Rio de Janeiro

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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

sábado, 25 de setembro de 2010

Dualidade, um poema dividido.

 

Nova Galé

Dualidade

Um oceano nos separa.

A dor presente, tão distante,

Do quebrantado escancara

O sofrimento. Num instante

A marejada vem e ampara.

O amanhã vem adiante

Configurado e repara,

Desconcertado e conflitante,

Repartição do ser que para

Em um passado, inconstante.

Depois do mar, do amor para

Com o presente confiante,

Uma unidade então compara

O enfadamento elegante

À divisão feita de apara.

Ressurgimento em um mirante

Superior, n’outra seara

Originado. Navegante

De outras galés, uma antepara

A uma abertura consoante.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Dedicado à minha mãe: Memórias de Dona Sinhá.

bruxas

                Memórias de Dona Sinhá.

Dona Sinhá é uma senhora já idosa e mora com uma a filha caçula na cidade de São Paulo. Aos oitenta anos e com alguns problemas de saúde precisa de companhia. Ela gosta de contar histórias a todas as pessoas que fazem companhia a ela.

A filha a ouve com atenção tentando separar o que é verdade daquilo que é da idade. Dona Sinhá não se cansa de falar da juventude, mas ultimamente conta muito da infância, do pai, da mãe, da época dos anos 40.

_Filha, o seu avô era funcionário da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos na era Vargas, que era também a época da Segunda Guerra Mundial. O seu avô foi transferido para uma pequena cidade no sul do país. O nome da cidade ela não queria lembrar e não contava a ninguém. Era uma cidade pequena e moderna para a época e tinha até cinema, ela dizia. Papai gostou do cinema e assistíamos as notícias antes do filme começar. Eu e minha irmã víamos as notícias da guerra e da capital do país, o Rio de Janeiro. O jornal antes do filme durava meia hora e causava desespero para nós duas.

A filha senta-se ao lado da mãe e deixa que ela conte a sua história.

_ No sul do Brasil as cidades, em sua grande maioria eram habitadas por imigrantes de diversas etnias, muitos fugidos da guerra. O governo Vargas cuidava para que as diversas etnias convivessem em paz nos tempos da guerra. Uma época conturbada com a coluna Prestes, os integralistas de Plínio Salgado e, o medo do racionamento. Eu digo com orgulho que papai nunca violou uma correspondência. Papai foi um homem boníssimo, mamãe, uma exímia pianista. O prefeito da cidade era adepto de Carlos Lacerda. O delegado era amigo dos donos de cassinos. O jogo corria solto. Papai nos proibia de falar em política.

A filha pede à mãe que continue. A mãe não se faz de rogada e continua o assunto:

_Uma vez, houve uma peça de teatro da escola onde nós não estudávamos. Eu e a minha irmã soubemos no dia seguinte que papai havia assistido à peça e, quando fomos à escola, as nossas colegas nos contaram. Protestamos junto à mamãe. Mamãe pediu que o papai nos levasse assistir a peça. Ele nos levou. Estava contrariado. Lembro que ele segurava as nossas mãos com desânimo e no rosto dele havia um semblante triste.

A filha, querendo animar a conversa, perguntou se ela tinha gostado da peça de teatro.

_Não gostei. A bruxa era má. Disse isso e, caiu em prantos.

A filha pede desculpas à mãe e pergunta o motivo de tanto choro.

_A bruxa era muito má minha filha. A peça teve um final ruim. A bruxa não amava ninguém. Era um teatro de fantoches com uma bruxa, uma boneca de porcelana chinesa, um homem e uma mulher e vários meninos e meninas. A bruxa deixava a moça e o moço isolados, até que um precisasse da ajuda do outro. Eles acabavam casando. A bruxa ria. O primeiro ato acabou. No segundo ato, a bruxa colocou a boneca sob o seu comando interferindo nas tomadas de decisão de um casal casado há muito tempo. As intrigas e os mal entendidos entre o casal cresciam e eles se separavam. A bruxa riu de novo. O segundo ato acabou. Eu odiei a bruxa porque o papai e mamãe viviam bem e eu não queria nenhuma boneca separando eles.

Os olhos da filha de dona Sinhá ficaram marejados de lágrimas. A idosa lembra o teatro e não se deixa interromper.

_No terceiro ato, a bruxa fez um menino aceitar um saco de dinheiro.

A filha, surpresa, pede que a mãe conte o terceiro ato.

_O menino era bom e honesto. Não aceitava dinheiro de estranhos assim como a mamãe nos ensinou. A bruxa pediu aos amigos dele que o fizesse aceitar o saco de dinheiro. O menino disse aos amigos que não. A bruxa ensinou um truque aos amigos dele e disse que era para o bem do amigo. Eles fizeram uma roda e quando o menino passou, os amigos o fizeram rodar como um pião até que ele ficou tonto e caiu. Enquanto o menino se recuperava da tontura com os olhos fechados, os amigos colocaram o saco de dinheiro nos braços dele e saíram correndo. Quando o menino melhora, ele percebe o saco de dinheiro nos seus braços. O menino pega o dinheiro e o dá para a cidade. Ele não ficou com o dinheiro que não era dele. Estava visivelmente machucado. A bruxa riu bastante aquela risada malévola típica de bruxa.

A filha ouve e se revolta. Era inaceitável que as crianças tivessem sido expostas a isso.

_ “Que cidade lamentável”, disse a filha.

Dona Sinhá, alheia ao que a filha dizia, prosseguiu:

_Voltamos para casa, tristes. Foram tantas as maldades da bruxa. Mamãe nos proibiu de voltar àquele teatro. Papai pediu que mamãe o proibisse também e ela assim o fez.

Dona Sinhá estava com vontade de falar e terminou a sua história:

_Mamãe era um doce e papai, um bom funcionário público. A cidade tinha escolas boas, sorveterias, cinema e clube, ouvíamos a rádio todas as noites, depois do blecaute. Um dia, porém, papai não se aguentou e se exaltou com um homem que ele encontrou na saída do cinema. O homem dizia que ali nasceria um novo país, um país moderno feito por gente estrangeira. Papai ficou vermelho e disse ao homem que ele era um covarde e um traidor da pátria dele. A nacionalidade dele não te interessa. Digo o que uma mãe deve dizer. Mandou o homem para a guerra e disse para que ele não mais tentasse o cooptar para ajudar um país estrangeiro. Naquele dia o papai nos levou para casa discursando sobre o Brasil. Os moradores do Brasil eram brasileiros e não importava a cor, a raça, ou a origem de nacionalidade. Falou contra os extremistas, pediu que nunca aderíssemos a essas coisas. Foi uma das poucas vezes que vi o papai assim, angustiado com a realidade. Ela não esquecia a frase do pai:

     _A gente agradece ao país que dá o nosso sustento.

Dona Sinhá pede um copo com água. A sua boca está seca de tanto contar história.

A filha sorri do esquecimento de ambas. Quando ela voltou com a água, pareceu a ela que a sua mãe mudava de assunto. A Dona Sinhá toma um gole e pede para que a filha estude.

_Filha, se houver outra guerra, esteja ao lado dos brasileiros. Porém, se houver outra ditadura, não confie em ninguém. Éramos todos unidos, a cidade perfeita, mas à custa da ideologia do medo. Eu não quero isso para você.

A filha beija o rosto da mãe com carinho e depois agradece por morar em São Paulo, apesar de todos os problemas que existem lá.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O apresentador O céu.

O SOL SE PÕE

_Neste momento solene entra para a história do Brasil o senhor Antonio, o honesto. Esse é o seu apelido de hoje em diante. Um homem honrado que cumpriu com o seu dever de filho, irmão, marido e pai. Um homem que ensinou a acreditar na vontade do Todo Poderoso. Mas acima de tudo, Senhor Antonio, o senhor conseguiu permanecer vivo após um período da sua morte física. É assim que os homens entram para a história e, ninguém o esquece. A sua honestidade agride aos infames. A sua identificação com Cândido, de Voltaire, jamais será esquecida.

_O senhor saiba que a sua família lhe presta homenagens e agradecimentos. O senhor os ensinou a dignidade na pobreza e a humildade nos dias fartos. O senhor os ensinou a não dormirem quando o direito não os puder defender. Se o elogio em boca própria é vitupério, o silenciar diante da causa mal versada é ignonímia. A sua família o defende com a própria vida, se for o caso. Eles não fogem, eles enfrentam ponto por ponto e adversário por adversário com argumentos. Parece que o senhor os ensinou a procurar os estudos e os filósofos muito os ajudam.

_O senhor partiu daquela vida do planeta terra com dignidade. O senhor os ensinou a não desperdiçar água. A água refaz a natureza sem o auxílio do homem. Uma grande verdade. Água é vida. O senhor conversava sobre a água com o seu sogro. Se houver água e cimento, a água destrói o cimento e transborda em vida.

_No dia em que o senhor veio até aqui, foi bem recomendado pelo pároco da sua igreja. Ele soube dar valor às conversas na sua casa. O seu espiritualismo também era observado. As dádivas que recebeu. Colocar as crianças para dormir foi uma das suas delícias, cantar e beijar a testa dos filhos. Eu poderia falar dos jogos de futebol e do pobre rádio de válvulas que o escutava, mas aqui o futebol é irmão.

_Senhor Antonio, neste momento o céu o presenteia com uma tela para que o senhor comente os seus bons momentos para com os viventes de lá. A sua missão está cumprida. O senhor é história. O senhor foi honesto, digno e honrado no trato com as pessoas que nem sempre retribuíram a sua afeição. Mas é amado por muitos, certeza nossa e dos que aqui confraternizam esse momento.

_Aceite as nossas honras, amado Antonio.

Conto publicado no livro Labirinto e Palavras: Vale Verde

VALE VERDEVale Verde

Vale Verde é um Reino distante do tempo da Renascença. Nesse reino existia a cidade de Ourópolis, onde o governador era eleito pela “Aclamação Popular” que acontecia de dez em dez anos. No mês dedicado às colheitas, eram feitas as assembléias e escolhidos os representantes do executivo e dos seus secretários. Os poderes legislativos e judiciários ficavam sob a responsabilidade do Rei. A palavra democracia no fim da idade média e antes da Renascença era uma palavra perigosa, podia acabar em fogueira para quem a proferisse. Aliás a fogueira irritava tanto os seus habitantes que motivou a Renascença. O Rei não se sabia quem era, mas o respeitavam como se respeita o desconhecido, sem se saber se ele é merecedor do respeito. O povo o chamava carinhosamente de “Rei Sombrinha” pelo fato de o desconhecerem.

O governador Honório Jumento tinha duas orelhas enormes, e nada se passava na corte ou fora dela que ele não soubesse. Descobriu através das suas orelhas que alguns dos seus secretários urdiam junto ao Rei a substituição do seu nome para a “Aclamação Popular” (eleições do tempo de não sei quando). Eles queriam se lançar ao governo e, a recondução de Jumento ao cargo de governador, apoiado por Vossa Majestade, terminava com o plano de outras candidaturas.

Jumento sabia de cor e salteado os interesses do rei, dos súditos, dos secretários e da população. As suas orelhas não falhavam. Estudou a questão. Ele próprio pediu ao rei que os seus secretários pudessem se candidatar; eram todos amigos e seguiam a cartilha do reino. O rei assentiu na proposta. Pediu a permissão para falar aos súditos e obteve a concordância de Vossa Majestade. Avisou que iria fazer um comunicado à população e fez um pronunciamento na varanda do seu palácio para a multidão (naquele tempo mil e quinhentas pessoas era uma multidão).

_ Respeitados Súditos. A próxima Aclamação Popular do Reino de Vale Verde está próxima. Será na última manhã de colheita após a lua cheia do inverno. Faltam oito luas para chegar o grande dia. Se, por ventura, os amados súditos de Vossa Majestade, o Rei, me reconduzirem ao governo, conduzirão novos secretários que junto comigo concorrem neste pleito. Estou consciente que, após dez anos de governo, se faz necessário mudar as diretrizes. Alguns dos meus secretários se lançarão a candidatos de governo e junto com eles irá parte do secretariado atual. É chegada a hora do julgamento dos integrantes do meu governo e de mim próprio. Que vença aquele que teve menos falhas na condução da sua pasta. No entanto, se aprovaram o meu governo como um “todo”, agradeço ser reconduzido para o lugar que amo. Agradeço e encerro a audiência pública. Agradeço a presença de todos, mesmo sendo obrigatória.

No meio do povo, que está lá embaixo, além das gramíneas do palácio, alguns moradores da cidade tecem comentários.

José, o fabricante de ferraduras e selas para cavalos diz ao Terêncio, fabricante de velas e lamparinas:

_Quem será que se queixou dos secretários? Quem reclamou do governo? O governo muda, mas o rei é o mesmo.

Terêncio retrucou:

Eu é que não sou burro para reclamar do Sr. Jumento. O governo é que permite o comércio. Às vezes, até financia.

Os cavalos, as éguas, os jegues e as mulas, que estavam estacionados no pátio do palácio esperando os seus respectivos donos, ergueram uma das patas dianteiras, olharam bem para o conforto que a ferradura proporcionava ao casco e relincharam e zurraram, todos concordando com o José e o Terêncio, que se sentiram prestigiados. Cada animal valia um voto a mais para o dono.

Estavam lá a Ernestina, a fabricante de jóias na cidade e a dona Severa, proprietária da maior e melhor escola da região.

_ Severa, minha dileta amiga, eu jamais tive interesse em assuntos de política, mas se eu tivesse a oportunidade de trabalhar na Secretaria das Minas e Energia, eu faria todo o possível para baratear o custo do ouro.

_ Ernestina, querida amiga, eu aproveitarei o pronunciamento do senhor governador para incentivar debates e palestras na escola. Dos debates surgirão os novos líderes e, da minha escola sairão os futuros secretários, daqui a dez anos. Eu mantenho um relacionamento profícuo com a Secretaria de Educação e Cultura para aprimorar a escola nos moldes das necessidades governamentais. As mudanças nos currículos e grades de matérias a serem estudadas são feitas com a antecedência necessária para que eu mantenha a minha escola no melhor padrão na região. Penso em convidar o secretário para fazer uma palestra aos meus alunos e os mais capazes que a aproveitem para iniciar uma carreira.

Uma semana após as determinações de palestras e debates na escola, as professoras fizeram uma festa e inauguraram uma placa comemorativa com o nome da dona Severa na sala da direção.

Dessa maneira, de setor em setor, a ganância e os interesses pelo poder invadem Ourópolis. Os quadrúpedes fazem campanha junto aos donos das carruagens e das carroças; as professoras fazem campanha junto aos pais e familiares dos alunos.

Ernestina se casa com o Terêncio, o fabricante das lamparinas e oferece uma ajuda de custo para que ele se candidate a secretário de Minas e Energia na chapa do atual governador, o Sr. Honório Jumento.

_ O rei cuida da nobreza, da burguesia e dos súditos. Me diga um motivo para votarmos em outro candidato? Para nós não faz diferença, diz a esposa ao marido.

Terêncio concorda.

José se afasta de Terêncio. O candidato dele é outro. É o Gilson Rodas, fabricante das rodas para todos os tipos de caleças. Empreendedor, experiente e atual Secretário das Estradas e Rodagens do reino.

Dona Severa está em campanha para o Secretário de Educação e Cultura, Murilo Li Sobrinho.

As eleições “Aclamação Popular do Reino do Vale Verde” se dão da seguinte maneira: cada morador pendura uma faixa com o nome do governador e dos secretários escolhidos na porta da casa. Os fiscais do reino e dos candidatos passam nas casas e recolhem as faixas para a posterior contagem e verificação. Todos os cidadãos votam, mas o voto é aberto e todos sabem quem votou em quem.

Numa das vilas dos moradores súditos do reino moram João e Madalena. Eles possuem uma pequena empresa de bordados. Ele recebe os fregueses e a encomenda. Ela borda. Eles sabem das eleições e combinam uma resposta temporária, que é “Até lá decidiremos”. A porta da casa deles é aberta ao público o dia inteiro. Para eles, o freguês não tem partido político, tem é que pagar na hora que receber a encomenda.

O casal abriu a loja de comércio de bordados para preencher o vazio de uma casa sem crianças. Ela não conseguia engravidar e não havia crianças para adotar em Ourópolis. Eles formam um casal e isso tem que bastar para eles. As sugestões, propagandas e até práticas como ameaças de perder clientes alteravam a rotina de trabalho do casal naquela campanha para a “Aclamação Popular”.

Antes que o comércio falisse em virtude da campanha eleitoral, João decidiu falar com o seu jegue, seu fiel companheiro nas estradas do reino, numa das idas ao centro a fim de comprar os fios de bordado.

O jegue falou que conhecia um cavalo que trabalhava no palácio do governo. O cavalo Fogo nas Ventas era um cavalo para os exercícios matinais do governador Honório Jumento. João estava em situação tão constrangedora, que raciocinou: antes um jegue que me carregue que um cavalo que me derrube.

Na manhã seguinte, na hora da cavalgada matinal, Fogo nas Ventas, com muita cortesia, reverenciou o governador.

_É com muita honra que levo Vossa Excelência praticar exercícios.

_Você, cavalo, está feliz? Eu o sinto com o trotar pesado hoje. Parece um cavalo cansado.

O cavalo respondeu que estava triste porque alguns donos dos amigos cavalos estarem na antevéspera de falir.

_ Falir? Aqui em Ourópolis é o rei que decide quem faz o que e quem compra onde. Assim ninguém sequer entra em concordata.

O cavalo aproveitou a oportunidade para contar a situação do João e da Madalena.

_ Se votarem no senhor, os outros candidatos deixarão de mandar tecidos para bordar; se votarem no Rodas e o Rei souber, não bordam mais; se votarem no Sobrinho terão que estudar até não vencerem as encomendas e os estudos. Eles não pertencem a grupos sociais, eles atendem a toda a cidade e não são animais. Portanto, eles não podem ser vendidos para outros donos. Esse é um privilégio dos quadrúpedes.

O governador Honório Jumento disse que iria pleitear junto ao rei o direito de se abster de votar.

O rei não permitiu a abstenção. Todos os cidadãos devem votar para contribuir condignamente na cidade que habitam. O Rei Sombrinha, um conhecedor de Platão e da República, permitiu aos súditos manifestações diversas nas faixas de votação com uma condição: que não houvesse palavras injuriosas contra o Rei, o reino, poder instituído ou contra os governantes e que desestimulasse a vocação do cidadão para o voto, a escolha, o discernimento. O rei, que ninguém conhecia, que era proferido com letras maiúsculas, minúsculas e pelo apelido, era sábio e previa a república. Ele acreditava que uma vez concebida, a ideia cria a sua voz e segue até encontrar o homem que a transforme em ação.

Chega o dia da “Aclamação Popular do Reino do Vale Verde”. É procedido o recolhimento das faixas, a grande maioria delas com os nomes dos candidatos escolhidos, algumas com votos de louvor ao rei, pela permissão de manifestações diversas. Havia uma faixa enorme com uma carta ao rei. Essa faixa chamou a atenção dos conferentes de faixas.

“Perdoe-nos o Reino e Vossa Majestade. Não votamos com voto aberto. Os que assim o fazem pertencem a grupos que certamente não os deixarão em má situação após a apuração das faixas de votos. Outrossim, a nossa proteção é contarmos um com o outro durante os nossos dias e as nossas noites neste reino bem conduzido por um Rei justo. Contamos com eleições regulamentares com votos secretos para a próxima “Aclamação Popular”. Contamos com leis que não permitam aos derrotados saberem os votos dos seus parentes e amigos, vizinhos e empregados ou patrões.”

A faixa com a carta foi levada ao Palácio Real para análise. O Rei Sombrinha publicou em edital um agradecimento ao casal pela coragem do manifesto não ofensivo, mas contundente e persuasivo.

O casal sobreviveu à “Aclamação Popular do Reino do Vale Verde”.

Quem ganhou as eleições foi o Rodas. A população votou contra os dez anos a mais para um governante. Chegou ao fim a era Honório Jumento.

O Li Sobrinho se perdeu em conferências e obteve poucos votos, mas é encarregado das políticas culturais do Reino de Vale Verde e trabalha com Sombrinha, contavam as professoras.

Um político precisa ser ágil. Rodas, o governador eleito convida Ernestina para trabalhar como chefe de gabinete da Secretaria de Minas e Energia. As fogueiras chegaram ao fim para a alegria de todos os súditos do Reino de vale Verde. Junto à peste negra vem a renascença. A liberdade e a responsabilidade de mãos dadas.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

História de Amigas. Publicado no livro : Labirintos e Palavras, da editora Guemanisse.

Amigos

Há muito tempo atrás existiu a cidade de Pardais, em algum local belo dentre as matas brasileiras. Nesta cidade existiam duas amigas inseparáveis. Turquesa, a filha do vendedor de diamantes Joaquim Dourado e Camélia, filha de Aurélio Prata, rico confeccionador de jóias. Os dois homens eram viúvos e fizeram com que as suas filhas se comportassem como se fossem irmãs de sangue e vivessem uma família no internato onde as meninas estudavam.

As outras moças do colégio, que não estudavam em regime de internato e que não eram amigas fiéis e devotadas umas às outras, sentiam ciúmes da amizade como a que aquelas moças praticavam com afeição.

Clara, uma interna do colégio religioso Santa Mãe da Igreja, soube dos ciúmes provocados pela sinceridade daquela amizade das suas vizinhas de quarto nas quadras de esporte do colégio. Ela praticava esportes diversos e sonhava ser professora de educação física e resolveu ajudar as ciumentas a afastar aquelas duas amigas.

Clara convidou Turquesa e Camélia para assistirem as competições anuais intercolegiais, onde o colégio Santa Mãe da Igreja participava em várias categorias. As amigas, que não gostavam de esportes, prometeram que compareceriam aos jogos de damas e xadrez.

Clara então combinou com as colegas que as meninas que jogariam damas e xadrez, nas horas de descanso dos torneios, se reuniriam às colegas Turquesa e Camélia. A equipe do jogo de damas apoiaria e defenderia todas as palavras de Turquesa. A equipe de xadrez, por sua vez, incentivaria a Camélia cada vez que a sua opinião fosse contrária à de Turquesa.

Começam os jogos intercolegiais. É o dia da abertura da festa. Estudantes chegam de todos os lugares da cidade. Quando as amigas chegam, as duas equipes do colégio onde estudam sorriem para elas. Ao final da solenidade de abertura as moças vão abraçar as colegas do internato.

Em meio a brincadeiras, Turquesa diz que está arrependida de não ter trazido o casaco com o emblema do colégio para mostrar que estava na torcida. Camélia disse que era melhor assim, afinal, tinham poucas oportunidades para se vestirem com roupas comuns.

_ Que pena que você não trouxe o casaco, disseram as moças do jogo de damas à Turquesa.

_ Não vemos a hora de guardarmos nossos uniformes no armário, disse a equipe de xadrez à Camélia.

As duas eram inseparáveis e resolveram que Turquesa assistiria e torceria em todos os jogos de damas e Camélia faria o mesmo em todos os jogos de xadrez.

Na saída do jogo de damas, Turquesa conheceu um jovem alto, forte, rude e com ares de ambicioso, chamado Geraldo. Conversaram e combinaram de se encontrarem em outro dia.

Igualmente, na saída do jogo de xadrez, Camélia avistou um jovem de estatura mediana, que usava óculos, com livros de filosofia nas mãos e o achou encantador. Como quem não queria nada perguntou a ele do que se tratava aquele livro em suas mãos. O nome dele era Otávio. Ficaram filosofando por duas horas seguidas.

Ambas começaram a namorar na mesma época. As amigas apresentaram-se mutuamente os respectivos namorados. Geraldo e Otávio simpatizaram imediatamente um com o outro e combinaram irem juntos aos jogos de futebol na cidade. Turquesa e Camélia exultaram ao perceber que os seus namorados seriam amigos também.

Passaram-se três anos e as amigas se casaram com Geraldo e Otávio respectivamente.

As obrigações para se manter uma casa em ordem são muitas, mas os casais se entrosavam e mantiveram o contato assíduo e camarada. As churrascadas eram feitas pelos maridos aos sábados. As duas iam às compras e ao salão de beleza enquanto os maridos estavam no estádio de futebol assistindo uma partida. Os domingos eram reservados pelos casais para as suas famílias, mães e cunhados da parte dos maridos.

Vieram os filhos. Cada casal teve duas meninas. Safira e Esmeralda, filhas de Turquesa e Geraldo. Florbela e Clarineis, filhas de Camélia e Otávio. Eram duas famílias, mas pareciam uma só. As meninas eram criadas pelos dois casais devido a constância com a qual se visitavam.

É chegada a hora das meninas irem às aulas. As mães matricularam as meninas na mesma escola. Estudaram juntas o ensino primário. Quando foram para o ginásio, as religiosas, observando o comportamento das meninas, encaminharam as filhas de Turquesa para o curso de artes e as filhas de Camélia para as práticas desportivas.

Clara ainda observava essa amizade, que agora é das famílias.

Todas as atividades das meninas são compartilhadas pelas duas famílias. As quatro mocinhas cresciam juntas. Porém, à medida que cresciam, todas as quatro ficaram anêmicas. Emagreceram demais e ficavam pálidas a olhos vistos.

Clara, ao perceber que as meninas adoeciam, decidiu ir ao colégio onde as meninas estudavam. Conversou com as coordenadoras do colégio.

Na semana seguinte, Safira e Esmeralda foram chamadas para uma conversa na sala da diretora.

Esmeralda olhou para Safira, a irmã mais velha, interrogando-a com o olhar para descobrir o que tinham feito de errado para serem chamadas à diretoria. Safira a olhou com espanto. Combinaram de ouvir tudo o que a diretora tinha a dizer e depois, em casa, conversar com a mãe. As duas se dirigiram à direção para a conversa.

_ Minhas queridas e dedicadas alunas. De hoje em diante vocês não mais conversarão com a Florbela e a Clarines dentro das dependências do colégio. Não se surpreendam. As duas irmãs virão até aqui após o término das práticas desportivas e ouvirão igualmente as minhas determinações. Vocês são amigas o suficiente para compreenderem que elas gostam de atletismo. Elas são tão amigas que entenderão que vocês gostam de artes. Ao mesmo tempo quero fazer um convite para vocês. Safira, se aceitar o convite, será monitora nas aulas de pintura em cerâmica. Esmeralda, de igual maneira, ajudará na criação das decorações das festas na escola.

As meninas gostaram dos convites e agradeceram à senhora diretora.

_ Sim, aceitamos o convite senhora diretora. E às nossas famílias, o que diremos?

A diretora já havia pensado na pergunta e na resposta.

_ As suas mães convivem desde a infância e é muito justo que sejam amigas por toda a vida. Creio que ambas as mães estejam preocupadas com vocês. Vocês estão empalidecidas e não se alimentam direito. Até as professoras comentam a saúde de vocês com cuidado. Eu tenho absoluta certeza que se vocês, cuidarem das suas novas atividades com carinho e almoçarem no colégio, logo estarão umas moças viçosas e saudáveis.

Depois da conversa com Esmeralda e Safira, a diretora chamou Florbela e Clarines. As duas irmãs ficaram temerosas quanto as suas práticas esportivas e correram à direção com os uniformes úmidos e os cabelos presos molhados do banho de chuveiro após a corrida.

A diretora riu-se e observou a preocupação das meninas.

_ Minhas queridas pequenas atletas! Chamei-as aqui para convidá-las a ajudarem a professora de educação física a orientar as meninas que tem uma tendência ao esporte desde pequenas. Vocês darão o exemplo de boa alimentação para as pequenas. Almoçarão com elas e verificarão de qual das brincadeiras elas gostam mais.

As meninas olharam uma para a outra e suspiraram aliviadas.

Ao chegar em casa, as quatro meninas conversaram com as suas mães, que imediatamente contaram tudo uma à outra. Tiveram que ceder após uma conversa na coordenação da escola. A diretora disse a elas que a vida familiar estava preservada e que as meninas conviveriam unidas nas famílias, mas as regras do colégio impunham que cada aluna fosse direcionada a aprimorar os seus talentos.

Clara soube de tudo. Ninguém que raciocine bem tenta manter um segredo numa cidade pequena. É inútil e desgastante. Clara estava feliz. Havia separado as meninas. A coordenação do colégio soube da alegria de Clara, a mentora das atitudes, e a diretora a convidou para tomarem um chá juntas.

Clara se sentiu intimidada a dar satisfações. Desde o colégio ela tenta separar aquelas duas amigas. As outras moças seguiram as suas vidas e se esqueceram do assunto. Ela não. Ela se sentia como se tivesse a obrigação de acabar com aquilo.

Parecia para a diretora que Clara conseguira o seu intento. Perguntou à Clara qual o porquê daquela obstinada peregrinação contra as amigas e obteve a sua resposta.

_ Senhora diretora, a minha obstinação não é contra a amizade de Turquesa e Camélia. É contra o ódio, contra o ressentimento. A amizade delas é nascida da ausência de mãe, é nascida pelo amor de dois homens, que, sendo viúvos, resolveram que criariam uma família para as moças. Eles custearam essa amizade. Elas se sentiram na obrigação de manter a amizade em homenagem aos pais. É a minha história que se repete. Eu estava muito mal, assim como a minha irmã e as minhas amigas estavam. Todas nós estávamos fracas. Eram quatro adultos para que nós obedecêssemos. As nossas notas escolares eram compartilhadas. Não sabíamos a quem pedir autorização dentro de casa. Éramos submissas. Quando o marido da amiga da minha mãe reprovava um passeio, minha mãe e o meu pai o proibiam. Sairíamos nós todas ou todas ficaríamos em casa. Não tínhamos a quem contestar. Tínhamos que nos rebelar contra os quatro para fazermos algo sozinha. Aí vinha a solidão da falta de apoio. A ausência de segredar com as nossas mães sem que a sua amiga soubesse e desse a sua opinião. Elas formavam uma única opinião. Elas pareciam se confessar uma com a outra. Era um juramento estúpido. Aquilo não era amor, amizade e nem algum sentimento profícuo e enobrecedor. As outras três meninas morreram. Eu fui a sobrevivente. O interessante foi que depois que as minhas colegas dessas dores morreram, eu voltei à vida. Eu me divertia. Eles, os meus pais e as minhas mães estavam tão afundados no luto pela morte das suas filhas se esqueceram de mim e eu pude nascer, criar a minha personalidade. Não precisei e nem poderia contestá-los. Todos eles eram bons. Foi terrível e não esqueço o sofrimento que passei. Turquesa e Camélia jamais se destruirão. Elas construíram um sonho onde havia um vazio. Elas vivem desse sonho. As meninas não tiveram vontade própria até hoje. Elas caminhavam conversando sobre o medo que sentiam de ter que pedir autorização para a mãe e para o pai. Os casais se achavam no direito de planejar a educação em conjunto. Algumas colegas maldosas falavam que são as heranças do Dourado e do Prata que as unem. A Turquesa e a Camélia não tomam decisões sem que uma consulte a outra. Eu sei que não são as heranças que as unem. Eu sou rica. Eu pude me meter em um assunto onde nunca fui chamada e que me prejudicou um bom tempo depois daqueles jogos estudantis. Daqui a quatro ou cinco anos elas estarão bem graças a sua ajuda, senhora diretora. De agora em diante deixarei que sigam os seus caminhos em paz, mas conto com a senhora para cuidar das meninas. Elas têm gente demais para cuidar dos seus destinos. Elas vivem o vazio existencial em toda a sua complexidade. Nenhuma das suas alunas merece mais atenção do que essas meninas. A saúde e o futuro delas está em suas mãos.

A diretora a tranqüilizou e disse que daria a atenção necessária ao caso. Pediu ao dono da confeitaria um pedaço de bolo de chocolate e o ofereceu à Clara em tom afetuoso.

_ Aceita um pedaço de bolo menina? É a diretora que oferece, preste atenção nisso.

Clara aceitou e amansou o seu coração e os seus dias daquele dia em diante.

Quem quiser que conte outra.

Carrossel das flores.

Contam que tempos atrás existiu uma bruxa muito má. Através dos seus encantos mágicos ela atraía os meninos e modificava as suas feições. Era uma mulher incapaz de amar algo ou alguém.

Joãozinho, um menino bom, filho único de mãe viúva, costureira, morador daquela cidade que nem nome mais tem, caminhava da casa para a escola quando ouviu a conversa de dois meninos: o Hilário e o Tobias. Os dois falavam em tom de voz bem alto e não foi difícil ouvir o tema. Eles contavam que no alto da montanha havia uma casa de uma cor amarelo escuro com janelas marrons e dentro dessa casa tinha uma porção de brinquedos tais como: carrinhos, soldadinhos de chumbo, trens, miniaturas de cornetas, tijolinhos de pedra para brincar de montar castelos e fortes.

Joãozinho pensou que se ele parasse cinco minutos não iria se atrasar para a escola. Pediu desculpas aos meninos por ouvir uma conversa que não era a sua. Perguntou qual era o caminho para se chegar lá e se qualquer menino poderia entrar lá para brincar também.

Observou que o Hilário estava com a boca que lembrava a de um sapo e o achou esquisito. Observou igualmente que o Tobias estava com um olhar que parecia um peixe morto.

O menino ficou curioso e com vontade de conversar, mas foi à escola e somente depois das aulas é que ele foi para casa. Na hora do almoço ele lembrou dos meninos e contou o que ouviu para a mãe dele.

_ Isso é conversa fiada, Joãozinho. Não existem lugares assim.

O menino mudou de assunto e almoçou.

Na semana seguinte, na mesma hora e lugar, o garoto ia à escola quando avistou Hilário e Tobias novamente.

Dessa vez, os dois falavam sobre os lanches na casa pintada de amarelo escuro no alto da montanha. Frutas, sucos, pães e queijos, além dos doces que eles não gostavam de comer.

Joãozinho pensou em convencer a mãe a deixá-lo conhecer a tal casa. Falaria com ela na hora do almoço.

_ Joãozinho, quem são os meninos?

_ O Hilário e o Tobias.

A mãe olhou para o filho e ficou desconfiada.

O Hilário era filho do tecelão, chamado Generoso, e o Tobias era filho do escudeiro Jorge.

No dia seguinte a dona Arminda, mãe do Joãozinho, resolveu ir ao local indicado sem que o filho soubesse. Se fosse verdade, deixaria o filho brincar no local, mas não acreditava na história dos meninos. Ela se vestiu de agricultora, cobriu a cabeça com uma manta marrom cor de casca de árvore e subiu a montanha se disfarçando por entre as árvores.

Avistou o local. Em volta da casa havia um jardim florido. Se realmente não queria ser vista, não poderia se aproximar. Ela se escondeu atrás de um jatobá e ficou observando o local. Estava desconfiada de mais, algo parecia errado e ela percebe que é estranho construírem uma casa de recreação em um local de difícil acesso para as crianças.

Uma hora olhando o local pelas frestas da árvore e aparecem os meninos Hilário e Tobias acompanhados de uma mulher coberta de um manto cinza com capuz. Os pés estavam com pantufas cinzas completando a vestimenta. Ela sentiu um arrepio quando viu a cena, mas não arredou os seus pés dali.

A mulher se dirige aos meninos:

_Hilário, eu preciso de mais garotos comigo. Meu sonho é ter o meu exército. Nasci para mandar. Seja simpático ou deixo a tua boca pequena como a de um peixe e você só poderá comer minhocas.

_Tobias continue disciplinado. Se assim não se comportar, eu mudo o seu nariz e o seu pai nunca mais o reconhecerá.

Hilário e Tobias choram. Depois comentam entre eles da vergonha que sentem em contar aos seus pais que sofrem ameaças de uma mulher. Homens não temiam mulheres. Naquela época era uma desonra, uma mancha para o resto das suas vidas. Era uma pena que sozinhos não conseguissem se livrar daquela bruxa. Ela rondava os garotos e aqueles que subiam tinham uma parte do seu rosto modificados assim que se colocavam dentro daquela casa. Eles queriam muito voltar a ser do jeito que eram. A verdade era que todos que entravam naquele lugar acabavam como soldadinhos da bruxa. Aqueles nos quais ela colocava boca de siri não podiam comer. Era muito triste.

Dona Arminda espera que os meninos entrem na casa e desce a montanha. Resoluta, vai à casa de Generoso, o tecelão. Antes de tocar no assunto, o tecelão conta para ela que teme pela saúde do filho. Antes de sumir, o menino, de nove anos de idade, repentinamente estava com o formato da boca parecida com a de um sapo. Ela conta o que ouviu do seu filho, da montanha, da casa e da bruxa. O tecelão diz que vai visitá-la mais tarde.

Sai da casa do tecelão e vai à casa de Jorge, o escudeiro, para contar a mesma história. A reação do escudeiro é outra. Ele a chama de mentirosa. Diz também que ele prepara o garoto para a vida real. Fala da modificação do olhar do menino como uma prova do conhecimento adquirido com o pai. O menino provavelmente saíra de casa para conquistar o seu espaço. Ele ensinou o filho a ser completamente independente dele.

Corre para casa. Precisa preparar o almoço rapidamente para o filho que daqui a alguns minutos chegará em casa. Quando o Joãozinho entra em casa, ela conta o que fez e diz que o Hilário e o Tobias estão enfeitiçados. Ordena que o filho não se aproxime da casa na montanha.

É noite. O tecelão Generoso bate à porta de sua casa. Ele pede que ela descreva o manto daquela bruxa.

Ele faz o tecido. Ela costura.

Generoso precisa saber a que horas os meninos saem de lá e vêm à cidade. Joãozinho conta onde os vê conversando toda a semana. Através conversa da mãe com o tecelão, o menino percebe que o perigo ronda e espreita a cidade.

O tecelão, com a ajuda do Joãozinho, espera o dia marcado. Na hora marcada, ele vai ao encontro dos meninos. Desta vez Joãozinho não vai à escola e fica de prosa com o Hilário e o Tobias. Generoso aparece disfarçado, vestido de bruxa. Os garotos se confundem e acreditam que a bruxa está atrás deles. O tecelão imita a voz de mulher bruxa.

_Vão para a casa do tecelão, pai do Hilário e peguem tecido para que eu faça um manto novo.

_ A senhora quer tecido da cor cinza?

Ela (o tecelão) responde que sim. Os meninos, com o pavor de sofrerem mais feitiços, obedecem.

Quando chegam lá, contam ao tecelão o sofrimento que estão passando naquele momento e pedem ajuda. Generoso pede para que os garotos se escondam atrás do tear e que saiam do esconderijo quando a dona Arminda chegar e, que fiquem com ela até ele voltar para casa para resolver o problema do ‘tecido’.

O tecelão corre para a casa do escudeiro e diz o que sabe. Jorge, o escudeiro grita:

_Eu não queria acreditar. Você não sabe o que é isso! Eu sei! Essa bruxaria não acaba. Ela desaparece durante duzentos anos. Depois desse tempo, no qual o povo se esquece dela, uma mulher adquire o conhecimento e a “coisa” reaparece. Meu filho nas mãos de uma coisa horrível! É isso que você me diz. Eu tenho o livro de história e sei como fazer essa “coisa” desaparecer. Peço a sua ajuda bom homem.

Jorge pega dois escudos e pede que o tecelão traga a dona Arminda para costurar uma réstia de alhos embutido dentro de cada saco, dentro de cada escudo. Dentro do saco colocam dentes de alho. O olhar da bruxa é maléfico e os dentes de alho os protegerão. Ela desaparecerá assim que comer seis dentes de alho. Será preciso tirar o capuz para que ela possa engolir os dentes de alho.

Quando tudo está pronto, dona Arminda leva Hilário e Tobias para sua casa a fim de distraí-los do medo que sentem da bruxa. O medo da ameaça os faz servos da bruxa.

Da montanha, a bruxa tudo vê na sua bola de cristal. Sabe que planejam acabar com a sua existência por mais duzentos anos. Não existe feitiço contra dentes de alho e ela terá que enfrentá-los.

O tecelão e o escudeiro, cada qual com dois escudos nas mãos, sobem a montanha. Avistam o jardim. A porta da casa está aberta. Eles entram. Avistam os brinquedos na sala e o lanche na mesa da copa. A bruxa aparece na frente deles. Propõe que eles larguem os escudos e se unam a ela. Nesse caso, todos os seus desejos serão satisfeitos. Se a enfrentarem, serão transformados em cactos cheios de espinhos e não abraçarão mais os seus filhos. Eles furam o saco de alhos com um canivete que está estrategicamente preso ao escudo e correm por todos os cômodos dentro da casa para que o alho se espalhe. Neste momento os dois homens se postam na frente da bruxa. Ela chama-os de malditos, os amaldiçoa e os olhos dentro do manto ficam enormes.

Jorge, o escudeiro, protegido com um colar de alhos no pescoço, arranca o capuz da bruxa. Ela aparenta sessenta anos, é alta, clara, olhos azuis gigantescos, nariz fino, um sorriso dominador, suave e seguro em lábios finos, cabelos loiros penteados casualmente.

Jorge come um dente de alho e coloca outro dente de alho na boca do tecelão.

_ Mastigue e engula. Nada vai acontecer de ruim.

Generoso a segura pelos braços. O cheiro do alho espalhado pela casa a faz se sentir zonza. Aproveitando-se da fraqueza momentânea da bruxa, o tecelão grita:

_Coloque o alho e faça com que ela engula.

Ela resiste e é a vez de o escudeiro gritar:

_ Encoste a sua pulseira de alhos no pescoço dela.

Ele encosta o punho dele na parte de trás do pescoço dela.

Ela surpreende os dois e pede para comer o alho quando vê que a derrota é próxima.

_ Eu não costumo perder senhores. Eu comerei seis dentes de alho e renascerei daqui a duzentos anos. Haverá um tempo em que uma bruxa será vencedora.

Os brinquedos vagarosamente desbotam e mudam de forma, são ossos de caveira agora. Eles rapidamente deixam a casa. O jardim é um brejo. Sem flores, sem grama, sem vida.

Na casa da dona Arminda a boca de Hilário volta ao normal e os olhos de Tobias criam vida. Joãozinho observa de novo:

Mãe olhe para eles. Estão voltando ao que eram antes. Eles ainda tem que perder o medo, não é mãe?

Antes que a mãe faça um sinal de sim com a cabeça, O Hilário diz que o tempo o fará perder o medo. O sofrimento foi enorme para que a sua boca, que estava normal, o fizesse esquecer o que passou.

O Tobias, com os seus olhos vivos, comenta:

_ Eu quero ser feliz, quero esquecer o que passou, quero conquistar as minhas vontades. Eu sou criança ainda e minhocas não me apetecem.

Os meninos ganharam o livro de história com a missão de passarem os seus ensinamentos para que se evite que a bruxa e o mau-olhado construam o seu castelo no futuro.

À noite, eles se reúnem, a dona Arminda, Generoso e o Jorge, para organizar uma festa para os seus filhos, afinal, se gente grande erra, o que se dirá dos pequenos.

Convidam alguns vizinhos, alguns amigos, as meninas que são amigas da escola, cozinham um lanche bem caprichado.

Os convidados ficam assustados com o que aconteceu. As crianças se divertem mas os adultos dizem: “Quem quiser que conte outra”.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Coisas do Reino.

castelo

O Rei Reinaldo escolheu para o servir na função de valete particular o Horácio, que é um homem de reputação ilibada e considerado honesto até demais para o Reino de Antanhos.

O Conde D’Rondó, Ministro das Armas, ficou descontente com a escolha. Ele preferiria que o rei tivesse como valete um dos seus homens treinados para as eventualidades da segurança pessoal, também capacitados para influenciar e conduzir algumas decisões. Esta escolha poderia ser útil ao Ministério das Armas e à condução do Reino de Antanhos, além de aumentar o seu prestígio pessoal entre os outros ministros do Reino.

Diante da escolha indesejada, o hábil ministro observa os criados do rei, que são o honesto Horácio e a empertigada e simplória Berenice. Resolve apostar em Berenice. Certamente é fácil influenciar a moça e ele contata o guarda-portão do palácio, chamado Ludovico.

Ludovico, um rapaz de postura correta, ombros eretos, simpatia adequada às necessidades dos nobres, de repente, passa a tratar Berenice com uma maneira cortês, reservada aos nobres e não aos criados do palácio. Ele elogia o uniforme dela como se fosse um traje de passeio e começa uma conversa.

_ O rei mantém os criados mais aptos ao lado dele. Você me diria quais são as qualidades tão apreciadas por vossa majestade?

Ela o olha surpresa, sem entender nada com coisa nenhuma, mas responde.

_Eu nem de longe sei o porquê dele ter me escolhido. Eu entrei no palácio aos dezesseis anos para ser auxiliar de cozinha. Fiquei três meses lá. Quando a camareira Ema teve bebê, a chefe das camareiras me chamou para a substituir. Eu arrumei os quartos de vários nobres. Quando a Ema terminou o período de resguardo e voltou ao trabalho, eu voltaria para a cozinha, mas o rei interveio e ordenou que eu fosse a arrumadeira do quarto dele. Recebi a educação das damas de companhia e faz dois anos que me dedico com todo o empenho ao manter o aposento de sua majestade impecável.

Para não mostrar a intenção segunda da conversa, ele despista com outra pergunta.

_ E você, Berenice? Fale-me de você para me deixar adivinhar as suas qualidades.

_ Eu sou filha dos floristas que atendem os pedidos do palácio. Estudei pouco. Ah, o estudo foi feito para os nobres, não tenho jeito com isso. Eu quis trabalhar e aqui estou. Significa que estou certa no jeito que eu penso.

Berenice era uma moça de vinte e um anos, vestida com as roupas das criadas da corte, o que a deixava escondida tanto na provável beleza da idade quanto nas imperfeições. Não era feia e não era bonita perante o Reino de Antanhos. Visitava semanalmente a região onde moravam os súditos, os comerciantes e alguns empregados do reino. Quem se importava com as suas visitas na região era Laércio. Ele a admirava e não se aproximava porque ela trabalhava ao lado do rei. Ele tinha medo. E se o rei não gostasse dele?

Laércio usava do expediente dos gracejos para que ela o notasse. Se ela gostasse dele, que importância teria o rei na vida deles?

_O rei e o reino roubaram a Berenice de quem a ama! Ela nunca foi jovem, apenas aprendeu um comportamento inaceitável para a boa convivência na sua região, no seu berço. A arrogância da Berenice não pertence a ela, pertence aos nobres.

A moça não perdia a oportunidade de ouvir tais comentários. Passava em frente à casa do Laércio somente para provocá-lo.

Enquanto isso, nas conversas frequentes entre Berenice e Ludovico, este descobriu que Horácio, o valete, pela manhã separava as roupas para o rei vestir durante as suas atividades do dia, verificava os sais aromáticos do banho e a temperatura adequada da água na banheira de madeira chinesa. Enquanto o rei se banhava, ele provava o desjejum para se certificar que estava sem elementos químicos estranhos e do agrado de sua majestade. Em seguida lia a agenda e os compromissos do dia. Acompanhava o rei quando solicitado e também secretariava as reuniões reais. Horácio não perdia a compostura em momento algum, além de honesto, era culto e não usava o seu conhecimento para interferir na vida de sua majestade. Todas as informações seguiam para o Ministro das Armas, Conde D’Rondó.

O ministro, ao conhecer as informações, chama o rei de estúpido, o valete de parvo e, se contém ao falar da moça, para que as informações não façam o caminho da volta. E, se Berenice for íntima do rei?

Berenice sabia do respeito com o qual o rei a tratava. Ela trabalhava contente e deixava a sua família contente ao comentar o respeitoso tratamento recebido no quarto do rei, mesmo na ausência do valete.

Chega o dia de reunião mensal entre o rei e os seus ministros, reunião especial onde são resolvidos o direcionamento e a política do Reino. O Conde D’Rondó estava presente ao encontro. É hora do Ministro das Armas se pronunciar sobre o reinado

_Vossa Majestade, em primeiro lugar eu vos desejo e ao vosso valete uma vida longa e saudável. Ele passa bem porque a segurança na cozinha verifica toda a sua comida, majestade. Se algum dos meus homens falhar, o valete é uma vítima do Vosso Reinado. É difícil para um ministro experiente em armas, como eu, se modestamente puder me dirigir à sua majestade, saber que Vossa Majestade tem um parvo a morrer quando poderia ter uma condor para guiá-lo pelos melhores e aconselháveis caminhos. Os meus homens não se deixam abater. Se morrem, morrem pelo Reino de Antanhos.

O Rei Reinaldo olha para o seu ministro, o conde D’Rondó, com austeridade e diz:

_Digníssimo Ministro das Armas: cabe à sua colocação neste reino de Antanhos: a segurança do Reino e a vida sem riscos de Sua Majestade, no caso Reinaldo de Antanhos III. Com o respeito que vossa excelência merece, a guarda Real não precisa proteger ou interferir no banho do rei. Nos relatórios de segurança dos lacaios reais, elaborado e vindo do seu ministério, constam que Horácio é um homem sensível às letras, honesto, casado e sem filhos. É o que me basta para uma escolha pessoal. Escolha pessoal, nada que prejudique o meu amado Reino de Antanhos, ou o deixe em perigo ou em mãos inconsequentes.

Os demais ministros sorriem e o Conde d’Rondó sai com os olhos de fogo daquela reunião ministerial. Decide retaliar a Berenice e colocar uma camareira da sua confiança nos aposentos do rei Reinaldo.

Rapidamente Berenice recebe apelidos entre os nobres, a “belezinha do reino”, a “filhinha do reino”, a “jardineira inteligente” e assim por diante. Os apelidos geram boatos que correm dentro do castelo.

O rei sente que se os comentários persistirem, ele perderá a sua camareira de confiança e comenta com o Horácio a situação.

_ Vossa majestade me permita fazer uma sugestão. Eu até hoje não interferi em nenhuma das suas ordens. Sinto, porém, que uma injustiça é cometida dentro deste local. Contra a injustiça, a prudência é mãe e a atitude é pai. Berenice pode arrumar o quarto em que vivo com a minha esposa. Assim, enquanto os comentários são combatidos, a moça trabalha em um bom local e cheio de livros, os quais precisam que alguém os livre da poeira que entra pelas janelas. Aproveito a ocasião para pedir a sua permissão para procurar um valete para me auxiliar nas tarefas. Eu confiava na Berenice limpando este quarto. Sem ela, preciso de um criado da minha confiança, alguém com quem contar.

_Prezado valete Horácio. A permissão vos é concedida contanto que o vosso auxiliar não seja indicado por nenhum nobre.

O rei entra no quarto para trocar de roupas e o valete Horácio conclui: _Se o rei me encontrou, também eu encontrarei um auxiliar digno e honesto, embora tenha a impressão de que a isenção de ânimos e partidos foi um dom concedido pela Graça Divina a mim e à Berenice.

“A fofoca é um meio corrente para que a corte saiba o que de fato se passa com o intuito de preservar os nobres nos seus postos e cada serviçal fiel ao seu senhor”, raciocina o valete.

Ele e a esposa ficam contentes com os serviços prestados pela nova camareira dos seus aposentos. Horácio, com curiosidade, pergunta se ela conhece algum homem honesto para ser o seu auxiliar.

_ Conheço o Laércio, que é zombeteiro como só ele sabe ser. Ele não tem a educação necessária para o palácio. É honesto, bonito e trabalhador. É o meu bravo valete senhor.

Horácio pede à Berenice que chame Laércio para vir ao palácio.

Ela avisa Laércio. Ele sente que a grande chance da sua vida chegou. “Roubarei a minha roubada criada para que me acompanhe nos passeios matinais”, é assim que ele pensa. Honesto, simples e romântico. Vai absorto e feliz ao palácio em busca do valete que lhe deu a chance.

O moço fica bem apanhado com as roupas do reino. Horácio simpatiza com ele.

O rei determina um rodízio de camareiras para cuidar dos seus aposentos. O valete Laércio observa qual o objeto do quarto mais limpo a cada dia. Passa um mês e o rei determina que o rapaz comente as suas observações com as camareiras.

Na segunda-feira seguinte Laércio diz à camareira que “a senhora que limpa os aposentos aos domingos é a que melhor tira o pó dos retratos”. Na terça-feira ele observa que “a camareira que vem aos sábados é a que deixa os lençóis mais esticados”. Semana após semana, ele conta as suas observações às camareiras. Elas se irritam e começam a comentar as impertinências do valete.

As camareiras não podem comentar sobre os valetes, elas criam um grande constrangimento para os nobres, todos tem entre os seus criados camareiras e valetes. “Os comentários devem surgir na corte”, pensam os nobres.

Os nobres pressionam o valete Horácio, atual comandante da Berenice, que peça ao rei que a Berenice volte a cuidar dos seus aposentos. Desta maneira, eles se sentiriam mais à vontade para lidar com os seus criados.

Com tantos comentários envolvendo camareiras e valetes, o Conde D’Rondó percebe que o seu ministério não é sua propriedade e manda que se calem os comentários sobre a Berenice.

Desta maneira Berenice volta a prestar serviços ao rei. O valete Laércio continua a aprender o ofício de valete junto a Horácio. Ele está para vencer a sua conquista.

O rei e o Horácio percebem o que se passa entre aqueles dois. Agora, a cada livro que Laércio lê, é ordenado a levar a Berenice ao bosque da região dos empregados para que ela aprenda a vida sob o ponto de vista dele, sem grandes preocupações com as formalidades. Agora, a cada livro que a Berenice lê, recebe a ordem de fazer alguns bolos e pães salgados, iguais aos que são servidos na corte, para levar aos passeios no bosque.

Laércio se transforma num valete digno. Berenice é senhora de si, sabe se comandar sem a aprovação dos nobres.

Laércio e Berenice, um lindo casal, felizes para quando a nobreza permite, ou seja, de vez em quando. Nesse reino a felicidade não é para sempre. Eles têm os seus momentos de alegria e até felicidade mesmo. Apenas momentos e enfim, o FIM.