

Severa Cabral(escritora) disse...

Vc é surpreendente quando nos deixa textos para reflertimos...aplausos...
Bjsssssssssss

Eliane Accioly disse...

Muito verdadeira a Carta Literária.
Como a gente corre!!!!!!!!!!!!

Bípede Falante disse...

O motocontínuo é devastador. É difícil escapar. Mas não é impossível.
Beijo.

Maria selma disse...

Amiga,um belo texto de uma vida extressante,mas também com muitas tarefas ao mesmo tempo,acho que eu enlouqueceria....acho que trabalhar é bom mas não se extressar ,a vida é curta e devemos tambem aproveitar e ir devagar....hoje na outra casa tem chá da tarde,convido você para um cházinho,mesmo sendo virtual,espero por sua visita,beijo
http://selmaris.blogspot.com/

Maria selma disse...

Oi amiga amei sua visita no Chá da tarde,beijos volte sempre,beijos

Anônimo disse...

Muito bom o texto.Para refletir se vale a pena viver assim, afinal não chega-se muito longe estressados.

Beijo

NEL SANTOS disse...

Que ótima reflexão este texto nos traz!Vivemos mesmo em alta rotação... Chega um momento que se torna vital desacelerar, senão...

Estava com saudade. Finalmente meu computador foi arrumado!Estou feliz!

Grande abraço, Yayá!!!

Lola disse...

Hola cielo gracias por tu visita
Me gusta muchos los videos que tienes puesto
guau, es increíble la carta, me ha encantado, tengo la piel de gallina es impresionante como describe todo este camino, pues realmente es como si se hubiese metido en cada una de nosotras

Célia disse...

Ligamo-nos em uma tomada e nos achamos autosuficientes. Esquecemo-nos de viver tão somente. Um passo de cada vez. Não esperar pelo epitáfio. Fazer acontecer hoje.
Abraço, Célia.

Lídia Borges disse...

A instituição família está seriamente ameaçada pelo absurdo de uma vida vazia, sempre à espera de ser vivida.
Dizemos - é amanhã!... Mas cada amanhá se torna mais igual ao hoje e o que é primordial passa a secundário.
Vive-se tão depressa que não há tempo para se viver.

Belo texto!

JR disse...

Fiquei sem fôlego. Muito bom.

Unknown disse...

Um verdadeiro documento para ler e encaixar. Isto acontece a todos e ninguém é tão poderoso que uma situação deste género não lhe toque.

Penso que no final de cada dia cada um deverá fazer o seu exame de consciência e ao mesmo tempo falarem entre si. Ouvirem bem os filhos com os ouvidos mas também com os olhos.

Se todos os dias se fizer amor com as palavras e com o olhar o barco aguenta e segue o rumo.
A família é importante demais para ser esquecida pelo emprego ou pelos negócios.
Saber viver.

Maíra Cintra disse...

Oi! Parabéns pelo blog, estou te seguindo.
Obrigada pela visita ao meu cantinho!
Beijos

Tempestade disse...

A vida castiga quem não sabe aproveitá-la. A rotina destrói.
Ótimo texto.

Mais o melhor de tudo foi tua visita. =D

obrigada
super beijo

Nina

Sonia B. Afonso disse...

Oi noto que é uma seguidora do Window of dreams e agradeço pela presença,hoje venho pedir para que contribua com um voto no Ostra da poesia nesse Link, para que minha poesia consiga o 5º Pena de Ouro.
Obrigada abraços conto com você http://ostra-da-poesia-as-perolas.blogspot.com/

Caso quizer nao precisa aceitar o comentario.
Ate mais

Lena disse...

Yayá
Quando a gente liga a vida no piloto automático, as coisas e as pessoas não são percebidas na sua integralidade. Viver a 1.000km por hora não é viver, é somente dar bom dia para o estresse.
bjkas, linda!!!

Aclim disse...

Rotina, fazer o que, trocar de vida, de marido?
A rotina retorna e talvez não seja tão boa qto a outra.

Abraço

Valéria lima disse...

A vida como ela é - infelizmente.

BeijooO' querida. Um texto e tanto.

Manuela Freitas disse...

Texto realmente muito bom...os anos passam e o stress sempre presente, é uma segunda pele...até em férias ele não nos deixa...coisa absurda!...
Beijos,
Manú

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Sempre ouvi: "casa de ferreiro, espeto de pau"...mas até que não, no caso da Psicóloga...Simples, assim, é só "não esquentar"...
Usar a regra do "Amor, por Anexim"....

Yayá, demoro a vir aqui mas, quando venho, ponho a leitura de suas escritas, escritas "em dia"...

Beijinhos,
Lúcia

Moisés de Carvalho disse...

Essa carta traçou a geometria do que somos...

um beijo,querida !

Evanir disse...

Com enorme carinho
agradeço de coração por compartilhar
momentos tão agradaveis e tão importantes para mim.
Certamente vera essa mensagem em outros blogs
mais isso é tudo que posso fazer hoje.
E jamais vou deixar de agradecer a bondade
de estar sempre no meu blog acariciando meu corção.
Agradeço e reconheço que Deus nunca nos deixa sozinho.
Um beijo no coração,Evanir.

Peônia disse...

Texto realista. Infelizmente na vida hodierna vivemos 90% do tempo assim.

Beijo flor!

Vera Lúcia disse...

Excelente a carta.
Gostei muito. A situação estressante da vida diária foi traduzida com detalhes enriquecedores.
Beijo.