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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

domingo, 23 de maio de 2010

Nem tudo é o que parece nesse conto:Outra Dimensão.

Outra Dimensão. Naquela terça-feira do mês de abril, Márcia se sentiu livre e poderosa para fazer o que lhe viesse a cabeça. Aos cinqüenta anos, ela tinha finalmente conseguido o sucesso, estabilidade financeira como empresária franqueada de uma loja de roupas de grife francesa. Após refletir o caminho percorrido como balconista, subgerente de vendas de uma loja de departamentos, gerente de uma empresa de cosméticos, as economias feitas até montar uma pequena butique, pensou que estava na hora de se permitir tirar umas férias para se soltar e extravasar o seu íntimo, reprimido pelos compromissos constantes no comércio. Foi até uma agência de viagens, comprou um pacote de viagens com estadia para 20 dias nos países baixos. De repente, pensou na aventura que talvez tivesse dormindo abaixo do nível do mar, na Holanda. Já sonhava com as tulipas, os castelos, os diques e com os passeios aos moinhos de vento. Preparou tudo para a viagem. Determinou que Catarina, a sua mais antiga funcionária, tomasse conta da loja. Foi ao banco e autorizou o débito automático de todas as suas contas e já aproveitou para pegar a quantia de dinheiro necessária para uma viagem tranqüila. Chegou o dia 25 de abril, pegou as malas, chamou o táxi e foi para o aeroporto de Guarulhos. Entrou no avião, o céu estava claro e o clima estava ameno. O avião decola, ela lê, ouve música e acaba dormindo. O avião adentra uma nuvem. Acontecem mudanças no comportamento de todos os passageiros. Alguns riem, outros gritam, outros choram, há até os que dançam em descompasso nos corredores da aeronave. Ela se sente livre como um pássaro e canta as músicas que lhe vêm na mente. O piloto avisa que aterrissará em Amsterdã. Os passageiros saem atônitos com o que se passou dentro do avião e vão para o American Hotel. Estão cansados. Márcia come alguma coisa, toma um banho, se veste para dormir e se deixa cair na cama, cansada da viagem. No dia seguinte quando acorda, repara que tem um homem dormindo ao seu lado e que ela está em uma cama de casal. Levanta e esbraveja: _ O que significa isso? Eu nunca me casei! O homem acorda e pergunta se ela está bem e diz que o seu nome é Ivan, que eles estão casados há mais de vinte e cinco anos. _Eu conheci um Ivan quando eu tinha 19 anos, namorei com ele, mas não casei. Como posso saber se você é o Ivan de Figueiredo que eu conheci na minha juventude. Namorei-o durante seis anos, depois você, que dizer, ele, disse que não gostava mais de mim e me disse adeus. O homem senta-se na cama, sorri, pega a carteira de documentos, mostra a carteira de identidade e o passaporte devidamente carimbado. Ao pegar os documentos, ela confirma que são autênticos. Imediatamente pega a sua frasqueira de mão e olha os seus documentos. Que susto leva ao se deparar com uma certidão de casamento contendo os nomes de Márcia Gonçalves e Ivan de Figueiredo como casados. _E o tempo que eu trabalhei e economizei para chegar até a minha loja de grifes, pergunta para o Ivan. _Loja, que loja? Responde ele estupefato. Márcia pega o telefone e liga para a Catarina, São Paulo, Brasil. Catarina é dona de uma lavanderia e diz que não a conhece. Cada vez mais atordoada, pede licença ao Ivan e vai até o saguão do hotel. Senta-se no sofá da recepção e as lágrimas rolam sem se desculparem pela dor que causam. Ela lembra que há dois anos resolveu desmanchar o enxoval e havia colocado uma toalha de mesa na cozinha, duas toalhas de rosto na sua casa em Santos e uma toalha de banho para o seu uso diário. Odiava se alguém a presenteava com peças de enxoval. A palavra casamento era uma ferida aberta e não deixava que ninguém se aproximasse para comentar a sua vida pessoal. Dedicou a sua vida ao trabalho e nenhum homem que conheceu depois do Ivan a fez se apaixonar daquele modo próprio da juventude. Mantinha o lazer como uma religião, distraía-se enquanto o tempo passava e não pensava em afeto. Acalmou-se, subiu ao quarto, olhou para Ivan e disse como se sentia e que não se lembrava de estar casada. _Eu também não lembro, isso deve ser conseqüência da turbulência no avião. O susto provocou efeitos colaterais, mas deixe estar que passa. Verifiquei a documentação antes de deitar, também fiquei surpreso. Márcia olhou para Ivan demoradamente e viu as rugas, o sorriso, os gestos e achou graça. De repente, não queria mais a situação anterior, aquela nova dimensão de vida lhe fazia bem. Tudo que ela sempre sonhara estava ali perto. No entanto, era honesta consigo mesma e com os outros e o seu marido precisava buscar a clareza dos fatos também. Ivan concordou em dar um pulo até o consulado brasileiro e se informar. A secretária do consulado entregou um comunicado do Ministério da Aeronáutica convidando a todos os passageiros daquele vôo para uma reunião, após a volta ao Brasil, que não seria antecipada para o bem estar de todos os turistas. O roteiro programado pela agência de turismo seguiu normalmente para o casal. Na volta ao Brasil, eles entraram em contato com o Ministério da Aeronáutica para marcarem a reunião, que se realizaria no dia 15 de maio de 2.007. Na data marcada eles foram à Base Aérea para a reunião. Foram recepcionados pelo coronel-aviador Geraldo Simão. _ Sentem-se, por favor. O assunto é secreto e ninguém acreditaria se vocês contassem. Há um ponto no céu, em cima do Oceano Atlântico que exerce uma força atrativa sobre os aviões. Os pilotos da aviação civil são orientados a desviar o ponto porque os passageiros... Deixe-me explicar melhor: mágoas são apagadas e os desejos secretos se tornam realidade no instante seguinte. Aí está o problema. Vocês se sentem roubados e felizes ao mesmo tempo. São emoções desconhecidas e não estudadas, são emoções raras. A vida pregressa desaparece, a memória é de uma realidade que não existiu. O que existe é só o que vocês têm no momento. Se precisarem de ajuda, tratamento psicológico, estamos fornecendo gratuitamente aos interessados. _Porra!!! Diz Ivan. A mulher se comporta diferentemente dele. Consciente que a delicadeza do espírito havia a abandonado e que ela se tornara fria como uma pedra de gelo, quis se descobrir e se encontrar novamente com as sensações perdidas nos anos de batalha. Voltam ao apartamento do Ivan, morada do casal há quinze anos. Ligaram para Santos e Márcia tinha a sua casa ainda bem conservada. _Ufa!!! Diz Márcia. Os dois conversam sobre todos os assuntos que não conversaram durante os anos em que estiveram ausentes um do outro, ela com carinho e ele com atenção. Outras conversas como dinheiro, sexo, idade entravam sem querer no meio da conversa. _E agora, pergunta Márcia. _Agora sigamos juntos. O que é a realidade senão o que o inconsciente deseja e trama para que sigamos o caminho que o espírito na verdade almeja, responde Ivan. Ela concorda e sorri.

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