Rio de Janeiro

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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Crônica

clip_image002Senhor Diretor da Revista Pitorescus

Eu, Honório Lápis, empregado desta empresa, fui até a cidade de Copis, meu campo de trabalho, acompanhado pelo motorista, que dirigia o carro da Revista, a fim de estudar o estranho comportamento dos cidadãos daquela cidade.

Cheguei ao hotel da cidade por volta do meio-dia na data de treze de dezembro. O hotel Pitorescus, o único da cidade, é simples e confortável com televisão, frigobar e som ambiente no quarto. Senti o clima que enfrentaria ao preencher a ficha de entrada no hotel. Os recepcionistas falavam apenas o suficiente para atender os hóspedes. Não conversaram, não perguntaram de onde eu vinha. Pediram os meus documentos para verificar a veracidade do contido na ficha. Perguntei sobre os pontos turísticos da cidade e eles me disseram para ir à outra cidade, que ficava a cem quilômetros dali.

Instalei-me no quarto reservado, tomei banho e saí para conhecer a cidade e almoçar em um restaurante. Passei na sorveteria ao lado do hotel e lá obtive o nome e o endereço dos três restaurantes da cidade: Bom Garfo, Gourmet e Sirva-se. Optei pelo Bom Garfo, uma churrascaria rodízio. Pensei encontrar nesse lugar a classe média do local. Restaurante cheio. Comida boa. Fui bem servido em uma mesa co dois lugares. Aceitei o café depois do almoço. Fui bem servido e muito bem isolado. Eu agradeci na saída, pelo bom atendimento e elogiei a qualidade da comida. Muito saborosa, diga-se. Eles sorriram e se entreolharam. Não abriram a boca.

Pensei ter escolhido o lugar errado. Aproveitando para caminhar e ajudar a minha digestão, saí em busca de algo para comprar, também uma desculpa para conversar com os vendedores e vendedoras da cidade.

_Desculpe, não temos o artigo no momento.

Não consegui começar um, um diálogo sequer. Uma cidade sem guarda-chuvas! Pensei na possibilidade de eu ter me transformado em um extraterrestre antes de entrar na cidade. Resolvi me beliscar... A dor era incrivelmente humana.

Passei em frente à igreja. Missa às dezessete horas. Igreja lotada. Por mais que eu sorrisse com ares de indulgência, não fui digno de que um vizinho de banco me desejasse um pouco de paz. Pelo bem da verdade, os meus vizinhos de banco sequer me olharam.

Voltei ao hotel aborrecido, mas concatenei uma estratégia. Fiz um lanche rápido e avisei a portaria que, se alguém me procurasse, eu estaria na praça tomando um ar fresco e lendo um livro.

Saí munido de câmera com microfone embutido e um livro lido pela metade nas mãos. Caminhei cinco quadras até chegar ao meu destino. Ruas vazias, luzes fracas, barulho de cigarras e grilos nos jardins das casas. Sentei-me na lateral do banco de três lugares, de madeira, pintado de branco.

Oito e meia horas da noite. Solidão. Resisto à tentação de voltar ao hotel. Concentro-me na leitura.

Nove horas da noite. Avisto um homem vindo em minha direção. Parece um bom sujeito. Vestia calça social, sapatos esportivos e camisa social de mangas curtas. Eu me animo. Finalmente conseguiria uma entrevista.

Ele se aproxima, eu digo boa noite.

_ Moço, a cidade tem dono. Temos o nosso modo de viver e não gostamos de estranhos. Gostamos menos ainda de gente como o senhor, empregado de revista. Quem manda aqui é o “Seu Napoleão”. Ele organiza tudo por aqui. Ele quer o moço fora, bem longe daqui. Veja que ele é bom, ele está avisando.

Vim embora. Trinta e cinco mil pessoas que aceitam e se submetem ao comando de um fazendeiro, empresário, chefe político e se duvidar, dono de todos os parafusos da cidade.

Diante do exposto, o motivo de uma matéria sem entrevistas.

Respeitosamente,

Honório Lápis.

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